sexta-feira, 5 de julho de 2024

Rogério F. Werneck - Causa e efeito

O Globo

O governo não consegue sair de uma quadro econômico intrincado

Memorável depoimento fez o embaixador Rubens Ricupero na comemoração dos 30 anos do Plano Real promovida pela Fundação FHC, em São Paulo, na tarde de 24 de junho. Era ministro da Fazenda quando o Real entrou em vigor, em 1º de julho de 1994. Vinha exercendo o cargo com admirável competência desde 30 de março daquele ano, quando FHC teve de se afastar para disputar a eleição presidencial.

Sua marcante intervenção no evento tocou num ponto crucial. Serviu de alerta para que, no calor das comemorações do Real, o país não se deixe levar pela ilusão de que as conquistas do esforço de estabilização empreendido a partir de 1994 tornaram-se irreversíveis. Vale a pena reproduzir o que Ricupero teve a dizer sobre isso.

“É verdade que o Real é uma conquista que mudou o destino do Brasil. (...) Acho que o povo brasileiro, de fato, se convenceu da malignidade da inflação. Os políticos, eu já não tenho tanta certeza. (...) Os políticos, a começar pelos mais altos escalões, claro, compreendem que, como o povo não tolera inflação, eles também não podem ser a favor. Agora, eles não fazem ligação entre causa e efeito. (...)."

"Por exemplo, a questão do gasto público. Para eles, inflação não tem nada a ver com gasto público. É uma variável independente. Confesso que a tristeza maior que eu tenho, no fim da vida, é ver que, de tudo aquilo, o que não pegou foi a responsabilidade fiscal. (...) Aqui se abandonou. Nós tínhamos melhorado. E pioramos.”

Esse perfil genérico tão bem descrito por Ricupero ajusta-se com perfeição a Lula da Silva, na sua terceira encarnação como presidente da República. Noticiários de televisão de 26 de junho, transmitiram cena em que Lula, cercado por jornalistas, lhes repetia, com ênfase prolongada no verbo: “eu amo inflação baixa”.

O que tem faltado, como bem assinalou Ricupero, é ligar causa e efeito. Em contraste com o que fez nos seus dois primeiros governos, Lula decidiu que, não obstante todo o peso do endividamento público federal, se permitiria atravessar seu terceiro mandato sem qualquer preocupação com a geração de superávits primários.

Alertado de que, se deixasse isso tão explícito não conseguiria se livrar do teto de gastos, Lula concordou que, por meio do arcabouço fiscal, se prometesse que seu governo cumpriria uma meta pífia de geração, ao longo de quatro anos de mandato, de um superávit primário acumulado de 1% do PIB.

O plano de jogo era um esquema batido de tributar e gastar (tax and spend). Na verdade, gastar e tributar. Nesta ordem. E o que ocorreu é que a segunda parte acabou não indo tão bem quanto a primeira. O aumento viável de receita tributária não tem sido suficiente para fazer face ao colossal aumento de gastos.

Para compensar os efeitos de tamanho impulso fiscal, o Banco Central viu-se obrigado a sustar, a meio caminho, a redução de taxa de juros que delineara.

Agora, à medida que vem ficando claro que nem mesmo a meta fiscal pífia deverá ser cumprida e que o risco fiscal se exacerba, o governo se vê entalado em um quadro econômico intrincado, do qual não consegue sair. A persistência de taxas reais de juros tão altas manterá os investimentos entravados e o governo às voltas com uma dinâmica de endividamento público ainda mais adversa.

A saída óbvia seria um esforço de consolidação fiscal duradoura pelo lado dos gastos. Mas o governo parece despreparado, seja para mostrar convicção convincente quanto a isso, seja para se dispor a conceber e viabilizar as medidas que se fazem necessárias. Não sabe por onde começar.

Lula prefere sonhar com sua Pasárgada. Conta os dias para a chegada de 2025, quando, afinal, passará a “ter o presidente do Banco Central” (Folha de S.Paulo, 27 de junho) e a taxa de juros que quiser, no nível que escolherá. Um pesadelo, em que o país se daria conta da medida exata da efetiva importância que Lula atribui ao controle da inflação.

 

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