segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

‘Reshuffle’ da coalizão de Lula - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Resultado das eleições municipais gera oportunidade de reembaralhar a coalizão de Lula

Acordos políticos de governos de coalizão não são fixos no tempo. Sua manutenção depende da dinâmica do jogo entre o Executivo e o Legislativo, que podem alterar os cálculos tanto do presidente como dos parceiros de coalizão, gerando novas possibilidades de equilíbrio ou mesmo de quebra da coalizão.

Eleições estabelecem o tamanho dos partidos e a distribuição de suas preferências ideológicas no Congresso. O presidente, formateur da coalizão, faz uma oferta de recursos políticos e monetários a partidos em troca de apoio político sustentável no Legislativo e na sociedade.

O partido do governo: o PSD é o novo PMDB? - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Kassab pode ser kingmaker nas eleições de 2026

PSD é o grande vencedor das eleições municipais, tendo eleito o maior número de prefeitos e vereadores. Mais importante é que este número é o melhor preditor das eleições para a Câmara em 2026, onde o partido já detém a quarta maior bancada. No Senado, o PSD possui a maior bancada. O PSD é o novo PMDB?

O velho PSD getulista e o novo PSD têm pouco em comum; mas o que têm em comum merece ser ressaltado, que é o peso do governo do dia em sua criação.

Em Minas Gerais, o estado em que veio a ser o esteio do partido, o processo é cristalino e vertical: o PSD foi criado por ordem do governador. "O processo adotado para a organização do eleitorado em facção foi o expediente clássico de fundar o ‘Partido do Governo’, no qual os altos funcionários ocupassem os postos de destaque". Orlando de Carvalho (1946) continua: o governador expediu uma mensagem aos prefeitos "ordenando-lhes que convidassem entre 5 a 10 pessoas de influência política no município para, em sua companhia, virem a Belo Horizonte tomar parte em uma reunião destinada a lançar as bases do PSD".

Os desafios do governo Lula - Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Melhora dos índices econômicos ainda é vista por muitas pessoas como abstração

Os brasileiros mais pobres chegam à metade do governo Lula com sentimentos mistos. A melhora dos índices econômicos ainda é vista por muitas pessoas como uma abstração que não reflete uma melhora sentida na pele.

Dados da pesquisa PoderData, divulgada no último sábado (21), apontam que apenas 37% dos brasileiros consideram o governo Lula melhor do que o governo Bolsonaro. Entre os mais pobres, os números não são melhores. Apenas 35% daqueles que possuem renda familiar de até 2 salários mínimos consideram o governo Lula melhor. Entre as pessoas que possuem renda familiar entre 2 e 5 salários mínimos, o índice sobe para 45% e cai para 34% na faixa acima de 5 salários mínimos.

Os erros que cometemos e o que aprendemos com eles - Marco Antônio Coelho*

Gramsci e o Brasil (março, 2004)

O golpe de Estado de 1964 ficará em nossa História como um acontecimento de singular relevância. Os que colheram os louros da vitória, como os que carregam o fardo da derrota entendem que há 40 anos houve uma profunda mudança de rumos na vida nacional. Daí a importância de um exame mais acurado dos fatos que culminaram com a deposição de João Goulart em 1964. Como participei ativamente naqueles episódios, vejo-me obrigado a examinar a seguinte questão: quais os principais erros das forças derrotadas em 1964?

Creio que eles resultaram de uma análise incorreta da correlação de forças. Erro gravíssimo que nos levou a não traçarmos, como um elemento básico de nossa estratégia, a defesa da democracia. Que elementos caracterizam a falsidade daquela apreciação que deu origem a tão graves equívocos?

Para fundamentar minha tese, basta recapitular a evolução dos acontecimentos a partir de setembro de 1961. A derrota dos generais que tentaram impedir a posse de Goulart foi interpretada por nós como uma mudança profunda, de qualidade, na situação política do Brasil. E aquela análise foi calamitosa porque envolveu um juízo a respeito do papel das forças armadas na vida brasileira. Isto é, nos levou a considerar que elas não mais poderiam intervir na cena política, para defender um status quo injusto e antipopular, que secularmente beneficia um reduzido grupo de privilegiados.

Entrevista | Marco Antônio Coelho: Era possível evitar o golpe de 64

Gramsci e o Brasil

O advogado e jornalista Marco Antônio Tavares Coelho, nascido em Belo Horizonte, em 1926, é o único remanescente da cúpula do PCB em 1964, quando houve o golpe militar que destituiu João Goulart. Era deputado federal pelo estado da Guanabara. Teve o mandato cassado, logo após o golpe; foi preso e barbaramente torturado pelos militares em 1975. Nesta entrevista ao Correio, conta que o secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, defendia a reeleição do presidente João Goulart e rejeitava a volta ao poder do ex-presidente Juscelino Kubitschek, o que considera um erro. Revela também que tentou organizar uma resistência armada ao golpe, mas as metralhadoras e os fuzis prometidos por Darcy Ribeiro, chefe de gabinete de Jango, nunca chegaram. "A saída foi cair na clandestinidade e reorganizar o partido, que, naquele momento, ficou desorientado." (Entrevista dada a Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense, sexta-feira, 28 de março de 2014)

O golpe de 1964 era inevitável?

Não concordo, o golpe poderia ter sido evitado. Mas, para isso, as forças progressistas deveriam ter outro comportamento. Algumas coisas facilitaram o golpe, embora nada o justifique ou o legitime.

Quais foram as causas do golpe?

Foram várias. Em primeiro lugar, é necessário que se leve em conta que a reação, desde a jogada em que quiseram impedir a posse do presidente João Goulart, em 1962, vinha sendo derrotada. Os ministros militares que lançaram o protesto contra a posse do Jango, após a renúncia de Jânio Quadros, foram obrigados a recuar. Eles nunca se conformaram e se articularam para dar o golpe.

Havia uma situação de radicalização política e crise econômica na época. Por que eles destituíram o presidente Jango?

Naquele momento, havia uma grande campanha das forças progressistas pelas reformas de base, substanciais para enfrentar a crise econômica, mas elas eram consideradas subversivas. Não eram. Por exemplo, a questão da reforma agrária. O San Tiago Dantas e eu preparávamos um projeto de reforma agrária que não violasse as normas constitucionais, mas havia setores que queriam uma reforma mais radical. O Francisco Julião, criador das Ligas Camponesas, lançou um movimento cujo slogan era "Reforma agrária na lei ou na marra". Era uma dualidade que nós, do PCB, não queríamos aceitar. Houve outros erros das forças progressistas, que precipitaram os acontecimentos.

Poesia | Vinicius de Moraes - Poema de Natal

 

Música | Chico Buarque - João e Maria

 

domingo, 22 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Reforma tributária ainda é uma obra em construção

O Globo

Lula deve sancionar regulamentação sem vetos, pois o próprio texto traz mecanismos de ajuste com o tempo

A regulamentação da reforma tributária no Congresso foi um marco na modernização de um sistema de impostos disfuncional, caótico e arcaico. Mas não esgota o assunto. Trata-se, na verdade, de uma obra em construção. O secretário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, tem razão ao dizer que houve “um avanço muito grande” em comparação com o que existe no país e que, apesar das inúmeras imperfeições nas regras aprovadas pelos parlamentares, elas são um preço necessário a pagar pela evolução.

Para começar, será uma revolução o contribuinte saber com exatidão quanto imposto paga, não precisar recorrer à esfera administrativa ou à judicial contra cobranças indevidas e se preocupar apenas com dois impostos sobre valor adicionado (IVA), sistema adotado há décadas nos países mais desenvolvidos. Apenas no ICMS, imposto estadual, há 27 regulamentações diferentes, para não falar na barafunda de normas e regras municipais. As empresas economizarão tempo e dinheiro no relacionamento com o Fisco.

Turbulência e esperança - Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

Vivemos entre a incompletude radical das soluções locais e a precariedade dos instrumentos multilaterais criados a duras penas

Frases e reflexões de Antonio Gramsci, um clássico moderno, costumam correr livremente na barafunda das redes sociais, e não por acaso. Uma delas é particularmente expressiva e trata de transições turbulentas, como a que o sardo viveu há cem anos e como a que agora vivemos nós. É quase certo que já tenhamos lido aqui e ali sua definição de “interregno” – um tempo estranho e incerto, nebuloso até, em que o velho morreu e o novo ainda não nasceu. Um tempo por isso mesmo povoado de monstros e anomalias políticas. Palavras de fogo, certamente, cuja utilidade presente não é preciso ressaltar.

Naturalmente, para ele a novidade histórica, apesar da sua reconhecida fineza analítica, teria o perfil delineado pelos acontecimentos que se desdobravam desde 1917, ou seja, a ruptura com o capitalismo. Seu paradigma era o de algum tipo de revolução, ainda que severamente danificado pelas dificuldades próprias do Ocidente político e pela emergência de uma enorme reação conservadora – o fascismo, do qual, como é bem sabido, se tornaria prisioneiro.

O dólar, entre o populismo e o patrimonialismo – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Assistimos um reality show de populismo e patrimonialismo, cujo resultado foi um grande estresse cambial, com a disparada do dólar, que continua acima dos R$ 6

O populismo sustenta-se no tripé liderança carismática, promessas além do exequível e críticas às elites. Não se pode dizer, porém, que o populismo seja o principal responsável pelas nossas desigualdades sociais e que, necessariamente, derive para o autoritarismo. Esse tipo de narrativa, ao contrário, justificou retrocessos políticos como o regime militar implantado a partir da destituição de João Goulart, em 1964. 

Nosso populismo surge com Getúlio Vargas, a partir da Revolução de 1930, como resposta à república oligárquica. Sua retórica voltada ao trabalhador foi amparada por direitos sociais que incluíram os trabalhadores assalariados na vida política nacional, como a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e o reconhecimento dos sindicatos. Ao mesmo tempo, o golpe de 1937, que implantou o Estado Novo, consolidou a tese de que o populismo deriva para o autoritarismo, o que viria a ser desmentido pelo próprio Vargas, após voltar ao poder pelo voto, na crise que o levou ao suicídio, em 1954.

As vitórias na semana difícil - Míriam Leitão

O Globo

Foram dias duros, mas o governo encerra a semana contabilizando vitórias como a aprovação do pacote fiscal e da Reforma Tributária

A semana passada foi especialmente tumultuada, mas terminou com balanço positivo. Foi aprovada a última parte da regulamentação da Reforma Tributária, dos impostos sobre consumo, uma vitória em uma luta de mais de três décadas. Foi aprovado o pacote fiscal. O dólar disparou, bateu em nível recorde, mas recuou na tarde da quinta e na sexta-feira. Houve uma transição harmônica no Banco Central e o presidente Lula deu uma chancela firme à autonomia do BC.

Ninguém sai de guerras sem baixas e feridos. O pacote perdeu parte da consistência, o Congresso se rendeu ao lobby da minoria do funcionalismo que ganha acima do teto. A Reforma Tributária passou a abrigar concessões a vários grupos de interesse. O mais danoso deles, o das armas. O dólar permaneceu alto e isso afeta a economia real, principalmente a inflação.

O governo com a palavra - Merval Pereira

O Globo

Com a autonomia garantida por lei aprovada no Congresso, de nada adianta Lula apertar paternalmente as mãos de Galipolo e garantir-lhe liberdade de ação. Não é uma concessão de Lula essa liberdade, mas uma conquista do Banco Central brasileiro que garante sua independência

O novo presidente do Banco Central, Gabriel Galipolo, está cercado pela tentativa do PT de fazê-lo parte integrante do governo, enquanto afirmam que ele terá garantida sua autonomia. Só essa garantia, partida de ninguém menos do que o presidente Lula, já mostra como veem o papel do BC na economia brasileira. Com a autonomia garantida por lei aprovada no Congresso, de nada adianta Lula apertar paternalmente as mãos de Galipolo e garantir-lhe liberdade de ação. Não é uma concessão de Lula essa liberdade, mas uma conquista do Banco Central brasileiro que garante sua independência.

Justamente para que o governo do momento não tenha condições de tentar manipular a taxa de juros. Os recentes aumentos da taxa foram decididos por unanimidade pela diretoria do Banco Central, que tem diretores já nomeados por Lula, inclusive Galipolo, que trabalhava com Fernando Haddad antes de ser nomeado. Esses fatos indicam que forçar uma queda de juros sem que existam condições técnicas para tal não terá respaldo nessa diretoria.

O reinado do Arthur - Bernardo Mello Franco

O Globo

Às vésperas de deixar a cadeira, chefão da Câmara arrancou uma nova estatal em Alagoas

Está perto do fim o reinado de Arthur Lira. O chefão da Câmara passou quatro anos na cadeira. Sua gestão será lembrada pela aliança com o bolsonarismo, pela truculência e pelo sequestro do Orçamento.

Lira mandou e desmandou como nenhum antecessor. Para apitar sozinho, esvaziou as comissões, triturou o regimento e sufocou as vozes divergentes. À frente de uma Casa de debates, não hesitou em cortar o microfone e ameaçar deputados que ousaram questioná-lo

O alagoano chegou ao cargo em 2021, com apoio do então presidente Jair Bolsonaro. Em pouco tempo, tornou-se uma espécie de primeiro-ministro. Enquanto o capitão se dedicava a lives e motociatas, ele tomou conta da articulação política e da pauta econômica.

A mágica chegou ao fim – Elio Gaspari

O Globo

A alta do dólar e a erosão da popularidade do governo fecharam a primeira metade de Lula 3.0. Prenuncia-se uma segunda metade cinzenta, na qual acumulam-se dificuldades do calendário, como o ano eleitoral, e imprevistos, como a incerteza em relação à saúde do presidente. Uma coisa era certa: a mágica verbal com a economia teria um limite e se esgotou.

Desde sua posse, Lula alternou malabares. Nos dias pares, culpava Roberto Campos Neto por uma economia que patinava. Nos ímpares, buscava, sem sucesso, um protagonismo internacional. Gastou dois anos tentando trocar êxitos, como a reforma tributária, enquanto escondia que seu governo não cortava despesas. Portanto, não cumpriria a meta do equilíbrio fiscal prometido durante a campanha eleitoral.

O golpe final na mágica veio do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, esvaziando a teoria segundo a qual o real desvalorizou-se por causa de um ataque especulativo. Nas suas palavras:

Uma mulher – Dorrit Harazim

O Globo

Gisèle Pelicot abriu mão do anonimato, dos óculos escuros, do silêncio e do horror para se libertar em público e reconquistar a identidade

Em setembro último, quando emergiram os primeiros detalhes do julgamento de monsieur Dominique Pelicot e sua confraria de estupradores sob demanda, ficamos aparvalhados. Onde encaixar a depravação e sordidez do nauseabundo crime coletivo cometido por pacatos cidadãos num vilarejo do sul da França? Teria sido conveniente e tranquilizador se os réus fossem aberrações sociais, praticantes de atos de ignomínia humana. Não foi o caso. Eram todos bípedes comuns, tocando vidas modorrentas, banais. É isso que assusta.

Na semana passada, Pelicot foi condenado a 20 anos de prisão por orquestrar o estupro coletivo de sua mulher, Gisèle, com participção de mais de 70 desconhecidos aliciados na região. Ao longo de quase uma década (2011 a 2020), esses corréus participaram de 92 sessões de abuso da vítima previamente sedada e “preparada” na cama pelo marido. O próprio Pelicot admitiu dopar e estuprar a esposa duas ou três vezes por semana, totalizando cerca de 1.400 violências. As altas doses de sedação à revelia a que Gisèle foi submetida fizeram com que tivesse lapsos de memória, desorientação e dores ginecológicas atrozes. Dominique Pelicot, tido como bom marido, a acompanhava nas visitas a especialistas. Sua motivação para também filmar e fotografar duas noras e uma filha enquanto dormiam?

Dois anos bons, dois perigosos - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Se Haddad conseguir muito menos do que pretende, e a gastança prevalecer, a segunda metade do atual governo poderá ser desastrosa

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa dois anos de mandato com desemprego baixo e economia ainda vigorosa, mas com inflação longe da meta, insegurança nas contas públicas, juros altos, mercado financeiro inquieto e perspectiva de crédito caro nos próximos anos. Em Brasília, nem a aproximação do Natal abrandou as preocupações com a economia. O Congresso avançou no exame de propostas do Executivo para arrumação das finanças federais. Retardou o recesso, cooperou com o ministro da Fazenda e contribuiu para a criação, neste fim de ano, de um ambiente incomum de entendimento político. Passadas as festas, no entanto, será preciso cuidar dos desajustes apontados nas projeções do mercado e do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC).

A busca pela ignorância - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Novo livro de Mark Lilla destrincha os mecanismos pelos quais pessoas optam ativamente por não saber

Aristóteles escreveu que o ser humano busca o conhecimento. Acho até que dá para avançar um pouco mais e afirmar que quase tudo de bom que a civilização nos proporciona se deve ao fato de termos esse impulso natural pelo conhecimento e sermos capazes de acumulá-lo coletivamente e transmiti-lo às próximas gerações.

Se cada pessoa que chega ao mundo tivesse de reinventar a roda e recriar a escrita por conta própria, a história de nossa espécie seria muito diferente. Talvez nem houvesse História.

O que escorre sob a ponte da civilidade - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Da Revolução Francesa à violência da PM em SP, há presença do horror em estado puro

Para Antoine de Rivarol, polemista do século 18, a Revolução Francesa terminou quando acabaram as execuções em praça pública, e o povo já não mais cantava "ça ira, ça ira /les aristocrates on les pendra" ("vai dar certo, vai dar certo / vamos enforcar os aristocratas"). Ou seja, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade seriam coisa de intelectuais iluministas, enquanto à massa interessava o espetáculo da vingança pela guilhotina. Essa impulsão parece intemporal, próxima ao que os alemães conhecem como "Schadenfreude", o prazer de infligir sofrimento a outros.

Lula depende da classe média - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Popularidade do presidente caiu em faixas intermediárias de renda no segundo ano de governo

Nas primeiras reuniões do mandato, Lula conversou com ministros sobre um tema que havia se tornado sua obsessão: a classe média. O presidente dizia que era preciso elaborar propostas para um segmento que parecia negligenciado pelos petistas. Antes de completar 100 dias de governo, ele declarou que pretendia resgatar "o poder aquisitivo da classe média brasileira".

O plano tinha como pressuposto o resultado rápido que o governo esperava colher na população de baixa renda. Pela projeção, a retomada de políticas direcionadas aos mais pobres daria à popularidade de Lula as fundações para avançar para a classe média, um segmento que tem cultivado o antipetismo nos últimos anos.

Lula ri amarelo no fim do ano de erros horríveis - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Disfarçando o vexame, governo admite decisões toscas que podem custar a eleição em 2026

No último dia político do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros tentaram passar uma mão de tinta na parede rachada do crédito do governo. Lula foi o maior responsável pelo desastre financeiro de dezembro, que deixará sequelas na economia e no seu cacife político, fecho de um ano de erros horríveis.

Feito o estrago, sugeriu-se a Lula que elogiasse a autonomia do Banco Central e Gabriel Galípolo; que demonstrasse consciência da "necessidade de novas medidas [fiscais]". Fernando Haddad voltou a dizer que medidas virão, talvez em março, e que o pacote seria apenas parte de um processo de ajuste politicamente difícil, o que é verdade, mas não justifica o disparate de novembro.
Foi um reconhecimento do erro e das desgraças recentes, anunciado por Lula com soberba disfarçada por sorrisos amarelos, sabe-se lá se com consequências práticas.

Entre Covid e Trump - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Furdunço de Satã ajuda a entender importância para governo em apoio a esforço fiscal de Haddad

O debate econômico atual talvez fique menos barulhento se o situarmos dentro do contexto mundial repleto de incertezas em que vivemos.

Na fase atual pós-Covid, o mundo todo sofre com níveis altos de endividamento público, inflação e juros, tudo ao mesmo tempo.

Ainda há controvérsias sobre o que gerou esse cenário.

Um dos suspeitos é o gasto governamental durante a pandemia. Em sua última live como presidente do Banco Central na última sexta-feira (19), Roberto Campos Neto lembrou que cerca de 20% do PIB mundial foi gasto para combater a Covid-19. Esse dinheiro pode ter aquecido a economia, aumentado a demanda e ajudado a gerar inflação e dívida.

Resposta a Celso sobre política fiscal - Samuel Pessôa

Folha de S. Paulo

Despesa crescer mais que a economia torna insustentável a trajetória do gasto

Meu amigo Celso Rocha de Barros perguntou-me o que fazer para arrumar a política fiscal. Segue, com alguns ajustes, minha resposta. Desde já vai meu agradecimento a Celso por me dar a oportunidade de organizar as ideias.

Diagnóstico: o problema é o mesmo do período anterior, que levou à nossa grande crise de 2014 até 2016: as regras existentes para a evolução do gasto obrigatório do governo central demandam que a despesa, sistemática e permanentemente, cresça a uma taxa superior à taxa de expansão da economia. A trajetória do gasto é insustentável.

Poesia | Natal,.de Fernando Pessoa

 

Música | Mônica Salmaso - Menina, Amanhã de Manhã

 

sábado, 21 de dezembro de 2024

Feliz Natal!





O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Congresso é sócio do Executivo na piora da economia

O Globo

Ao aliviar pacote de controle de gastos, parlamentares ignoram a gravidade da crise e ampliam seu custo no futuro

Para estabilizar a dívida pública, o Brasil precisaria de um ajuste fiscal da ordem de R$ 300 bilhões no Orçamento. No primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o valor ficou em R$ 30 bilhões e, no segundo, em R$ 40 bilhões. O pacote fiscal enviado ao Congresso em novembro, se tivesse sido aprovado sem modificações, promoveria um corte médio anual da ordem de R$ 35 bilhões. Depois de votações na Câmara e no Senado, o que já era ruim ficou pior. Demonstrando tibieza, os congressistas desidrataram várias medidas propostas. Tiraram força do corte de despesas sem aprovar alternativas. Fingiram desconhecer a gravidade do momento e só adiaram para 2025 o enfrentamento da grave crise fiscal. Se até agora o descaso com as contas públicas poderia ser atribuído sobretudo ao Executivo, ele passa a ter um sócio de peso: o Congresso Nacional.

É certo que ajustes fiscais costumam ser feitos em etapas, mas o gradualismo imposto pelo Parlamento é irreal. No texto enviado ao Congresso, o governo solicitava poder para bloquear ou contingenciar até 15% das emendas parlamentares em caso de necessidade. Nada mais lógico. Por que manter o Parlamento fora do esforço para buscar o equilíbrio? Sem apresentar nenhum argumento convincente, os congressistas enfraqueceram a proposta: somente as emendas de comissão poderão ser bloqueadas.

Da contracultura à nova direita - Pablo Ortellado

O Globo

Um dos desenvolvimentos mais surpreendentes da política americana nos últimos meses foi a inesperada aliança entre o movimento de bem-estar e o trumpismo. Esse alinhamento se evidenciou com o apoio de Robert Kennedy Jr., candidato independente e crítico das vacinas, a Donald Trump, culminando com sua nomeação como secretário de Saúde do novo governo.

Bem-estar (wellness) é um termo coringa para identificar um conjunto de práticas e preocupações com a saúde e o bem-estar que podem incluir a medicina alternativa, a alimentação natural, práticas espirituais e o uso terapêutico de psicotrópicos. No passado, esse tipo de atividade era um componente importante da contracultura de esquerda, mas as reviravoltas da política têm empurrado essa subcultura para a direita.

Lula já superou uma crise fiscal – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Quadro atual é parecido com o de 2002. A diferença é a falta de vontade do presidente de aceitar e topar um ajuste mais forte

Em setembro de 2002, quando estava claro que Lula venceria as eleições, o dólar foi a R$ 4 — o equivalente a mais de R$ 8,50 de hoje. Os títulos da dívida do governo brasileiro eram negociados a 40% do valor de face. Estavam no cardápio dos títulos podres. Mesmo pagando caro, o Tesouro não conseguia colocar papéis novos no mercado em quantidade suficiente para rolar a dívida.

Era o governo FH, mas havia medo do futuro governo Lula. A retórica de campanha havia sido explosiva. Falava em moratória da dívida pública externa e interna. Com os tradicionais ataques ao Banco Central e aos especuladores da Avenida Paulista, a Faria Lima da época.

Lula já havia lançado a Carta ao Povo Brasileiro, em junho, documento em que prometia não romper contratos e assegurava que faria um governo responsável. Mas o documento era visto com desconfiança, como uma espécie de truque para enganar os eleitores do centro e, claro, o mercado.

É a lucidez, desatino – Eduardo Affonso

O Globo

Que o presidente abandone a ideia de empurrar com a barriga o ajuste e abjure a crença de que uma inflaçãozinha não dói

A melhor notícia do ano, até agora, veio num boletim médico do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, em 14/12. Nele, dois diretores garantiam que o presidente Lula estava “lúcido e orientado, alimentando-se e caminhando”, depois de passar por uma cirurgia de emergência.

Se Lula estava lúcido, acabariam os ataques ao Banco Central — algo como quebrar o termômetro para baixar a febre. Mas, no dia seguinte, em entrevista ao Fantástico, o presidente declarou que “a única coisa errada neste país é a taxa de juros”. Era uma recaída — a gente sabe que a lucidez não vem assim, de chofre, e podem sobrevir pequenos desatinos.

Cegueira deliberada - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Câmaras corporais de PMs deveriam ser do tipo que faz gravação ininterrupta, mas STF avança o sinal ao criar obrigação não prevista em lei

Não é preciso mais do que dois neurônios operacionais para perceber que as câmeras corporais da polícia devem ser do tipo que faz a gravação contínua.

Aparelhos que só filmam após acionamento pelo agente da lei talvez funcionem bem em países com boas polícias, mas este não é o nosso caso. Por aqui, precisamos é de mecanismos que evitem que maus PMs se valham de estratagemas, como deixar acabar a bateria, para impedir gravações que poderiam complicá-los.

A política de segurança pública de Tarcísio de Freitas é nada menos do que desastrosa. Sob comando do coronel Guilherme "a Rota é Muito Mole" Derrite, a secretaria da Segurança Pública parece ter emitido uma licença para matar, que parte dos PMs utiliza com alegria.

Nuvens turvas no horizonte – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Se Lula não mudar, 2025 será um ano difícil para seus planos eleitorais de 2026

Duas pesquisas divulgadas nos últimos dias, Datafolha e Ipec, trouxeram para o presidente Luiz Inácio da Silva (PT) a péssima notícia de que há um empate entre as avaliações positiva e negativa do governo: 35% a 34% em uma, 34% a 34% na outra.

Isso significa a metade do índice de 70% de popularidade medido em meados do segundo mandato, há 16 anos.

Para piorar, os índices são semelhantes aos marcados para Jair Bolsonaro (PL) na altura do mesmo período, em plena pandemia cheia de desacertos.

A réplica imaginária de Roberto Campos Neto - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

'Escrevo-lhe para externar a esperança que um dia o PT afaste-se do seu dogma econômico'

Prezada Gleisi Hoffmann,

Recebi sua carta com surpresa e alegria (shorturl.at/YEAQ1). Escrevo-lhe, também em caráter privado, para externar uma esperança e uma confissão.

A esperança: que um dia, finalmente, o PT afaste-se do seu dogma econômico. Nunca duvidei de sua inteligência, nem na de Lula ou dos demais dirigentes petistas. Não sou político, mas imagino que seja muito difícil rever artigos de fé. Contudo, o Brasil precisa disso.

Há tempos, o PT não é socialista –quanto mais comunista! De fato, talvez jamais tenha sido. Sou um conservador, mas reconheço no teu partido uma das mais relevantes correntes políticas nacionais. Já passa da hora de vocês atualizarem seu pensamento econômico, sem renunciar à alma de esquerda.

Do mau humor - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

O governo comunica que é condescendente com a inflação. Mais: que a inflação faz parte dos planos. É o que informa Lula ao declarar que “a inflação está totalmente controlada”. Não se trata de delírio; antes de projeto. Projeto político eleitoral. Repetido.

O presidente informa que essa inflação que ganha corpo, estoura o limite máximo de tolerância da meta e mostra os dentes é aceitável, se a contrapartida for bancar até 2026 o voo de galinha do PIB.

Insegurança pública e suas consequências letais - Antonio Cláudio Mariz de Oliveira

O Estado de S. Paulo

A Polícia Militar de São Paulo não pode ter sua gloriosa trajetória maculada pelo estigma de ser uma corporação que mata inocentes

As forças que seriam de proteção social estão provocando eventos letais. São crianças, jovens, negros e pardos em sua maioria, velhos, trabalhadores, mulheres mães e avós que perdem a vida mesmo estando distantes do crime e sem terem participado de confrontos policiais. As mortes de uma criança em Santos e de um estudante desarmado em São Paulo, de um homem morto pelas costas e o abominável lançamento de alguém de uma ponte são as mais recentes tragédias. Segundo noticiou O Estado de S. Paulo, a Polícia Militar (PM) vitimou 496 pessoas no corrente ano.

Por que as forças de segurança, em nome do combate ao crime, estão matando? Os defensores das ações violentas dirão que são contingências inevitáveis desse combate. Será? Claro que não.

A sociedade e Rubens Paiva - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

O governo Bolsonaro resgatou a turma dos serviços de inteligência que, na verdade, nunca se dissolveu. Continuou a existir de maneira mais ou menos clandestina dentro das organizações militares

A prisão do general Braga Netto é o mais visível sinal de que os militares no Brasil se envolveram profundamente na política nacional. A profusão de golpes e contragolpes ocorridos ao longo do século 20 no país é um claro indicativo de que a República, criada por militares, não convive bem com civis. Os paisanos terminam sendo atropelados pelas convicções ideológicas dos fardados. Foi assim em 1964, para ficar em apenas um exemplo, e radicalizado em 1968, quando o regime mostrou sua face autoritária com a decretação do Ato Institucional nº 5, que censurou a imprensa, suspendeu o habeas corpus, acabou com o direito de reunião, fechou o Congresso, cassou parlamentares e abriu as portas da repressão política. Centenas de brasileiros foram presos, torturados e mortos pelas forças de segurança.

O otimista é um ingênuo, o pessimista, um amargo - Marcus Pestana

Como diria Ariano Suassuna: “...prefiro ser um realista esperançoso”. Tarefa difícil no Brasil de nossos dias. O período que antecede o Natal gera um ambiente mais desanuviado e desperta nas pessoas esperança e desejo de renovação.  Mas 2024 foi um ano contraditório, repleto de boas e más notícias.

Vejamos o lado bom! Exorcizamos o fantasma do retrocesso político e consolidamos um pouco mais a nossa democracia, com o avanço das investigações sobre a tentativa de um golpe de Estado. As estimativas de crescimento econômico apontavam para uma variação do PIB de 1,5%, vamos fechar 2024 com 3,5%. Não é um ritmo como o da Índia ou Indonésia, mas é um crescimento para lá de bom, acima da estimativa do FMI para o crescimento mundial de 3,2%. Certamente a política fiscal expansionista que injetou renda na economia a partir das transferências governamentais teve um papel, apesar dos efeitos colaterais preocupantes.

Punição simbólica - Aldo Fornazieri

No caso de Braga Netto e outros líderes da tentativa de golpe, as penas precisam superar aquelas aplicadas aos invasores do 8 de Janeiro

Ao longo da história, os atos punitivos de grandes personagens do Estado quase sempre tiveram um caráter mais simbólico do que a simples aplicação da justiça, embora nas punições simbólicas a questão da justiça esteja presente, mas subsumida àquela primeira dimensão.

Na Atenas antiga, Péricles fez aprovar o ostracismo de Címon, herói da batalha de Salamina contra os persas. Foi também o principal dirigente da Liga de Delos, que garantia a hegemonia de Atenas sobre 150 cidades. A punição de ­Címon teve menos o sentido de justiçá-lo – foi acusado de ter traído a cidade em favor de uma aliança com Esparta – e mais o de conter a aristocracia que se opunha às políticas populares e sociais de Péricles. Como exemplo, puniu-se o maior líder da aristocracia. Parte importante das crucificações romanas também tinha objetivos simbólicos, assim como foram as execuções pela guilhotina na Revolução Francesa e a eliminação da família Romanov pelos bolcheviques da Revolução Russa.

Dólar vs. Real - Luiz Gonzaga Belluzzo

O centro do furacão é a estrutura financeira global monetariamente hierarquizada sob o poder do dólar

A continuada desvalorização do real nas últimas semanas deflagrou uma avalanche de opiniões a respeito do fenômeno monetário-financeiro internacional. Peço licença ao eventual leitor para sublinhar monetário-financeiro e internacional.

O pedido ao leitor deita raízes na sobrecarga de opiniões que se derramam em queixas que atribuem à irresponsabilidade fiscal os sucessivos e intensos declínios de valor do nosso real diante do patrono do sistema monetário internacional, Mister Dólar.

Incursões na história:

Poesia | Nada é impossível de mudar, de Bertolt Brecht

 

Nara Leão - Odeon