Folha de S. Paulo
Furdunço de Satã ajuda a entender importância
para governo em apoio a esforço fiscal de Haddad
O debate econômico atual talvez fique menos
barulhento se o situarmos dentro do contexto mundial repleto de incertezas em
que vivemos.
Na fase atual pós-Covid, o mundo todo sofre
com níveis altos de endividamento público, inflação e juros, tudo ao mesmo
tempo.
Ainda há controvérsias sobre o que gerou esse
cenário.
Um dos suspeitos é o gasto governamental durante a pandemia. Em sua última live como presidente do Banco Central na última sexta-feira (19), Roberto Campos Neto lembrou que cerca de 20% do PIB mundial foi gasto para combater a Covid-19. Esse dinheiro pode ter aquecido a economia, aumentado a demanda e ajudado a gerar inflação e dívida.
Outro suspeito é a desorganização das cadeias
produtivas durante a pandemia. Com restrições de movimento e circulação, a
produção de muitos bens pode ter sido prejudicada, reduzindo a oferta e, desta
forma, aumentando os preços.
Nesse cenário, muitos economistas – e o FMI –
têm pedido aos governos mundo afora para que segurem o gasto público. Seria uma
maneira de desaquecer a economia e combater a inflação, sem precisar subir
ainda mais os juros. Afinal, dívida alta que cresce no ritmo de juro alto pode
sair de controle.
Enquanto essa difícil operação era tentada em
vários países (inclusive aqui), os americanos elegeram Donald Trump.
Se Trump implementar suas propostas protecionistas, a inflação deve subir,
forçando o banco central americano a aumentar os juros. Se isso acontecer,
acabaremos tendo que fazer o mesmo.
Esse mundo de comida cara e juro alto vem
elegendo governantes de oposição no mundo todo nos últimos anos. O governo da
Alemanha acaba de cair, o primeiro-ministro da França também, o do Canadá está
quase. A esquerda perdeu na Argentina como situação e venceu no Uruguai como
oposição. Trump perdeu uma eleição como governo e ganhou a seguinte como
oposição. No pós-Covid, Lula ganhou uma como oposição e, ao que consta,
disputará outra como governo.
Essa desvantagem do incumbente não é normal.
Em geral, quem concorre à reeleição sai em vantagem. Pode usar a máquina a seu
favor e anunciar medidas populares durante a campanha.
Ao que parece, governar entre a Covid e Trump
é difícil no mundo todo.
Esse furdunço de Satã que é o mundo de hoje
ajuda a entender por que é importante para o governo Lula apoiar o esforço
fiscal de Fernando
Haddad. Sob o choque do dólar a
R$ 6, o Congresso
poderia cortar isenções e subsídios para empresas (zeraria o déficit em um dia).
O Judiciário poderia ao menos topar o fim
dos supersalários.
Não, não é porque Lula esteja torrando
dinheiro: o déficit desse ano será menor do que o previsto pelo mercado em
janeiro. Mas o crescimento foi bem maior que o previsto. O impulso que Lula deu
à economia com gasto público gerou mais crescimento do que gasto público
costuma gerar.
Até aí, maravilha, mas a economia aquecida
dificulta baixar os juros e aqui, como no resto do mundo, a dívida já está
alta. Como já dissemos, dívida grande
com juro alto é uma dinâmica ruim.
O mundo está particularmente ruim, com
tendência de piora. É uma daquelas situações com pouca margem de erro e pouca
clareza sobre onde está o acerto. Seria melhor nos movermos com cautela.
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