terça-feira, 30 de setembro de 2025

País precisa de um Congresso renovado. Por Fernando Gabeira

O Globo

Agora ficou mais evidente que Lula será reeleito, porque a oposição pisoteou algumas de suas próprias bandeiras

Semana passada, um hater me chamou de Matusalém. Só para contrariá-lo, farei algumas previsões sobre o futuro. Não um futuro distante, mas os poucos anos que me restam.

Minha filosofia é a do poema “Quando vier a primavera”, de Fernando Pessoa: Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem./Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele./Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.

Por enquanto, ainda há o que fazer. Vejo o Brasil numa encruzilhada e o mundo como um espaço absurdo, onde a mensagem do homem mais poderoso é sobre uma escada rolante emperrada, e algumas aberrações como o perigo das energias alternativas.

Na verdade, era um discurso tão disparatado, que cheguei a acreditar numa notícia falsa. Ela dizia que ele reclamou ao microfone que sentia ardência quando fazia xixi. Diante dos líderes mundiais reunidos, ele poderia ter reclamado de apneia do sono ou reafirmado que descobriu a causa do autismo.

Para mim, nada faz muito sentido. Sou estrangeiro num mundo em que o diverso e rico povo americano escolheu Trump; o sensível e sofrido povo judeu, Netanyahu. Sofro diariamente com as notícias de Gaza. Agora o Exército está jogando bombas incendiárias numa flotilha que leva alimentos e remédios para Gaza. O depoimento do brasileiro Miguel Viveiros de Castro, que viaja num dos barcos, é impressionante.

Seria possível construir algum nexo a partir do Brasil? Acho que Lula será reeleito. Aliás, acho isso há muito tempo. Agora ficou mais evidente porque a oposição pisoteou algumas de suas próprias bandeiras. Primeiro, o nacionalismo foi para o espaço com o apoio tácito às tarifas de Trump. Depois, a crítica à corrupção se derreteu com o apoio à PEC da Blindagem.

Um problema é o Congresso. Com os bilhões gastos em emendas parlamentares, inclusive o orçamento secreto, é grande a chance de nada mudar. Há muito falo na necessidade de prestar atenção nas eleições parlamentares. Não tem adiantado. Só se fala na presidencial.

Com o susto da PEC da Bandidagem, muita gente acordou. É hora de aproveitar o momento. O cientista político Bolívar Lamounier sugere que escolhamos milhares de pessoas sérias e tentemos renovar o Parlamento.

Acho difícil. No entanto é mais difícil não tentar. Não há chance de o país avançar sem um bom Congresso. Mesmo na hipótese de termos um bom presidente, com as características do atual Congresso, o país não andaria. Ou melhor, andaria como uma pessoa que tem uma pedra no sapato ou um carro com roda presa.

A realidade mostrou que algo é possível. Um projeto que criminalizava vítimas de estupro foi barrado. Outro que colocava em perigo o uso público das praias também naufragou. Finalmente, a PEC da Blindagem foi enterrada.

Mas isso é pouco. São apenas reações quando as coisas ficam escandalosas demais. Era preciso um bom Congresso para fiscalizar o governo, criar bons projetos, abrir novas perspectivas para o país.

Se isso não acontecer, o absurdo do mundo nos engolfará. Será impossível uma ilha de nexo. Escadas rolantes e teleprompters ocuparão o espaço de nossa reflexão.

 

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