domingo, 22 de dezembro de 2024

A mágica chegou ao fim – Elio Gaspari

O Globo

A alta do dólar e a erosão da popularidade do governo fecharam a primeira metade de Lula 3.0. Prenuncia-se uma segunda metade cinzenta, na qual acumulam-se dificuldades do calendário, como o ano eleitoral, e imprevistos, como a incerteza em relação à saúde do presidente. Uma coisa era certa: a mágica verbal com a economia teria um limite e se esgotou.

Desde sua posse, Lula alternou malabares. Nos dias pares, culpava Roberto Campos Neto por uma economia que patinava. Nos ímpares, buscava, sem sucesso, um protagonismo internacional. Gastou dois anos tentando trocar êxitos, como a reforma tributária, enquanto escondia que seu governo não cortava despesas. Portanto, não cumpriria a meta do equilíbrio fiscal prometido durante a campanha eleitoral.

O golpe final na mágica veio do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, esvaziando a teoria segundo a qual o real desvalorizou-se por causa de um ataque especulativo. Nas suas palavras:

—Eu acho que não é correto tentar tratar o mercado como um bloco monolítico, vamos dizer assim, como se fosse uma coisa só, que está coordenada, andando em um único sentido.

Galípolo cortou o caminho para a criação de um novo bode. O dólar estaria onde está porque a Faria Lima, essa eterna malvada, moveu-lhe um ataque especulativo. Tudo culpa da ganância. Se a Faria Lima especulou, fez isso enquanto fingia acreditar no Lula 3.0. Muita gente boa perdeu dinheiro porque fingiu demais.

Há especulação na alta do dólar, mas na essência ela reflete falta de confiança no governo. O “mercado” fingiu por dois anos que acreditava nas promessas. Como em todos os piripaques da economia, num determinado momento ele para de fingir. No Brasil, essa dissimulação ocorre com grandes empresários elogiando o governo no atacado, com entrevistas ou eventos, enquanto bicam no varejo, no escurinho de Brasília.

Na segunda metade do mandato, essa esperteza estará congelada. Com a chegada do verão na vida real, começou o inverno na economia.

Múcio desembarca

Estava escrito nas estrelas: como revelou a repórter Mônica Bergamo, o ministro da Defesa, José Múcio, quer ir embora.

Múcio desembarcará em silêncio, como em silêncio deu a Lula e ao Brasil a retirada dos militares da ribalta. Depois de quatro anos de Bolsonaro, isso não foi pouca coisa.

Se a infantaria petista não se acalmar e se a Casa Civil de Rui Costa não calçar as sandálias da humildade, Ricardo Lewandowski será o próximo a pedir para sair.

Lula tem dois tipos de ministros: os que querem ficar e os que não precisam ficar.

Quando um ministro que não precisa ficar quer desembarcar, é bom que se preste atenção.

Justiça militar

Por 8x6, o Superior Tribunal Militar, última instância dessa modalidade de Justiça, reduziu de 28 anos para menos de 4 anos a pena dos oito integrantes da patrulha que em 2019 deu 257 tiros no carro em que viajava o músico Evaldo Rosa, com a família. Sessenta e dois tiros acertaram. Evaldo morreu e seu sogro foi ferido. O catador Luciano Macedo, que tentou socorrê-los, também foi morto.

As penas foram reduzidas no tamanho e, sobretudo, na qualidade. Todas serão cumpridas em regime aberto.

Evaldo e sua família nada tinham a ver com nada. Foram confundidos por um oficial inepto.

O STM tem 15 juízes, dez dos quais são militares que chegaram ao topo de suas carreiras.

Tamanha audácia surpreendeu, porém apenas confirmou a lição do presidente francês Georges Clemenceau (1841-1929):

— A Justiça Militar está para a justiça assim como a música militar está para a música.

Clemenceau foi injusto com a música militar. Ela produziu umas poucas boas peças.

O processo dos golpistas

Pelo andar da carruagem, se algum réu do inquérito do golpe conseguir ser julgado pela Justiça Militar, o desfecho será previsível: Lula será condenado por ter vencido a eleição.

A Sete Brasil foi a pique

Foi decretada a falência da Sete Brasil, a empresa inventada no final do Lula 2.0 com a missão de produzir sondas e navios para a Petrobras. Segundo o depoimento do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, os empreiteiros das sondas alimentariam uma caixinha que ele gerenciaria.

A Sete Brasil gerou roubalheiras e um rombo de R$ 5,6 bilhões.

Projetos megalomaníacos acontecem, assim como desastres financeiros. Os empresários que entraram no negócio tinham duas intenções, a boa e a má. Já os bancos que micaram em alguns bilhões, entraram para agradar o Planalto.

Se as malfeitorias dos gestores da Sete Brasil tivessem sido honestamente expostas, seria possível dizer que casos como esse não se repetirão. Varreram-se este, y otros casos, para baixo de um tapete onde está escrito que Sergio Moro foi um juiz parcial.

Angela Merkel

Saíram as memórias de Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha de 2005 a 2021. Quem se lembra de sua figura seca, não se surpreende com a falta de senso de humor, mas talvez se assuste com sua egolatria germânica, sem firulas.

Como seria de esperar, ela começa contando o dia 10 de novembro de 1989 quando o Muro de Berlim foi derrubado. Vivendo no lado comunista, ela foi ao lado ocidental, tomou uma cerveja e, à noite, voltou para casa, porque tinha o que fazer.

Para políticos de todo o mundo, um capítulo serve como lição. Ela só se meteu em política depois de 1989, teve protetores e o imenso Helmut Kohl deu-lhe um ministério. Chamava-a de “minha menina”.

Como a Alemanha é a Alemanha, no dia 5 de novembro de 1999 o tesoureiro do partido do governo foi para a cadeia. (O tesoureiro do PT seria preso em 2015.) Dias depois começou a colaborar com o Ministério Público. (O similar nacional ralou a cana em silêncio e emplacou um companheiro para a diretoria do fundo de pensão Petros.)

No dia 16 de dezembro Kohl reconheceu que havia recebido doações ilegais.

A “menina” viveu dias de agonia até que seis dias depois, surpreendeu a Alemanha com um artigo dizendo que Kohl estava prejudicando o partido e o país.

No dia 18 de janeiro, Kohl renunciou à presidência do partido Democrata-Cristão e, aos poucos, afastou-se da vida pública, até sua morte, em 2017.

Jogatina

A charanga da jogatina orgulha-se de um eventual financiamento dos clubes de futebol. Se tudo correr como as casas de apostas dizem, e o governo acredita, em 2025, o futebol receberá R$ 2 bilhões.

Esse mundo de fantasia ainda não existe, mas já se sabe que o presidente do Ceará Sporting Club emitiu R$ 45 milhões em notas frias para simular solidez financeira, iludindo investidores de fundos interessados em botar dinheiro numa casa de apostas.

Isso tudo está acontecendo quando o Sol da nova era mal amanheceu.

 

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