Após manter o Egito e o mundo em suspense, num dia marcado por rumores de que finalmente renunciaria, o ditador Hosni Mubarak anunciou à noite que transferirá poderes ao vice Omar Suleiman, mas se recusou a deixar o cargo. Ele assegurou que se mantém presidente até as eleições de setembro. Antes eufórica com a expectativa da renuncia, a multidão que assistia ao discurso num telão, no Centro do Cairo, reagiu com fúria: manifestantes lançaram sapatos para o ar, aos gritos de "Fora!", exigindo a saída de Mubarak. A decisão mergulha o país na incerteza, com novos protestos marcados hoje. O Exército mandou mensagens ambíguas. Militares, que mais cedo declararam apoio aos manifestantes na praça, pareceram recuar após a decisão do presidente. Embora Mubarak não tenha dito quais poderes serão transferidos, o embaixador do Egito nos EUA, Sameh Shoukry, disse que todos eles, inclusive o comando das Forças Armadas, estão nas mãos de Suleiman, fiel escudeiro de Mubarak: "O chefe de Estado é Hosni Mubarak, mas o presidente de fato é Suleiman", disse a CNN.
Da euforia à fúria
Da euforia à fúria
A REVOLTA DO MUNDO ÁRABE
Mubarak transfere poderes a vice, mas não renuncia, acirrando os protestos no país
CAIRO –Depois de manter o país em suspense num dia marcado por rumores e declarações controversas, o presidente do Egito, Hosni Mubarak, ignorou centenas de milhares de pessoas que gritavam "Fora!" no centro do Cairo e insistiu em permanecer no cargo até a realização das eleições presidenciais, previstas para setembro. Num discurso populista e paternalista, Mubarak lamentou as vidas perdidas em 18 dias de levante popular, prometeu estudar reformas constitucionais e outorgar alguns de seus poderes ao seu fiel escudeiro, o vice-presidente, Omar Suleiman.
O pronunciamento frustrou as expectativas de renúncia e enfureceu os manifestantes que se aglomeravam na Praça Tahrir, comemorando antecipadamente a vitória da revolta que há 18 dias sacode o país. A decisão do ditador despertou dúvidas sobre o seu real envolvimento no processo de transição. Depois de Mubarak garantir que não aceitará "ingerências externas" no país, o embaixador do Egito nos Estados Unidos, Sameh Shoukry, esclareceu à rede CNN o que o presidente não fez em seu discurso: todos os poderes presidenciais, inclusive o comando das Forças Armadas, estão nas mãos de Suleiman.
- Pela lei, o chefe de Estado é Hosni Mubarak. Agora, no entanto, o presidente de fato é Omar Suleiman - assegurou o diplomata, tentando amenizar o impacto do recado velado enviado à Casa Branca pelo presidente.
Alguns analistas se apressaram em justificar a estratégia como uma tentativa de desestabilizar a oposição e transformar os protestos em desordem e violência. Em seu pronunciamento à nação, que começou com pelo menos 45 minutos após o horário previsto, o presidente também ignorou o fato de que várias facções opositoras já abandonaram as negociações para a transição e destacou avanços. Ele também mencionou cinco artigos que devem ser alterados na Constituição egípcia: 76, 77, 88, 93 e 189.
- Começamos um diálogo nacional construtivo, e isto resultou em harmonia para que consigamos avançar a um cronograma e para que implementemos uma transição democrática até setembro. Falo a vocês, jovens do Egito, a quem aprecio profundamente como símbolo de uma nova geração em busca de um futuro melhor. O sangue de seus mártires não será perdido - afirmou o líder octogenário.
ElBaradei pede que Exército intervenha
Logo depois, foi a vez de Suleiman ir à TV assegurar seu comprometimento com a transição democrática e pedir aos manifestantes que retornassem às suas casas. Recorrendo à estratégia de culpar "forças externas" pelo levante popular contra a ditadura, Suleiman também conseguiu irritar ainda mais os egípcios ao pedir que o povo não dê atenção "às emissoras por satélite que não têm interesse no benefício do país" - numa referência às redes de TV CNN, BBC, al-Arabiya e sobretudo a al-Jazeera, cujo sinal chegou a ser cortado pelas autoridades egípcias.
Enquanto nas ruas as manifestações devem se intensificar hoje, sexta-feira, dia sagrado dos muçulmanos, políticos opositores também reagiram indignados ao discurso de Mubarak. Depois de aparentemente manter-se alheio às negociações por alguns dias, o ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e Prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei defendeu a interferência das Forças Armadas para solucionar a crise.
"O Egito explodirá e precisa ser resgatado agora pelo Exército", escreveu ele em sua conta no Twitter.
Milhares de usuários também recorreram ao serviço de microblog para expressar sua insatisfação com o ditador. Mais cedo, muitos brincavam com o clima de suspense e a expectativa pelo discurso do ditador e, usando a hashtag #ReasonsMubarakIsLate (motivos pelos quais Mubarak está atrasado), egípcios e estrangeiros atribuíam razões estapafúrdias à demora do esperado anúncio pela renúncia - que acabou não ocorrendo.
Além de raiva, a sensação coletiva era de profunda decepção, já que horas antes do discurso, os egípcios chegaram a comemorar - errônea e antecipadamente - a saída do ditador.
- Ele já tentou dividir o povo antes. Mas o povo já conhece sei jeito de agir - desabafou o jovem Hazem Khalifa, um químico, garantindo que os protestos vão continuar.
No meio de uma multidão que sacudia sapatos no ar - sinal de desrespeito máximo na cultura islâmica - um juiz defensor da reforma política, também pedia a interferência do Exécito.
- O presidente já perdeu sua legitimidade há muito tempo. As Forças Armadas devem interferir e tirá-lo antes que seja muito tarde - advertiu Hisham Bastawisi.
Após o discurso, pelo menos mil pessoas marcharam em direção à sede da TV estatal, a algumas quadras da Praça Tahrir, que acabou cercado pelos opositores no fim da noite.
Boatos de renúncia reforçaram protestos
Os rumores sacudiram o país desde cedo, quando militares do alto escalão se reuniram sem a presença do presidente. Numa entrevista à rede BBC em árabe, o primeiro-ministro Ahmed Shafiq também sugeriu que Mubarak poderia deixar o cargo. Em outro sinal que alimentou a boataria, comandantes foram à Praça Tahrir pela primeira vez em 17 dias afirmar aos manifestantes que "eles teriam suas demandas atendidas" - atraindo ainda mais gente ao centro da capital. Durante todo o dia, o clima foi de euforia. Homens, mulheres e crianças comemoravam o triunfo, agitando bandeiras egípcias, entoando canções de ordem, exibindo o V da vitória, aos gritos de "Deus é grande".
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