Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 13 de outubro de 2020
Merval Pereira - O STF e a opinião pública
Carlos Andreazza - O padrinho faz o currículo
Aí
está Dias Toffoli para encarnar o precedente exemplar
Sabe-se
— informaram-nos os senadores Ciro Nogueira, Flávio Bolsonaro e Renan Calheiros
— que o presidente da República não indicou Kassio Nunes Marques ao Supremo
pela qualidade de seu curriculum
vitae. Informou-nos também a respeito o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre, dependente do aval do STF para avançar no golpe — contra a
Constituição — que lhe permitiria concorrer à reeleição, também ele um dos
graúdos que, com foro e interesses naquele tribunal, apadrinham Marques; a
quem, no entanto, deve-se fazer justiça. Não terá sido o primeiro escolhido
assim; por virtudes outras que não derivadas do tal notório conhecimento
jurídico. Aí está Dias Toffoli para encarnar o precedente exemplar.
Sejamos,
porém, igualmente justos com Toffoli, indicado pelo currículo, o real, que
tinha — ou: indicado pelo que era, apesar do currículo. Tempos românticos —
dirá o cínico. Aqueles, tempos raiz, em que um agente político ganhava a toga
por ser agente político, com missão dada (e logo a ser traída), sem precisar se
inflar de pós-graduações cumpridas em cinco dias.
Ou,
talvez, tempos em que a transparência não era uma cultura estabelecida —
imposta mesmo — pelo avanço da tecnologia. Parece mais difícil enganar hoje;
donde o cético se vê obrigado a questionar se não terá sido sempre desta
maneira, séculos de currículos fraudados e protegidos por raros e modestos
mecanismos de acesso à informação. Neste caso, estando correto o desconfiado
(ele costuma estar certo no Brasil), faria água a ideia de que a liquefação da
verdade — o processo, em pleno curso, de desmaterialização dos fatos — chegara
até ao pobre currículo; essa velha afirmação, ato de crença na palavra, da
história individual... Mas já divago.
Bernardo Mello Franco - Arapongas em Madri
A
Abin enviou quatro agentes secretos para espionar a última Cúpula do Clima das
Nações Unidas, em Madri. De acordo com o jornal “O Estado de S. Paulo”, a
caravana recebeu a missão de monitorar críticas ao governo Bolsonaro. Se o
objetivo era esse, os arapongas poderiam ter ficado em casa. Bastava ler os
jornais ou assistir às notícias na TV.
A
COP-25 deveria ter sido realizada no Brasil. Foi enxotada pelo capitão, que
nega as mudanças climáticas e trata os ecologistas como inimigos. Desde o ano
passado, o país é visto como um vilão ambiental. Ele trabalhou para isso:
desmontou os órgãos de fiscalização, facilitou a vida dos desmatadores e
permitiu o avanço das queimadas na Amazônia.
Segundo
a reportagem do “Estadão”, os espiões monitoraram organizações não
governamentais, integrantes da comitiva brasileira e representantes de
delegações estrangeiras. Isso mostra um triplo desrespeito: à sociedade civil,
aos profissionais do Itamaraty e à comunidade internacional.
Os
arapongas atravessaram o Atlântico à toa. Parte de sua tarefa era acompanhar
debates com transmissão ao vivo e ampla cobertura na imprensa. Os agentes
secretos usaram crachás e tiveram seus nomes publicados no jornal. Tudo seria
engraçado se o contribuinte não tivesse bancado os gastos com passagens e
diárias.
Luiz Carlos Azedo - O peso da imprudência
Falta-nos
um projeto capaz de construir consensos políticos majoritários e resgatar nossa
coesão social, para uma grande reforma democrática do Estado e a redução das
desigualdades
Num
de seus ensaios sobre a França no século XX — O peso da responsabilidade
(Objetiva) —, o historiador britânico Tony Judt, falecido em 2010, aos 62 anos,
analisa a vida pública francesa entre a Primeira Guerra Mundial e os anos 1970.
Como se sabe, o primeiro grande Estado-nação da Europa influenciou toda a
história moderna do Ocidente, em razão da Revolução Francesa e da Comuna de
Paris. Por essa razão, Judt não esconde seu espanto com “a incompetência, a
‘insoucience’ indiferença e a negligência injuriosa dos homens que governavam o
país e representavam seus cidadãos” nesse período, e dedica o livro a Léo Brum,
Albert Camus e Raymond Aron, intelectuais franceses que nadaram contra a maré e
confrontaram seus pares.
Segundo
Judt, o problema da França era mais cultural do que político. Os deputados e
senadores de todos os partidos, presidentes, primeiros-ministros, generais,
funcionários públicos, prefeitos e dirigentes de partidos “exibiam uma
assombrosa falta de entendimento de sua época e do seu lugar”. Para um país que
no começo do século teve grandes líderes políticos, como o socialista Jean
Jaurès, que tentou evitar a I Guerra Mundial e morreu assassinado num comício
pela paz, e George Clemenceau, primeiro-ministro durante a guerra e um dos
artífices do Tratado de Versalhes, chama atenção a petrificação das suas
instituições políticas no período. Traumatizada pelo sangrento desastre que foi
o conflito mundial, a França foi polarizada pela radicalização ideológica que
antagonizava comunistas e socialistas, de um lado, liberais e fascistas, de
outro, em toda a Europa, e imobilizava o país.
Ricardo Noblat - Supremo confirmará a decisão de Fux que suspendeu a de Mello
Traficante
solto fugiu para o exterior
O
autor da lambança foi o Congresso que, no ano passado, ao aprovar o pacote
anticrime que o governo lhe remeteu, deu nova redação ao artigo 316 do Código
de Processo Penal incluindo a exigência da revisão de prisão preventiva a cada
90 dias. Antes não havia prazo para isso.
O
coautor da lambança foi o presidente Jair Bolsonaro. À época, a
Procuradoria-Geral da República pediu à Casa Civil da Presidência o veto ao
artigo em sua nova redação. Alertou para a impossibilidade da revisão em prazo
tão curto. O então ministro da Justiça, Sérgio Moro, também pediu que Bolsonaro
vetasse.
Mas
o presidente sancionou o pacote tal como o recebeu do Congresso. No mesmo dia,
nas redes sociais, justificou-se: “Na elaboração de leis quem dá a última
palavra sempre é o Congresso. Não posso sempre dizer não ao Parlamento, pois
estaria fechando as portas para qualquer entendimento”.
Conversa
fiada. Não poucas vezes, Bolsonaro vetou no todo ou em parte projetos aprovados
pelo Congresso. Tem esse direito. E não poucas vezes, o Congresso derrubou seus
vetos. A última palavra, de fato, é do Congresso. Que em muitas ocasiões se
conforma e mantém os vetos do presidente. É assim que as coisas funcionam.
Andrea Jubé - Eles só pensam naquilo
Renan
Calheiros prega reeleição de Davi pela “estabilidade”
O
bordão é da Dona Bela, a “moça intocada” vestida de colegial, que se atirava ao
chão com histeria, depois se levantava, embicava os lábios e revirava os olhos
com aquele ar de quem comeu e gostou, na Escolinha do Professor Raimundo.
Mas
também saiu dos versos do malemolente Genival Lacerda, cantor de “ele tá de
olho é na butique dela”. Até hoje, o quase nonagenário paraibano se sacoleja em
shows pelo Nordeste, ao som de:“ você só pensa naquilo; você só pensa naquilo;
você só pensa naquilo, meu bem; você só pensa naquilo”.
Da
turma de Chico Anísio ou do xote nordestino, poucas vezes o bordão da comédia e
do forró serviu tanto para definir os bastidores de Brasília como nos últimos
dias.
Todos
os comensais negam, mas somente uma pauta fazia salivar os participantes da
rodada de jantares dos últimos 20 dias em Brasília, nas residências do
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), da senadora Kátia Abreu (PP-TO), e
do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas: a sucessão na
Câmara e no Senado.
Pablo Ortellado* - A normalização de Bolsonaro
Concessões
ao establishment podem desmotivar base militante do presidente
Existe
um equilíbrio difícil entre o que é necessário para governar e o que é
necessário para se eleger, sobretudo com plataforma populista.
A
indicação de Kassio Nunes para o STF, o
jantar de Bolsonaro com Toffoli e Alcolumbre e
a retomada do diálogo entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia são os sinais mais
visíveis da normalização de Bolsonaro que abandonou o discurso golpista e fez
sucessivas concessões ao establishment.
As
duras críticas que recebeu da militância mostra que os movimentos necessários
para estabelecer as bases políticas para a governabilidade podem comprometer a
disposição e o entusiasmo dos apoiadores. Será que Bolsonaro vai conseguir
equilibrar os pratos?
Dois
fatores contribuíram para a mudança de atitude do presidente.
Cristina Serra - A fraude do boi bombeiro
A
ministra da Agricultura tenta dar algum verniz de credibilidade às barbaridades
ditas por seu colega do Meio Ambiente
Discreta
e cordial no trato, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tenta dar algum
verniz de credibilidade às mesmas barbaridades ditas por seu colega do Meio
Ambiente, o desclassificado Ricardo Salles. Ambos
são sócios na novilíngua bolsonarista que criou um tal de “boi bombeiro”.
Isso
é conversa para boi dormir. Em português cristalino, é mentira que o fogo no
Pantanal se deva à falta de boi para comer o mato seco. O rebanho na região
aumentou nos últimos 20 anos. A verdade é que o governo não tomou medidas de
prevenção adequadas, não deu importância aos alertas da ciência sobre secas mais
intensas e a polícia investiga a origem das queimadas em grandes fazendas. É
preciso dar nome aos bois.
Alvaro Costa e Silva – O terno preto de João Saldanha
Se
a esquerda não brigasse contra ela mesma nas eleições, não seria a esquerda
Com
a mesma sem cerimônia com que comentava futebol no rádio ou instruía jogadores
da seleção brasileira à beira do gramado, João Saldanha respondeu ao convite do
Partido Comunista, para que se candidatasse a prefeito do Rio, em 1985, dizendo
que não tinha “um terno preto” para usar na campanha.
O
terno preto era uma sutil estocada nos prefeitos anteriores, todos biônicos,
como se dizia na época, empossados depois da fusão da Guanabara com o antigo
Rio de Janeiro, em 1975 —a cidade do Rio passando a ser a capital do novo
estado. Marcos Tamoyo, da Arena, foi disparado o pior deles, páreo duro com o
atual Marcelo Crivella,
mas este ainda leva muita vantagem.
“Eu
não sou candidato. Até porque a lagoa é do estado, só o peixe podre é que é da prefeitura.
O Theatro é Municipal, mas quem manda é o estado. Eu vou fazer o quê? Pegar o
lixo? Eu não quero esse cargo”, disse Saldanha, cobrando mais autonomia para o
município.
Pressionado
por velhos companheiros do Partidão, ele aceitou ser o vice na chapa encabeçada
por Marcelo Cerqueira, advogado de presos políticos: “Quero ajudar um bocadinho
a provar que as forças da chamada esquerda podem se juntar”.
Hélio Schwartsman - Bem-vindos ao clube
Marco
Aurélio poderia ter optado por outro caminho com o chefe do PCC, mas, se o
fizesse, não seria Marco Aurélio
O
ministro Marco Aurélio Mello agiu bem ao determinar a soltura de um dos chefões
do PCC? Se você, dileto leitor, pensa que ele extrapolou, seja
bem-vindo ao clube do consequencialismo, corrente filosófica que, devido a uma
campanha de propaganda negativa, não goza da melhor das reputações, ainda que
funcione bem em grande parte das situações.
O
problema com a posição de Marco Aurélio é que, pela letra da lei, ela é
corretíssima. Sob a perspectiva da deontologia, a escola rival do
consequencialismo, devemos obediência apenas à legalidade, independentemente
das consequências. Immanuel Kant, o representante maior dessa corrente de
pensamento, disse tudo quando escreveu “fiat iustitia, et pereat mundus”
(faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça).
E,
no ano passado, o Congresso
adicionou ao artigo 316 do Código de Processo Penal um dispositivo que
corretamente obriga as autoridades judiciais a renovar a cada 90 dias a fundamentação
para manter uma prisão preventiva, sob pena de torná-la ilegal. Não fizeram
isso no caso do líder pececista, e aí Marco Aurélio fez “iustitiam”.
Eliane Cantanhêde* - Marco Aurélio, qual é a sua?
Juízes
e ministros do STF não são robôs, que juntam o caso X com o artigo Y e apertam
um botão
Em
27 de julho do ano 2000, escrevi artigo sobre a decisão monocrática do Supremo
que mandou soltar o então banqueiro Salvatore Cacciola, apesar da obviedade da
culpa e das evidências de que, assim que deixasse a prisão, ele fugiria do
País. O ministro deu a liminar, Cacciola voou para a Itália, via Paraguai e
Argentina, e só foi preso de novo seis anos depois, ao cometer um erro
primário. Título do artigo: “Marco Aurélio, qual é a sua?”
Vinte
anos e muitas decisões polêmicas depois, Marco Aurélio Mello assume a partir de
hoje a solene condição de decano, no lugar do ministro Celso de Mello, já
empurrando a Corte para o centro do debate nacional – ou melhor, da ira
nacional. Qual o sentido de soltar André do Rap, o chefe do PCC que a polícia
demorou anos e gastou fortunas para capturar?
Dono de helicóptero, lancha, mansões e carrões, o facínora tem duas condenações em segunda instância, somando 26 anos, mas entrou com recurso e estava ainda em prisão provisória desde setembro de 2019. Ao acatar o habeas corpus, Marco Aurélio justificou que sua prisão não fora renovada de 90 em 90 dias, como manda o novo Código Penal, aprovado no Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro – contra a posição de Sérgio Moro.
Pode?
Não pode. Bastava o relator pedir explicações e ganhar tempo até cumprir-se a
burocracia. Mas esse não seria Marco Aurélio. Ele tem cultura jurídica, é
respeitado tecnicamente, acorda cedo e mergulha em livros, leis e casos. O
problema é a personalidade, o gosto de ser “do contra”. Se tal julgamento foi
10 a 1, o “1” é de Marco Aurélio, 74, no STF desde 1990, por indicação de seu
primo Collor de Mello.
Rubens Barbosa* - Centro de Defesa e Segurança Nacional
Entidade
sem fins lucrativos, buscará preencher um vazio de discussões na sociedade
O Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) foi criado em São Paulo, com o estímulo do ex-ministro Raul Jungmann. Trata-se de uma entidade sem fins lucrativos que se caracteriza pela independência e pluralidade, acima de interesses partidários, ideológicos ou setoriais, e buscará preencher um vazio de discussões na sociedade civil sobre assuntos de extrema importância na área de defesa e que podem definir a posição do Brasil no mundo.
Somos
uma das dez maiores economias globais, o quinto maior território e a sexta
população mundial. E temos a terceira maior fronteira. Nosso país está
destinado a ter papel relevante no contexto das relações internacionais. Membro
do Brics, na área da defesa se constitui na segunda maior potência do
Hemisfério; tem a maior costa banhada pelo Atlântico Sul e dos três
ecossistemas do subcontinente, à exceção do andino, está presente nos outros
dois, o amazônico e o platino. Sendo um país continental, torna-se obrigatório
termos uma visão clara dos temas da defesa e segurança, compatível com a
necessidade de dispor de recursos de proteção e, se necessário, capacidade de
dissuasão adequada a seu presente e seu futuro.
Ana Carla Abrão* - Aptidões
Mudança
cultural para maior inclusão feminina só ocorrerá com melhora na condição atual
Alfred Nobel, cientista sueco morto em 1896, declarou em seu testamento o desejo de criação de uma fundação que premiasse, anualmente, as pessoas que mais tivessem contribuído para o desenvolvimento da humanidade. Em 1900, a Fundação Nobel foi criada, e com ela foram definidas cinco áreas de premiação: Química, Física, Medicina, Literatura e Paz Mundial. O Nobel de Economia veio quase 70 anos depois e, embora não seja pago pela Fundação Nobel, tem o mesmo rigor e prestígio.
Desde
1901, quando os primeiros Nobel foram concedidos, 57 mulheres foram premiadas
(uma delas, Marie Curie, cientista e física polonesa, foi a primeira mulher a
receber o prêmio e a primeira pessoa a recebê-lo duas vezes, em 1903 e 1911).
Neste ano, de forma inédita, os prêmios de Química e Física foram concedidos a
três mulheres: a francesa Emmanuelle Charpentier e a americana Jennifer A.
Doudna, em Química e a também americana Andrea Ghez, quarta mulher a ganhar o
prêmio de Física. No ano passado, tivemos uma mulher premiada pelo Nobel de
Economia. A franco-americana Esther Duflo foi a segunda mulher na história a
ganhar o prêmio, e também a mais jovem, com 46 anos.
O
ineditismo de termos três mulheres ganhando os prêmios de ciências traz de
volta a discussão em torno das aptidões femininas e a base das escolhas
profissionais e acadêmicas de jovens mulheres. Afinal, há quem defenda – como
fez o economista Larry Summers, em discurso em 2005, quando era presidente de
Harvard – que a escassez feminina nas áreas de ciências estaria ligada a uma
menor aptidão inata – assim como sua menor representatividade em algumas
profissões também estaria ligada a preferências inatas. Será mesmo? Os prêmios
Nobel deste ano parecem duvidar disso.
Pedro Fernando Nery* - Desigualdade do engatinhar
Crianças
que não se desenvolvem plenamente se tornarão adultos às margens do mercado de
trabalho que virarão custo para o Estado
Na última década, o crescimento da economia brasileira esteve abaixo do de 90% dos países. Com o fim do bônus demográfico, será cada vez mais importante para o nosso futuro o crescimento da produtividade (a renda que cada trabalhador consegue gerar), já que o PIB não poderá depender de muitos trabalhadores entrando na força de trabalho (pois eles serão cada vez menos). Mas a produtividade cresce pouco no Brasil. O desafio é bem ilustrado pelo cálculo de Fabio Giambiagi: se a produtividade nas próximas três décadas crescer o mesmo que cresceu nas últimas três, não sairemos do lugar. Teremos em 2050 aproximadamente a mesma renda per capita que tínhamos antes da pandemia.
***
A
bebê era nervosa e tinha atrasos no desenvolvimento. Foi após seguidas visitas
domiciliares que uma agente identificou o problema. Os pais não deixavam ela
engatinhar. Haviam se mudado há pouco para a casa de chão áspero e irregular:
temiam que a garotinha se machucasse se fosse para o chão.
Fabio Graner - O desafio de manter a retomada da economia
Parte
da reação mais rápida do que o previsto se deve ao pagamento do auxílio
emergencial, que deve terminar abruptamente na virada do ano
Em
meio à tristeza de 150 mil mortes pela covid-19, a economia brasileira
apresentou nas últimas semanas uma série de dados positivos. Números como a
alta recorde das vendas do varejo motivam revisão generalizada de previsões
para o PIB.
O
movimento mais recente foi do Banco Mundial, que havia irritado o governo com
sua catastrófica projeção de queda de 8% e que passou a prever recuo de 5,4% no
ano. Ainda é um tombo feio, mas embute uma recuperação bem mais rápida.
Nos
bastidores, a equipe econômica tem comemorado o ritmo de expansão e acreditam
que isso terá continuidade. A visão é que o setor de serviços começará a ter um
ritmo melhor daqui para frente, consolidando a recuperação do PIB.
Mas
é necessário cautela. Os dados que mostram forte ritmo no varejo e na indústria
têm efeito de medidas como o auxílio de R$ 600 pagos a quase 70 milhões de
pessoas. Só isto já injetou R$ 237 bilhões na economia. A partir de setembro,
porém, ele foi reduzido a R$ 300 e assim deve seguir até dezembro.
Como
a economia se comportará com o corte pela metade de seu principal impulso
fiscal? É verdade que o auxílio e outras medidas, como a liberação do FGTS,
devem injetar cerca de R$ 150 bilhões entre setembro e dezembro. Não é pouco.
Mas a dúvida mais inquietante é para 2021, quando não só o auxílio, mas os
outros programas, como o benefício para o emprego e as ações de crédito às
empresas, chegam ao fim. Qual será a resposta do setor privado à contração
fiscal prevista, em meio às sequelas deixadas pelo coronavírus, como os milhões
de desempregados e o fim de milhares de empresas?
José Casado - Renda básica de R$ 7 mil
Vereadores
aumentam salários discretamente em cidades pequenas
Aos
57 anos, Marcio Bittar é um político em ascensão no Congresso. Chegou ao Senado
há apenas 20 meses, pelo MDB do Acre, e já é relator de alguns dos mais
disputados projetos da temporada legislativa. Entre eles, está o programa de
renda básica que Jair Bolsonaro sonha levar embaixo do braço para os palanques
da reeleição.
Bittar
foi comunista de carteirinha, no PCB, e estudante na extinta União Soviética.
Girou a chave na vida de pecuarista no noroeste do Acre, região recordista em
incêndios, desmatamentos e conflagrada pelo narcotráfico na fronteira com Peru
e Bolívia. Tornou-se um expoente da bancada ruralista, onde há gente que quase
enfarta quando ouve a palavra “Ibama”, e um conservador em cruzada contra a
liberação do aborto.
Tenta
negociar solução para uma antiga equação, insolúvel aos olhos de muitos
comunistas e conservadores: reduzir os gastos públicos e, ao mesmo tempo, criar
um mecanismo de transferência de renda aos pobres.
Míriam Leitão - Erros fiscais criam armadilha
Por
Alvaro Gribel (interino)
Muitos
economistas têm minimizado a alta da inflação, mas para economista-chefe do
Itaú Unibanco, Mário Mesquita, esse é um problema que precisará ser monitorado
com atenção daqui para frente. Mesquita estima que o IPCA continuará acelerando
nos próximos meses, até 4,5% em maio do ano que vem, para só então começar a
cair. O problema é que muita coisa pode dar errado até lá, especialmente na
política fiscal. Uma nova disparada do dólar pode deixar o Banco Central
pressionado para aumentar os juros em plena recuperação. “O ambiente se tornou
mais delicado para a inflação do que era há alguns meses”, explicou.
A
inflação vem subindo mesmo na recessão e, por mais que se diga que ela está
concentrada nos alimentos, não é boa notícia. O governo sairá desta crise muito
endividado, e isso tem provocado aumento na cotação do dólar. Mesmo que o
repasse de preços para muitos produtos seja menor, pela ociosidade da economia,
isso pode acabar batendo mais fortemente nos índices.
Roberto Gervitz* - Desprezo pela história do país
Cinemateca,
que guarda arquivo do DIP, parte do acervo da TV Tupi e 1 milhão de documentos,
corre risco
A
produção cultural brasileira já enfrentou ataques demolidores por parte de
muitos governos — os anos Collor foram exemplares: levaram consigo estúdios,
laboratórios, planos e sonhos. Foram anos de terra arrasada, mas nos
reerguemos. Os governos terminam, mas a produção cultural segue pulsando — a
criação é uma necessidade atávica do ser humano.
Já
estamos cruzando o semiárido cultural, mas não iremos desaparecer porque não se
mata uma cultura, e o nosso cinema é a prova indiscutível da capacidade de
resistir e de seguir criando. Será mesmo possível e desejável apagar nosso
passado — o conjunto das imagens que encerram nossos olhares, depositado na
Cinemateca Brasileira, nosso museu do olhar, como definiu Cacá Diegues?
Ela
abriga esse grande tesouro composto de registros de amadores que vêm desde o
início do século XX até hoje, todo o arquivo do Departamento de Imprensa e
Propaganda do Estado Novo, o DIP, parte considerável do acervo da TV Tupi,
todas as imagens e matérias do Canal 100 e quase toda a produção audiovisual
brasileira contemporânea. São 250 mil rolos de filmes e cerca de 1 milhão de
documentos.
O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais
O
choque pandêmico obrigará a novas abordagens na saúde, no saneamento e no
transporte público
Mais
de 517,7 mil candidatos foram inscritos para a disputa eleitoral de 15 de
novembro. Se confirmados pela Justiça Eleitoral, haverá uma quantidade recorde
de candidaturas, 27% mais que em 2016.
É
provável que, a partir de 2022, quando os eleitos estiverem iniciando o segundo
ano de mandato, já estejam disponíveis meios de controle — ou ao menos
mitigação — dos efeitos do novo coronavírus. É legítimo, portanto, uma firme e
permanente cobrança dos eleitores, desde já, sobre os planos dos candidatos a
prefeito e vereador para mudanças estruturais nas cidades no ciclo
pós-pandemia.
O
choque pandêmico obriga a novas abordagens na organização da vida urbana. Ganha
relevo a poluição dos canais fluviais, de que dependem as cidades às margens
dos poluídos rios Paraíba do Sul, no Estado Rio, ou Tietê, em São Paulo.
A
fragilidade dos ecossistemas, veículos para a transmissão de patógenos, sempre
foi aspecto fundamental nas políticas de saúde pública. O coronavírus apenas
põe o problema em evidência.
A
saúde pública depende do saneamento. No quadro brasileiro de precariedade,
parte da solução pode estar na cooperação intermunicipal, já que, no ano
passado, 2.200 prefeituras (quase 40% do total) gastaram por dia nos serviços
de saúde menos de um real por habitante. Há experiências relativamente
bem-sucedidas de consórcios sanitários nas cidades onde ocorre adensamento
demográfico, via favelização.
Um
de cada três municípios nem tem órgão responsável por fiscalizar a qualidade da
água, segundo o IBGE. Cerca de 70% das habitações do Norte e do Nordeste não
têm esgoto tratado, assim como metade dos domicílios do Sudeste e Centro-Oeste
e 45% do Sul. Novas regras setoriais foram aprovadas, atraentes ao investimento
privado. A execução dependerá da atuação cooperativa de prefeitos e vereadores
que assumem em janeiro.
Poesia | Vinicius de Moraes - Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus
ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente
fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação
das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de
carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem
fatalidade o olhar
[extático da aurora.
segunda-feira, 12 de outubro de 2020
Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*
Essa
construção ideal é exótica às nossas tradições, mesmo nas de raiz conservadora,
ela está aí por um acidente de caminho, cujas sequelas começamos a reparar,
passo a passo, como nas atuais eleições.”
*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, Puc-Rio. “Retomar o fio da meada”. Blog Democracia Política e novo Reformismo, 8/10/2020
Fernando Gabeira - Tubaína, novo sabor de Brasília
O
currículo do senhor K não bate com a realidade. Mas um currículo meio tubaína é
tudo do que precisam no momento
Faz
muito tempo que não vou a Brasília. Faz muito tempo que não vou a lugar nenhum.
Minha
última viagem à capital foi para documentar a mudança da Corte após a vitória
de Bolsonaro.
As
Cortes marcam a cidade, pelo menos o plano piloto, onde circulam políticos,
aspones e lobistas. Na chegada do PT, alguns restaurantes recendiam a fumaça de
charuto cubano. Collor gostava de grandes carros modernos. FHC quis reviver
saraus lítero-musicais.
Fui
muito prematuramente buscar a marca de Bolsonaro. Se voltasse agora, movido
pelo slogan da Coca-Cola, “sinta o sabor”, diria que o gosto da nova Corte é o
de tubaína.
Honestamente:
ninguém toma tubaína na Corte. É apenas um simbolo. Sua gênese está na escolha
de um novo ministro do STF. No princípio, Bolsonaro dizia que o escolhido seria
terrivelmente evangélico. Depois disse que o nome seria de alguém que tomasse
cerveja com ele.
Houve
uma inflexão. É difícil, não impossível, encontrar alguém terrivelmente
evangélico chegado a uma cervejinha. Ao apontar o nome de Kassio Marques,
Bolsonaro substituiu a cerveja por tubaína. O senhor K não é evangélico mas,
por via das dúvidas, era preciso abolir o teor alcoólico da amizade. A tubaína
se encaixava perfeitamente: popular, adocicada, meio fake.
Cacá Diegues - Compromissos fraternos
Governo
precisa criar programas para que a população tenha empregos para sair da
invisibilidade
Meu
bom e velho amigo Joca nos convidou para passar um fim de semana em sua casa,
no meio do mato. Como eu e Renata somos agora só nós dois, e o netinho lindo,
de 1 ano e meio, que podia nos ocupar um pouco, mal vemos (a mãe tem um medo
que se pela do coronavírus), foi fácil aceitar o convite do Joca.
Joca
mora numa borda da Mata Atlântica, de onde se podem ver tucanos, estranhas
borboletas, maracanãs e maritacas, pequenas fauna e flora que parecem estar
sempre renascendo. Podem-se observar macaquinhos, parece que pregos, bravos
remanescentes da Mata Atlântica, planejando invadir a casa, em busca de
alimento mais fácil. Aposto que, se os outros animais do planeta tivessem as
mesmas virtudes de organização que temos, praticariam sem dúvida a mesma
política de extermínio que praticamos, eliminando o que incomoda e atrapalha
nossos planos materiais. Escrevemos lindos poemas diante do vasto oceano, mas
não abrimos mão da peixada com frutos do mar, no almoço do Joca.
O
melhor amigo da onça não pode ser um leão. O jacaré pode até se aproximar do
papagaio, mas será sempre por disfarçado projeto de devorá-lo. Que eu saiba,
nenhum animal possui animal de estimação, como temos cães ou gatos que criamos
e cuidamos. Podemos ter, mesmo preso na gaiola, um rouxinol de estimação. Mas,
se um gato tentar experiência parecida, terminará comendo o passarinho. Os
bichos andam sempre em grupos homogêneos, sem a participação indesejável dos
diferentes em seus passeios e programas.
Rosiska Darcy de Oliveira – Fênix
Autoritários
temem escritores
Uma
voz em off: “Aqui é o que esse autor que mandou não comprarem produtos
brasileiros merece. Pena que só tenho esse, senão queimava mais. Queima Paulo
Freire... Paulo Freire, não, Paulo Coelho. Mas o Paulo Freire também merece ser
queimado. Queima Paulo Coelho... Queima... É isso aí. Paulo Coelho na fogueira.
Queima o livro do Paulo Coelho. Olha que fogueira bonita!”.
A
voz acompanha uma imagem: a mão sem rosto, covarde como são as mãos que queimam
florestas, queimava “O alquimista”, o livro brasileiro mais vendido e traduzido
no mundo, de Paulo Coelho. O crime do autor foi denunciar a política ambiental
assassina e suicida do governo brasileiro. Jovem, fora preso e torturado pela
ditadura.
Paulo
Freire colheu, dentro e fora do Brasil, um respeito que influenciou gerações de
educadores em cinco continentes. Acusado de ser comunista, esse professor de
fala mansa e pausada, devoto de Santa Teresinha, foi preso e exilado pela
ditadura. Professor em Harvard, foi aclamado por sua defesa da “Educação como
prática da liberdade” e da “Pedagogia do oprimido”.
Ricardo Noblat - Na raiz do conflito entre ministros, a chaga dos presos provisórios
O
que diz a lei não vale para todos
Não
convidem para dividir a mesma mesa os ministros Marco Aurélio Mello e Luiz Fux
do Supremo Tribunal Federal. Nem Fux e os ministros Gilmar Mendes e Dias
Toffoli. Jamais os ministros Gilmar e Marco Aurélio. Gilmar e Marco Aurélio,
por querelas antigas que quase resultaram em troca de socos.
Fux
detestou o acordo feito pelo presidente Jair Bolsonaro com Gilmar e Toffoli em
torno da indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para a vaga no Supremo
aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Falta ao “nosso Kassio”
envergadura para tal, ou mesmo currículo confiável.
O
troco veio rápido. Para evitar que Kassio chegue ao tribunal com essa bola toda
e blindar a Lava Jato contra seus futuros votos, Fux sugeriu devolver ao
plenário o poder de julgar ações penais que era repartido entre a Primeira e a
Segunda Turma, cada uma delas formada por cinco ministros. Sugestão dada,
sugestão aceita.
No
último fim de semana, explodiu o conflito entre Marco Aurélio e Fux por causa
de uma decisão do primeiro revogada em tempo recorde pelo segundo. Marco
Aurélio mandou soltar o traficante André do Rap, um dos líderes do Primeiro
Comando da Capital (PCC). Fuz revogou a ordem do colega.
Quem
tem razão? Marco Aurélio e Fux têm razão, a levarem-se em conta os argumentos
esgrimidos para justificar uma e a outra coisa, e esse é o nó da questão. Marco
Aurélio baseou-se em novo trecho do artigo 316 do Código de Processo
Penal, incluído após a aprovação do pacote anticrime aprovado no Congresso em
2019.
Marcus André Melo* - A geografia do voto
O
argumento de realinhamento político regional não se sustenta
A
geografia do voto é fonte recorrente de erros interpretativos. Discute-se o
voto no Nordeste como se ele tivesse um DNA político. O
mito do momento é o do Nordeste vermelho. No Brasil Império, o Nordeste
sequer existia no léxico político: na narrativa política o país era dividido em
Norte e Sul.
Entre
nós nunca ocorreu conflitos como nos EUA, em que o Norte e Sul travaram uma
guerra sangrenta, que marcou a política e moldou o sistema partidário. Enquanto
o partido republicano continua homogêneo, o partido democrata até o início dos
60 era uma coalizão de duas facções: elites conservadoras sulistas
(anti-yankee) e de setores de perfil social variado, das grandes áreas
metropolitanas.
Celso Rocha de Barros* - O custo da moderação pelo acordão
O
que acontecerá se a democracia brasileira for salva por seus defeitos?
Há
uma percepção generalizada de que Bolsonaro tornou-se mais conciliador porque
não conseguiu abafar
o caso Queiroz. Dois colunistas da Folha notaram isso no último sábado (10):
Hélio Schwartsman escreveu
que Bolsonaro foi moderado pelo medo das investigações contra ele.
Fernando
Haddad foi mais direto (e sarcástico): a
corrupção de Bolsonaro pode ter salvado a democracia brasileira. Mais
sutil, a revista Veja dessa semana elogiou Bolsonaro pela postura mais
moderada, "goste-se ou não de suas motivações".
Na
verdade, houve época em que os problemas legais de Bolsonaro até aceleraram seu
golpismo. Mas, de fato, foram as investigações que o levaram às negociações com
Toffoli, às conversas com Gilmar e com o centrão.
Ali
começou o processo que culminaria na indicação
de Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal
Federal. Kassio tem certas crises de identidade na hora de citar
autores, mas é muito melhor do que o que se esperava de uma indicação
bolsonarista.
Catarina Rochamonte* - Bolsopetismo e as criaturas do pântano
O presidente Jair Bolsonaro e o PT uniram esforços em direção a um mesmo fim. Embora apelem para o antagonismo no nível do discurso ideológico, a necessidade de desmontar a Operação Lava Jato igualou-os como criaturas de um mesmo pântano. Como o discurso que sustentam é falso, traem-se a todo instante, deixando clara a falta de compromisso com a ética, com o estado de direito, com o espírito republicano, com a justiça ou com a própria visão de mundo que diziam defender.
Não
é de estranhar, pois, o ato falho do ex-presidente Lula que, em entrevista ao
jornal El País, afirmou que não irá “enganar o povo mais uma vez”; ou a cínica
declaração de Bolsonaro de que teria acabado com a Lava Jato por não haver mais
corrupção no seu governo.
O
que causou alguma estranheza foi ver jornalistas antes críticos do que chamavam
de imprensa “chapa branca” se prestarem a tratar a referida declaração como
sendo uma refinada ironia, como se não houvesse fatos evidenciando o acordo de
Bolsonaro com as criaturas mais pantanosas da política no sentido de fragilizar
o combate à corrupção.
Denis Lerrer Rosenfield* - Um país travado
Urge
que o presidente deixe o papel de candidato antecipado de si mesmo e governe
Um país travado é um país que não descortina horizontes. O futuro se vislumbra sombrio, pois os impasses do presente não se resolvem. A dívida pública torna-se cada vez mais preocupante, a crise fiscal não consegue ser equacionada, o desemprego é enorme, a pandemia persiste e seus efeitos certamente se prolongarão para o próximo ano. Pessoas estão desorientadas e inseguras, com uma quebra brutal de expectativas. E no meio de situação de tal gravidade se discutem a reeleição de 2022 e uma série de questões menores e secundárias.
A
trava econômica é de natureza política. Ela se traduz pela desconfiança e pela
insegurança, sem que os investidores nacionais ou estrangeiros se sintam
confortáveis para apostar num país paralisado em suas decisões. As reformas não
andam, as discussões sobre o auxílio aos mais necessitados não encontram fontes
de financiamento, sobretudo porque os privilegiados socialmente não querem
abrir mão de seus benefícios, e o presidente não consegue decidir, embora a
própria omissão seja uma forma de decisão. Envia-se uma reforma administrativa
que não mexe com nenhum dos privilégios atuais do funcionalismo público, nem
chega sequer a cogitar, mesmo para o futuro, de mudar os privilégios do
Judiciário, do Ministério Público e do Poder Legislativo. Os mais carentes são,
mais uma vez, os perdedores.
Lena Mucha - Ultradireita exporta teses conspiratórias
The New York / O Estado de S. Paulo
Na
narrativa do Qanon, este não foi um exercício da Otan. Foi uma operação secreta
do presidente Donald Trump para libertar a Alemanha do governo da chanceler
Angela Merkel – algo que eles aplaudiram. “O movimento Qanon disse que essas
são as tropas que vão libertar o povo alemão de Merkel”, disse Hildmann, uma
celebridade de culinária vegana que não tinha ouvido falar do Qanon. “Espero
muito que o Qanon seja real.”
Nos
EUA, o Qanon já evoluiu de uma subcultura marginal da internet para um
movimento de massa popular. Mas a pandemia está alimentando as teorias da
conspiração para além das costas americanas, e o Qanon está se espalhando como
metástase também na Europa.
Grupos
surgiram da Holanda aos Bálcãs. Na Grã-bretanha, protestos fazendo referência
ao Qanon sob a bandeira de “Salvem nossas crianças” ocorreram já em mais de 20
cidades e vilarejos, atraindo um grupo demográfico mais feminino e menos de
direita. Mas é na Alemanha que o Qanon parece ter feito as incursões mais
profundas. Com o que é considerado o maior número de seguidores – cerca de 200
mil – no mundo que não fala inglês, ele rapidamente tem conquistado audiência
no Youtube, Facebook e no aplicativo de mensagens Telegram.
“Os
influenciadores e grupos de extrema direita foram os primeiros a impulsionar
agressivamente o Qanon”, diz Josef Holnburger, cientista de dados que acompanha
o Qanon na Alemanha. As autoridades estão perplexas porque uma teoria da
conspiração aparentemente maluca a respeito de Trump lutando contra um “Estado
Profundo” de satanistas e pedófilos ressoou na Alemanha.
Questionado
a respeito dos perigos do Qanon, o serviço federal de inteligência doméstica
alemão respondeu com uma declaração dizendo que “tais teorias de conspiração
podem se transformar em um perigo quando a violência antissemita ou violência
contra funcionários políticos é legitimada com uma ameaça do ‘Estado
Profundo’.”





























