sábado, 6 de julho de 2024

Carlos Andreazza - Múmia fiscal

O Estado de S. Paulo

O natimorto ‘será preservado a todo custo’. É caro embalsamar?

Fernando Haddad diz que Lula mandou preservar o arcabouço fiscal. Mandou preservar um corpo morto. Natimorto. A ver qual a melhor modalidade de manutenção para o presunto; também para anular o cheiro podre de matéria em decomposição faz tempo. Mumificação? Qualquer uma que ajude o projeto de empurrar a fatura para 2027.

O natimorto “será preservado a todo custo”. É caro embalsamar? Talvez entre na categoria lulofiscalista do gasto “necessário”. O presidente reafirmou o seu empenho pelo equilíbrio das contas públicas nestes termos: “A gente aplica o dinheiro que é necessário. Gasta com educação e saúde o que é necessário. Mas a gente não joga dinheiro fora. Responsabilidade fiscal não é palavra. É compromisso desse governo desde 2003 e a gente manterá à risca”.

Bastou. Deixa quieto. A semana foi dura. O dólar, abusado. Ninguém – entre os conspiradores contra a moeda nacional – quis se agastar com reflexões sobre a relatividade infinita do conceito de “aplicar o dinheiro que é necessário”. O endividamento público a quase 76% do PIB.

O presidente mandou preservar a carne vilipendiada anunciando corte em despesas da ordem de quase R$ 26 bilhões. Em 2025. Promessa-puxadinho, para efeito paliativo, produto de pente-fino em programas sociais e benefícios previdenciários. Varredura empreendida sob cobrança do TCU. A turma do Planejamento ora dedicada à perseguição de proposta de lei orçamentária “sustentável”.

Urgente rever gastos. Depois do ano eleitoral. A mumificação do futuro muito longe de atender a demanda que o mundo real imporá. E imporá ainda em 2024. À parte a forma que inventarão para maquiar a realidade, a necessidade de bloqueios orçamentários, neste ano, a ser maior do que o volume de cortes prometidos para o que vem.

“Cumpra-se o arcabouço fiscal. Não há discussão a respeito” – bradou Haddad.

Há, sim. O arcabouço fiscal já não é cumprido. Já não foi. Nunca viável. Adulterou-se a meta fiscal – rolada adiante – para folgar. (E não será pessimista a previsão segundo a qual, mesmo com esse refolgo, o objetivo fiscal continuaria infactível.) Que o ministro então lance a cousa no tempo correto: cumpra-se o arcabouço fiscal doravante. E acredite quem quiser.

Temos memória. Pedalouse, em abril, para antecipar a fabricação de dinheiros, o Congresso alterando facilmente dispositivo da regra para adiantar a ampliação de despesas do governo independentemente de projeções orçamentárias.

Foi pelo “necessário”. Entre outras coisas, num acordo, para recompor a base bilionária das emendas parlamentares de comissão. A nova fachada do orçamento secreto. Ninguém em Brasília acha que joga dinheiro fora.

 

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