O Globo
O governo não consegue sair de uma quadro
econômico intrincado
Memorável depoimento fez o embaixador Rubens
Ricupero na comemoração dos 30 anos do Plano Real promovida pela Fundação FHC,
em São Paulo, na tarde de 24 de junho. Era ministro da Fazenda quando o Real
entrou em vigor, em 1º de julho de 1994. Vinha exercendo o cargo com admirável
competência desde 30 de março daquele ano, quando FHC teve de se afastar para
disputar a eleição presidencial.
Sua marcante intervenção no evento tocou num ponto crucial. Serviu de alerta para que, no calor das comemorações do Real, o país não se deixe levar pela ilusão de que as conquistas do esforço de estabilização empreendido a partir de 1994 tornaram-se irreversíveis. Vale a pena reproduzir o que Ricupero teve a dizer sobre isso.
“É verdade que o Real é uma conquista que
mudou o destino do Brasil. (...) Acho que o povo brasileiro, de fato, se
convenceu da malignidade da inflação. Os políticos, eu já não tenho tanta
certeza. (...) Os políticos, a começar pelos mais altos escalões, claro,
compreendem que, como o povo não tolera inflação, eles também não podem ser a
favor. Agora, eles não fazem ligação entre causa e efeito. (...)."
"Por exemplo, a questão do gasto
público. Para eles, inflação não tem nada a ver com gasto público. É uma
variável independente. Confesso que a tristeza maior que eu tenho, no fim da
vida, é ver que, de tudo aquilo, o que não pegou foi a responsabilidade fiscal.
(...) Aqui se abandonou. Nós tínhamos melhorado. E pioramos.”
Esse perfil genérico tão bem descrito por
Ricupero ajusta-se com perfeição a Lula da Silva, na sua terceira encarnação
como presidente da República. Noticiários de televisão de 26 de junho,
transmitiram cena em que Lula, cercado por jornalistas, lhes repetia, com
ênfase prolongada no verbo: “eu amo inflação baixa”.
O que tem faltado, como bem assinalou
Ricupero, é ligar causa e efeito. Em contraste com o que fez nos seus dois
primeiros governos, Lula decidiu que, não obstante todo o peso do endividamento
público federal, se permitiria atravessar seu terceiro mandato sem qualquer
preocupação com a geração de superávits primários.
Alertado de que, se deixasse isso tão
explícito não conseguiria se livrar do teto de gastos, Lula concordou que, por
meio do arcabouço fiscal, se prometesse que seu governo cumpriria uma meta
pífia de geração, ao longo de quatro anos de mandato, de um superávit primário
acumulado de 1% do PIB.
O plano de jogo era um esquema batido de
tributar e gastar (tax and spend). Na verdade, gastar e tributar. Nesta ordem.
E o que ocorreu é que a segunda parte acabou não indo tão bem quanto a
primeira. O aumento viável de receita tributária não tem sido suficiente para
fazer face ao colossal aumento de gastos.
Para compensar os efeitos de tamanho impulso
fiscal, o Banco Central viu-se obrigado a sustar, a meio caminho, a redução de
taxa de juros que delineara.
Agora, à medida que vem ficando claro que nem
mesmo a meta fiscal pífia deverá ser cumprida e que o risco fiscal se exacerba,
o governo se vê entalado em um quadro econômico intrincado, do qual não
consegue sair. A persistência de taxas reais de juros tão altas manterá os
investimentos entravados e o governo às voltas com uma dinâmica de
endividamento público ainda mais adversa.
A saída óbvia seria um esforço de
consolidação fiscal duradoura pelo lado dos gastos. Mas o governo parece
despreparado, seja para mostrar convicção convincente quanto a isso, seja para
se dispor a conceber e viabilizar as medidas que se fazem necessárias. Não sabe
por onde começar.
Lula prefere sonhar com sua Pasárgada. Conta
os dias para a chegada de 2025, quando, afinal, passará a “ter o presidente do
Banco Central” (Folha de S.Paulo, 27 de junho) e a taxa de juros que quiser, no
nível que escolherá. Um pesadelo, em que o país se daria conta da medida exata
da efetiva importância que Lula atribui ao controle da inflação.
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