O Globo
Que o presidente abandone a ideia de empurrar
com a barriga o ajuste e abjure a crença de que uma inflaçãozinha não dói
A melhor notícia do ano, até agora, veio num
boletim médico do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, em 14/12. Nele, dois
diretores garantiam que o presidente Lula estava
“lúcido e orientado, alimentando-se e caminhando”, depois de passar por uma
cirurgia de emergência.
Se Lula estava lúcido, acabariam os ataques ao Banco Central — algo como quebrar o termômetro para baixar a febre. Mas, no dia seguinte, em entrevista ao Fantástico, o presidente declarou que “a única coisa errada neste país é a taxa de juros”. Era uma recaída — a gente sabe que a lucidez não vem assim, de chofre, e podem sobrevir pequenos desatinos.
Lúcido, é de esperar que Lula pare de bater a
cabeça — literal e metaforicamente. Que deixe de dizer que não existe problema
fiscal — o terraplanismo econômico já deu o que tinha de dar. Que abandone a
ideia de empurrar com a barriga o ajuste das contas públicas e abjure a crença
de que uma inflaçãozinha não dói. Com a lucidez, perceberá que, além de gastar
menos, tem de gastar melhor.
Não apenas lúcido, mas também orientado, Lula
há de colocar nossa diplomacia nos eixos. Onde já se viu o país de Zilda Arns,
Bertha Lutz, Oswaldo Aranha e Aracy Guimarães Rosa se abster de condenar a
deportação ilegal de crianças ou se posicionar sistematicamente contra Israel? Tudo bem que o
Brasil já tenha desabilitado o alinhamento automático a algumas ditaduras — mas
aí o mérito é todo de Nicolás
Maduro e Daniel Ortega,
cuja ingratidão Lula talvez demore a superar.
Do início de 2019 até o fim de 2022, a culpa
das queimadas era do presidente da República e de seu ministro do Meio Ambiente
— aquele que defendia “passar a boiada”. Essa responsabilidade foi revogada,
magicamente, em 2023, mas talvez possa ser retomada agora — quando a área
destruída pelo fogo foi a maior em seis anos —, antes que seja
irremediavelmente afetada a capacidade de regeneração dos biomas da Amazônia,
do Cerrado, do Pantanal.
Lúcido, Lula se dará conta de que o adjetivo
“democrática”, usado para a frente que lhe garantiu a eleição, não pode ser
mera retórica. Que o ativismo narcísico da primeira-dama só atrapalha. Que o
problema de seu governo não é de comunicação, mas de ter o que comunicar. Que
foram suas declarações desastradas — e desastrosas — que ajudaram a elevar o
dólar a estratosféricos R$ 6,30 na quinta-feira.
Ano passado, Lula colocou uma prótese na
junção do fêmur com o quadril e fez uma blefaroplastia. Pôde acertar o passo e
abrir o olho. Se a trepanação tiver mesmo o condão de, abrindo a cabeça, levar
à lucidez, o Sírio-Libanês poderia providenciar uma ala exclusiva para efetuar
o procedimento em parlamentares insaciáveis por emendas, ministros de Estado
que indicam as digníssimas esposas para cargos nos tribunais de contas dos
estados e ministros do STF —
em especial os dos inquéritos infindos, os do desmonte das estruturas
anticorrupção, os que não resistem a um microfone e a um holofote.
Um Lula “lúcido e orientado, alimentando-se e caminhando” alimenta nossas esperanças de que o país abandone a desorientação, fiscal e ideológica, e caminhe sem novos tropeços rumo ao que foi prometido na campanha de 2022. Esse é o melhor presente que o bom velhinho (e não estou falando do Papai Noel) poderia nos dar neste Natal.
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