Folha de S. Paulo
Disfarçando o vexame, governo admite decisões
toscas que podem custar a eleição em 2026
No último dia político do ano, o presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva e ministros tentaram passar uma mão de tinta na parede rachada do crédito
do governo. Lula foi o maior responsável pelo desastre financeiro de dezembro,
que deixará sequelas na economia e no seu cacife político, fecho de um ano de
erros horríveis.
Feito o estrago, sugeriu-se a Lula que
elogiasse a autonomia do Banco Central e Gabriel Galípolo; que demonstrasse
consciência da "necessidade de novas medidas [fiscais]". Fernando
Haddad voltou a dizer que medidas virão, talvez em março, e que
o pacote seria apenas parte de um processo de ajuste politicamente difícil, o
que é verdade, mas não justifica o disparate de novembro.
Foi um reconhecimento do erro e das desgraças recentes, anunciado por Lula com
soberba disfarçada por sorrisos amarelos, sabe-se lá se com consequências
práticas.
Os problemas do ano foram decerto agravados por motivos que porta-vozes do mercadismo relegam a notas ao pé de página. Por exemplo, impactos da política econômica americana no Brasil, seca e a conspiração informal da elite contra a tributação justa e acerto maior das contas públicas.
Mas 2024 foi uma tragédia de erros do governo.
Na louvação de Galípolo, Lula juntou
Haddad, Simone Tebet (Planejamento)
e Rui Costa (Casa
Civil). Haddad, Galípolo e Tebet haviam aconselhado Lula a engordar o pacote de
novembro e a deixar de lado a isenção de imposto de renda para quem ganha até
R$ 5.000. Com soberba provinciana, cálculo político míope, triste ignorância e
festa no PT,
Lula baixou um pacote magro e com essa isenção de IR para agradar à classe
média que majoritariamente não vota no PT (nem votará, muitos preferindo um
Marçal da vida).
No último dia útil de 2023, o governo baixara
medida provisória surpresa a fim de diminuir a perda de receita com a redução
de impostos da folha de pagamento de empresas ("desoneração") e com o
Perse (para empresas de eventos, turismo e cultura, isenção criada na epidemia,
malversada e prorrogada de modo malandro). Um Congresso de direita, fulo pelo
atropelamento político, e empresas derrubaram a MP.
Em junho, a fim de tapar esse buraco, o
governo tentou restringir o uso de créditos tributários por parte de empresas,
o que causou revolta e praticamente enterrou o plano de alta de impostos de
Lula 3.
Em abril deste 2024, estava claro que o
governo não cumpriria metas de déficit, o que implicaria legalmente limitação
de gasto público no 2026 eleitoral. Por pressão do governo quase inteiro e do
PT, com a graça de Lula, mudou-se a meta.
As condições financeiras rolaram a ladeira. A
taxa de juros de
um ano saiu de 10% ao ano em março para 15% agora (em termos reais, de 6% para
10%); o dólar foi de R$ 5 para mais de R$ 6.
No final de 2022, o governo de transição
aprovara enorme aumento de gasto, talvez acreditando que arrumaria receita mais
tarde. Aprovou em 2023 um arcabouço fiscal que dependeria de contenção de
gastos obrigatórios, vetada por Lula em 2024, para desgosto de Haddad.
O governo não tinha plano econômico (ou para
quase nada), nem de esquerda: gasto para pobres, imposto sobre ricos, controle
rígido de pressões inflacionárias. Em 2024, dinamitou o programa precário que
havia. Cálculo político tosco e petismo ignaro ameaçam a ponte para o futuro da
esquerda em 2026.
Nenhum comentário:
Postar um comentário