sábado, 21 de dezembro de 2024

Punição simbólica - Aldo Fornazieri

No caso de Braga Netto e outros líderes da tentativa de golpe, as penas precisam superar aquelas aplicadas aos invasores do 8 de Janeiro

Ao longo da história, os atos punitivos de grandes personagens do Estado quase sempre tiveram um caráter mais simbólico do que a simples aplicação da justiça, embora nas punições simbólicas a questão da justiça esteja presente, mas subsumida àquela primeira dimensão.

Na Atenas antiga, Péricles fez aprovar o ostracismo de Címon, herói da batalha de Salamina contra os persas. Foi também o principal dirigente da Liga de Delos, que garantia a hegemonia de Atenas sobre 150 cidades. A punição de ­Címon teve menos o sentido de justiçá-lo – foi acusado de ter traído a cidade em favor de uma aliança com Esparta – e mais o de conter a aristocracia que se opunha às políticas populares e sociais de Péricles. Como exemplo, puniu-se o maior líder da aristocracia. Parte importante das crucificações romanas também tinha objetivos simbólicos, assim como foram as execuções pela guilhotina na Revolução Francesa e a eliminação da família Romanov pelos bolcheviques da Revolução Russa.

Geralmente, as punições simbólicas são acompanhadas de terríveis atos de violência. No Livro do Êxodo, Moisés promove inúmeros atos de punição simbólica acompanhados de extrema violência, provocando a morte de incontáveis homens. No episódio, não histórico, do bezerro de ouro, não há nenhuma razoabilidade e racionalidade para mandar matar muita gente. Moisés manda, no entanto, os levitas passarem no fio da espada 22,2 mil homens.

O objetivo da punição e da violência simbólicas consiste em conter o mal, o crime, a corrupção, a conspiração e o golpe pelo caráter exemplar da punição, disseminando o temor daqueles que, no futuro, possam cogitar de praticar alguns desses atos criminosos. A violência simbólica, nos momentos de fundação de Estados, pretende radicar uma lei justa de forma perdurável no tempo. Tendo em vista que os seres humanos propendem ao mal e que são pérfidos, de tempos em tempos é necessário promover um ato de refundação da validez da lei, promovendo uma punição simbólica. No fundo, o extremismo e a violência contidos na punição simbólica visam fazer cessar a violência.

A prisão do general Braga Netto poderia, e ainda poderá, revestir-se de um ato de punição simbólica. Ainda não é. Braga Netto, além de ter sido interventor no Rio de Janeiro, chefe da Casa Civil e ministro da Defesa de Bolsonaro, é um general quatro estrelas. É o primeiro com essa patente a ser preso por tentativa de golpe. O general Teixeira Lott, detido por 30 dias, não tentou um golpe, mas promoveu um contragolpe para defender a democracia.

A prisão de Braga Netto não tem um caráter de punição simbólica porque, a rigor, ele nem está preso. Ele está hospedado na 1ª Divisão do Exército, no Rio de Janeiro. O seu apartamento dispõe de armário, geladeira, ar-condicionado, televisão e banheiro exclusivo. Suas refeições são feitas no rancho, onde fazem as refeições os oficiais superiores daquela unidade militar.

Trata-se de um absurdo. Em tese, Braga Netto poderia trabalhar naquele corpo militar para promover ato de motim ou rebelião. É um contrassenso que um organizador de um golpe de Estado tenha essa liberdade e regalias em uma unidade militar. Tudo é prosaico nesta prisão.

Braga Netto, assim como outros líderes da tentativa de golpe, ainda não foi julgado nem condenado. Hoje, as punições não são por crucificação, por espadas, por decapitações, por guilhotinas e por fuzilamentos. São por prisões. O STF tem julgado indivíduos da massa de manobra golpista que invadiu e depredou os edifícios dos Três Poderes. Os condenados têm penas que muitos juristas consideram altas.

No caso dos organizadores do golpe, incluindo Bolsonaro, Braga Netto e outros oficiais da ativa e da reserva, para que a punição adquirisse um caráter simbólico, a condenação deveria impor uma gradação da pena significativamente mais alta do que aquelas que vêm sendo aplicadas aos arruaceiros. O caráter simbólico dessa punição deveria dirigir-se a dois sentidos. O primeiro, desestimulando o golpismo pela certeza da punição. O segundo, desestimulando pela relação custo-benefício: a alta gradação da pena, articulada com a certeza da punição, deveria ser capaz de desestimular qualquer iniciativa e até o desejo de promover atos golpistas. O STF será capaz de dar esse necessário passo? Eis a questão.

Evidentemente, o golpismo não será barrado apenas por uma punição de caráter simbólico e exemplar dos líderes da tentativa de golpe. É preciso que a lei barre em definitivo a possibilidade de militares da ativa participarem de eleições e de atividades partidárias. É preciso também que a doutrina de formação de oficiais nas academias militares mude. O constitucionalismo, o profissionalismo e os valores do Estado de Direito e da Democracia devem ser os fios condutores da formação dos militares. 

Publicado na edição n° 1342 de CartaCapital, em 24 de dezembro de 2024.

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