Valor Econômico
A explicação para o comportamento de Trump
não está na tabela periódica, mas na biografia do ‘aprendiz’ que não cerra
fileira ao lado de perdedor
A unanimidade com a qual a Comissão de Constituição e Justiça do Senado rejeitou a proposta de emenda constitucional da blindagem é o resultado mais concreto e acachapante das manifestações de domingo. Prevaleceu o argumento definitivo do relator Alessandro Vieira (MDB-SE) sobre a autorização de apenas uma investigação, entre quase 300 pedidos, nos 13 anos de vigência da blindagem. A mudança da Constituição, em 2001, permitiu que um terço dos parlamentares do Congresso Nacional, nas contas do relator, seja réu ou investigado. A folga com a qual a PEC foi aprovada na Câmara vem daí. Aquela com a qual foi rejeitada no Senado vem da rua.
O Centrão sumiu da votação e os bolsonaristas
que ousaram falar mostraram que, no terraplanismo que os sustentou, o mundo não
dá voltas, capota. Contestado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o relator
lembrou quando, em 2019, propôs o impeachment dos ministros Dias Toffoli e
Alexandre de Moraes por extrapolação de poder na instauração, de ofício, do
inquérito das “fake news”, ou “do fim do mundo”, marco na pré-história da
persecução penal do golpismo. Naquele momento, disse, o filho do então
presidente Jair Bolsonaro o contestou. Não queria briga com o STF. Toffoli,
então presidente da Corte, suspendera processo contra o senador, baseado em
relatório do Coaf, que investigava rachadinhas na Assembleia Legislativa do
Rio.
A indignação que pautou os discursos de
rejeição à PEC da blindagem no Senado é seletiva. A patota que a patrocinou tem
outras frentes mais bem sucedidas no Congresso na blindagem do crime e de seus
comparsas no Legislativo. Três meses atrás, a CPI das bets naquela Casa foi
encerrada com rejeição do relatório que propunha indiciamentos e não se falou
mais nisso. Há um mês, o governo apresentou na Câmara um projeto para
responsabilizar bancos pelo recolhimento de impostos de casas de apostas
inadimplentes com as quais façam operações. Foi um desdobramento do cerco da Receita
e da Polícia Federal sobre a lavagem de dinheiro do crime organizado. O projeto
não saiu do lugar.
Também na Câmara, um projeto de regulação
financeira que já ganhou até regime de urgência estancou depois que o banco
Master, maior guarda-chuva da capital federal, saiu em busca de socorro. As
emendas apresentadas ao longo de sua tramitação trazem as mesmas pegadas
daquela patota que protege as bets. E não apenas.
As ditas pegadas também estão nas emendas que
tipificam o devedor contumaz. A operação “Carbono Oculto”, deflagrada há um
mês, empurrou a aprovação no Senado, a toque de caixa, do projeto que tipifica
o devedor contumaz, parado havia anos, sem as ditas emendas, porque ficou
comprovado o abrigo oferecido por este modelo de negócios da sonegação para o
crime organizado. Desde que chegou à Câmara, o projeto tampouco saiu do lugar.
A patota que freia todos esses projetos na
Câmara é a mesma que, depois de ter empurrado o presidente da Câmara a levar à
frente a PEC da blindagem, agora está nua com a mão no bolso. Hugo Motta
(Republicanos-PB) tem se esforçado, sem sucesso, para seguir o mesmo caminho do
presidente do Senado, que, investido de um salvo conduto, encarnou o paladino
da democracia e dos bons costumes parlamentares.
Davi Alcolumbre (União-AP) afastou-se do seu
bolsonarismo natal e abraçou o governo - e o Supremo. Até suas desavenças com o
ministro Alexandre Silveira (PSD-MG), que tem estado às voltas com duas
operações sucessivas da PF/CGU sobre licenças de mineração em Minas, parecem
ter ficado em segundo plano.
A confusão reinante na Câmara é tamanha que a
Comissão de Assuntos Econômicos do Senado acabou por aprovar um projeto de
isenção do IR até R$ 5 mil, passando à frente daquele da Câmara. Numa ponta e
noutra, além de dois adversários históricos, o senador Renan Calheiros (MDB-AL)
e o deputado Arthur Lira (PP-AL), está o desnorteamento das lideranças da
Câmara que foram abalroadas pelas manifestações do domingo.
A crise da aliança Centrão/bolsonarismo se
reflete no desnorteamento do tabuleiro da sucessão. A ex-primeira-dama Michelle
Bolsonaro deu uma entrevista ao jornal inglês “The Telegraph” em que, pela
primeira vez, reconhece a possibilidade de disputar “uma candidatura política”.
Com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) encrencado e o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ) dependente de uma malfadada dobradinha com o Centrão, restou
a Michelle, que já tinha sido descartada pelo PL, colocar seu pescoço pra fora.
O governador Tarcísio de Freitas (SP), que
chegou a ir para o corpo a corpo pelo combo anistia/blindagem, saiu de fininho
nesta quarta ao dizer que a PEC revela uma “desconexão” com a sociedade. A
patota da PEC insiste na sua candidatura presidencial como tábua de salvação,
mas o governador dá sinais de que percebeu, um tanto tardiamente, que está
furada a canoa em que pretendem lhe fazer embarcar.
Não deve haver dúvida de que a oposição vai
se reaglutinar para 2026 porque há base social e financeira para tanto, mas até
Donald Trump já se deu conta que não vai ser fácil. Não está escrito na tabela
periódica mas na biografia do “aprendiz”. Se tem algo que sobrevive é sua
indisposição a carregar alça de caixão e cerrar fileira ao lado de perdedores.
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