Marcos de Moura e Souza / Valor Econômico
Acadêmica europeu Bruegel, analisa o voto de britânicos e franceses
Em uma semana de eleições no Reino Unido e na
França, a pesquisadora do think-tank Bruegel, baseado em Bruxelas, Heather
Grabbe faz uma avaliação sobre as demandas e insatisfações dos eleitores em um
momento em que o populismo de direita ganha apoio pela Europa.
Professora visitante da Universidade College London e autora de artigos publicados no “Financial Times” e no site “Politico”, Grabbe diz nesta entrevista ao Valor que as diferenças de linha econômica entre partidos tradicionais estão cada vez mais apagadas e que a direita populista prospera reforçando mensagens sobre identidade e nacionalismo. No Reino Unido, embora o jogo se dê entre as forças convencionais - Trabalhistas e Conservadores -, Grabbe destaca o nível de aprovação da legenda direitista anti-União Europeia Reform. Enquanto na França, o segundo turno das eleições parlamentares no domingo deverá mostrar um avanço marcante da extrema direita de Marine Le Pen.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O que significa a virtual vitória
do Partido Trabalhista, de centro-esquerda, no Reino Unido em um momento que a
extrema direita tem ganhado apoio e espaço político em países da Europa?
Heather Grabbe: Os eleitores britânicos
sentiram a necessidade de uma mudança de governo. Os conservadores caíram em
descrédito após 14 anos no poder, um período no qual negociaram uma saída da UE
que prejudicou a economia e a posição do Reino Unido no mundo. Foi um período
também em que houve um declínio nos serviços públicos, especialmente no Serviço
Nacional de Saúde. Os trabalhistas oferecem uma redefinição em ambas as
questões.
Valor: Diferentemente dos eleitores em
outros países do continente, o eleitor britânico está, em certo sentido,
vacinado contra a chamada direita populista?
Grabbe: Não acho que se trate disso. A
razão pela qual um partido convencional de esquerda ou de centro tem grande
probabilidade de vencer a eleição não é porque os eleitores britânicos estão
rejeitando o populismo, mas por causa de dois fatores muito específicos que são
muito particulares ao Reino Unido. Um deles é que o sistema de votação torna
quase impossível que partidos que contestam [as forças políticas dominantes]
consigam representação no Parlamento. Isso inclui, por exemplo, o Partido da
Independência do Reino Unido [anti-União Europeia]. Mas também inclui os
verdes, que tiveram apenas uma cadeira no Parlamento, embora haja, na verdade,
um grande apoio às políticas verdes em toda a população. Portanto, o que
acontece no Reino Unido é que as partes mais extremas da política são
incorporadas aos partidos tradicionais. Assim, extremistas se acomodam nas
franjas do Partido Conservador e do Partido Trabalhista.
Valor: E qual é o segundo fator?
Grabbe: A outra coisa é que o Brexit -
depois de sete anos as pessoas entendem que foi um desastre grande para a
economia britânica e para os vínculos do Reino Unido com o resto da Europa -
desacreditou, até certo ponto, a direita radical populista, porque essa era a
sua principal plataforma.
Valor: Ainda assim, parece haver um
interesse crescente nas ideias de direita, anti-imigração, do partido Reform,
de Nigel Farage. Isso diz algo sobre para onde sopram os ventos eleitorais no
Reino Unido?
Grabbe: Atualmente há mais apoio,
segundo as pesquisas, a esse partido populista reformista do que aos Liberais
Democratas, que há mais de dois séculos disputam eleições como um partido
liberal dominante. O fato de o Reform na semana passada ter se aproximado muito
dos conservadores, em termos de nível de apoio, é algo muito incomum. Isso
nunca aconteceu antes no Reno Unido. Lembrando, no entanto, que isso se dá
depois que os conservadores terem realmente ficado sem ideias, depois de muito
tempo no poder.
Valor: Em relação ao segundo turno das
eleições parlamentares na França. Ainda que o partido de Marine Le Pen não
chegue a obter a maioria do Parlamento (como apontam algumas pesquisas), ela
continua sendo um dos nomes fortes para as próximas eleições presidenciais. De
olho em uma fatia maior do eleitorado, a direita francesa tem buscado suavizar
suas mensagens, deixando de lado temas muito controversos e sectários?
Grabbe: Sim, eles são muito flexíveis do
ponto de vista ideológico, o que significa que mudarão de posição se perceberem
que sua posição não é mais popular. Por exemplo, a própria Marine Le Pen pediu,
há alguns anos, que a França deixasse o euro depois da crise da moeda. Agora,
ela sabe que isso não é popular. Também houve a defesa para que a França
deixasse a UE. Mas, depois do desastre do Brexit, isso deixou de ser popular.
Ela também se afastou do antissemitismo de seu pai, Jean Marie Le Pen, fundador
do partido. Marine passou a se posicionar mais contra os muçulmanos e, de forma
mais ampla, contra os imigrantes, em vez de abraçar a linha antissemita.
Portanto, ela mudou muito. Em termos de promessas eleitorais para esta eleição,
ela também mudou muito rapidamente quando percebeu que algumas de suas
promessas econômicas seriam mal vistas porque não eram bem calculadas. Algumas
delas seriam muito caras. Ela não demonstrou como o país seria capaz de
custeá-los. Portanto, como muitos líderes populistas da direita radical, ela se
mantém fiel a mensagens amplas, em vez de políticas detalhadas. Mensagens como
‘A França é nossa.’ No Reino Unido, a mensagem era ‘retomar o controle’. Na
Holanda, na última eleição, foi ‘be Dutch be normal’ (seja holandês, seja
normal). São slogans baseados em identidade, principalmente em torno de um
argumento nacionalista. O argumento ‘nós somos a França’ e esse tipo de
campanha pode ser muito eficaz quando os eleitores se sentem desorientados em
relação a quais políticas que fariam sentido agora, quando sentem que a
economia não está indo bem, mas não sabem o que fazer a respeito.
Valor: Esse tipo de mensagem
nacionalista produz mais impacto do que mensagens sobre como melhorar o
ambiente econômico?
Grabbe: Uma pesquisa do ‘Financial
Times’ na semana passada que achei impressionante constatou que mais eleitores
franceses confiam mais na Le Pen em relação à economia do que em Emmanuel
Macron. E isso é surpreendente, uma vez que as prescrições de política econômica
da Le Pen e suas opiniões sobre economia não têm estimativas de custo por trás,
não há análise, não há argumentos econômicos. Mas as pessoas se sentem
insatisfeitas com o que está acontecendo com a economia. Agora, acho que
especialmente a inflação teve um impacto em suas opiniões. Emmanuel Macron não
lutou contra isso. A inflação é controlada pelo Banco Central Europeu. Mas,
mesmo assim, os eleitores não estão convencidos. Isso mostra o quanto é
possível fazer campanha com base em questões de identidade e, ainda assim,
conquistar a confiança dos eleitores em questões nas quais você não tem
credibilidade.
Valor: Por que os eleitores têm
depositado mais confiança nessa direita populista na França e em outros países
do continente?
Grabbe: O populismo sempre existiu na
periferia de qualquer democracia. Sempre há pessoas com pontos de vista
extremos, que preferem mais autoritarismo do que um Estado democrático. Há
sempre também pessoas que procuram alimentar a divisão nas sociedades, isso
sempre aconteceu. O que aconteceu na Europa e em outros países nos últimos dez
anos, mais ou menos, é que os partidos tradicionais deram a eles [a esses
defensores de visões extremas] muito mais espaço. Como se a centro-direita e a
centro-esquerda estivessem propondo exatamente as mesmas políticas econômicas,
e as pessoas se sentem frustradas por não haver alternativas. E isso aconteceu,
especialmente desde a queda do comunismo, desde que a economia socialista saiu
de moda. O neoliberalismo não satisfaz as pessoas, mas ainda não há ainda uma
alternativa real ao liberalismo. Portanto, acho que esse é um dos motivos pelos
quais as escolhas de política econômica deixaram de ser o principal elemento
que os eleitores levam em conta. No passado, você escolhia se queria mais do
setor público ou mais do setor privado, se queria mais gastos públicos ou menos
impostos, esse tipo de coisa. Mas isso não é mais motivo de contestação. Não é
mais sobre isso que as pessoas discutem nas eleições. As questões se voltaram
muito mais para identidade e também sobre como a sociedade está mudando. Temos
o multiculturalismo, a migração, e isso deu muito mais espaço para o populismo
no debate, porque eles [adeptos do populismo de direita] não precisam ter
políticas econômicas complicadas, podem ter políticas baseadas na identidade e
criticar a migração como seu objetivo principal.
Valor: Se não há mais tanta divisão em
relação à pauta econômica, o que dizer em relação ao debate sobre transição
energética e mudança climática?
Grabbe: A grande questão daqui para
frente é como todos lidarão com o clima. É uma questão muito complexa sobre a
qual são necessárias muitas políticas sobre como administrar a transição
energética. E não há ainda um debate suficiente entre esquerda e direita.
Assim, os populistas simplesmente dizem que negam que as mudanças climáticas
estejam acontecendo. A alternativa para a Alemanha [AfD], por exemplo, é um
partido que nega o clima. Ou então dizem que talvez isso esteja acontecendo.
Marine Le Pen, por exemplo, faz campanha contra as turbinas eólicas [ela
defende o fim de subsídios bilionários à energia eólica e solar, dizendo que
são fontes intermitentes e que o melhor será redobrar investimentos em reatores
nucleares]. Basicamente, quando se tem uma questão política muito complexa, o
populismo em geral não tem soluções realmente detalhadas, elaboradas, mesmo
assim prospera em uma atmosfera em que os principais partidos também não estão
oferecendo muitas soluções. E então eles [os partidos da direita populista] transformam
toda a eleição em uma questão de identidade.
Valor: Em geral, como o setor
empresarial na Europa tem reagido à ascensão da direita radical?
Grabbe: É fato que a direita radical populista geralmente é contra a regulamentação. Mas ela pode ser extremamente desestabilizadora para o ambiente de negócios. Veja na França como o mercado de títulos de crédito enlouqueceu. Muitas empresas francesas estão realmente preocupadas com as políticas econômicas do partido [de Le Pen], sobre quais seriam as políticas deles quando se trata de um partido que nunca esteve no poder em nível nacional, que não tem políticas. Incerteza é muito difícil para os negócios. Talvez algumas propostas de que não gostem sejam retiradas, mas há uma perturbação do ambiente de negócios em relação ao potencial, por exemplo, de mais inflação, de aumento da dívida pública, em relação aos impostos. Além disso, quando os partidos populistas de direita radical estão no poder podem dificultar a vida das empresas porque tendem a minar o Estado de Direito. Na Hungria, por exemplo, os juízes são controlados pelo partido que está no poder. Portanto, se você é uma empresa que não gosta do partido no poder... ou, por exemplo, na Turquia onde o partido no poder pode exigir que você pague para ajudar alguns deles em suas campanhas. E se você não fizer isso, não conseguirá uma audiência justa nos tribunais. Esse enfraquecimento do Estado de Direito se torna um grande problema para as empresas e, em última análise, prejudica a economia.
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