Valor Econômico
Os revoltosos não tinham um projeto político. Queriam derrubar o presidente da República e livrar o exército da sujeição às oligarquias
Ainda hoje nos arredores da estação e dos
quartéis da Força Pública (atual Polícia Militar), no bairro da Luz, em São
Paulo, há marcas dos tiros de obuses disparados na manhã de 5 de julho de 1924
e nos dias seguintes. Na ilha da rua João Teodoro, uma antiga chaminé de usina
termoelétrica tem as marcas dos disparos feitos pela Força Pública contra os
quartéis a partir da esplanada do Carmo. A torre da igreja e o Liceu Coração de
Jesus também têm suas marcas de tiros.
Tratava-se de uma insurreição de tenentes revoltosos do exército e de oficiais da Força Pública contra o governo de Artur Bernardes cuja deposição pretendiam. Do outro lado, o exército legalista e a força pública governista. Logo nas primeiras horas, os revoltosos prenderam o comandante da Força Pública e o general comandante da 2ª Região Militar, que acabara de chegar em casa, em traje de gala, do banquete e do baile do consulado americano, no Hotel Esplanada, para comemorar o aniversário da independência dos EUA.
Ao longo dos 23 dias da ocupação de São Paulo
não foram poucas as pessoas que morreram surpreendidas dentro de casa em
atividades do cotidiano. Ou nos porões das casas, na rua ou em abrigos, como as
muitas pessoas que estavam refugiadas no Teatro Olympía, na av. Rangel Pestana,
no Brás.
De um lado e de outro, o canhonaço atingiu
apenas os bairros operários, não os bairros ricos. Muitas fábricas e depósitos
foram destruídos pelos bombardeios e pelos incêndios. Cinco aviões do exército
usavam uma base de Mogi das Cruzes para voos de observação, distribuir
panfletos e bombardear a cidade.
Na Santa Casa, após a retirada das tropas
revoltosas, uma coleção de fotografias numeradas de cadáveres mutilados de
velhos, jovens e crianças esperava que parentes viessem identificar seus
mortos. Em terrenos baldios dos bairros e fundos de quintal muitos mortos foram
sepultados. Era impossível cruzar trincheiras e frentes de batalha para fazer
enterros. Só depois corpos foram exumados e levados para os cemitérios.
Quase metade dos 700 mil habitantes da cidade
fugiu de trem para o interior. No inverno mais frio da cidade, um acampamento
de refugiados foi organizado pela Cruz Vermelha na fazenda do Carmo, na zona
leste.
Cozinhas móveis foram improvisadas na cidade
para alimentar a população. Conventos, como o Mosteiro de São Bento, igrejas de
vários bairros e escolas, como a Caetano de Campos, foram transformados em
abrigos e refeitórios.
O governador Carlos de Campos, tutelado pelos
militares legalistas, no dia 9, fugiu de São Paulo para a estação de Guaiaúna,
na Penha, e ali instalou o governo numa composição da Central do Brasil. Nos
momentos de perigo se deslocava para Mogi.
A população entrou em pânico. Houve saques
tanto de grandes estabelecimentos quanto de residências, bancos e casas de
comércio. Estava em vigor a lei marcial. O tenente João Cabanas prendeu e
fuzilou saqueadores no centro da cidade.
Os saques revelaram fatos curiosos. Fotos de
embalagens vazias, do saque da fábrica Duchen, mostram que o biscoito Champanhe
era feito com o champanhe Veuve Clicquot.
Uma junta governativa espontânea foi
organizada, liderada por Macedo Soares, presidente da Associação Comercial, em
nome das classes conservadoras. Quando percebeu que precisava agregar-lhe
outras categorias sociais, deu-se conta de que havia em São Paulo uma classe
operária, que ele julgava ser constituída de comunistas, o que estava longe da
realidade. Não sabia como encontrá-la nem como trazê-la à mesa de conversação.
A São Paulo operosa era constituída de seres invisíveis.
A Revolução de 1924 não foi uma revolução
paulista. Nem foi uma revolução de verdade. Os revoltosos não tinham um projeto
político. Queriam derrubar o presidente da República, Artur Bernardes, e livrar
o exército da sujeição às oligarquias.
A promoção de um oficial a general dependia
da aprovação do Congresso, constituído de retrógrados representantes da
dominação pessoal dos ricos e poderosos da roça. Os tenentes do movimento
tenentista queriam libertar-se dessa tutela. Só indiretamente o país se
libertaria dos efeitos colaterais do atraso.
Nos últimos dias da luta, o arcebispo Dom
Duarte Leopoldo e Silva foi a Guaiúna falar com o governador e os oficiais pelo
cessar fogo e implorar ao governo em favor das vítimas. Mandaram que, pelo
telefone, falasse com o ministro da Guerra, Setembrino de Carvalho, um general
formado na experiência de Canudos e do Contestado, das degolas punitivas, o
povo tratado como inimigo. A resposta foi de que a bela São Paulo era rica e
poderia ser reconstruída. Sugeriu que a população abandonasse a cidade para não
ser vitimada pelos bombardeios.
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