domingo, 28 de setembro de 2025

Jovem dirigente do PCB, Magrão foi executado com injeção de matar cavalo. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Familiares e amigos não tiveram o direito de realizar um funeral digno para Montenegro, cuja história acabou tão clandestina quanto fora a sua atuação política após o golpe militar

Cinquenta anos após o assassinato, aos 32 anos, a memória de José Montenegro de Lima, o Magrão, jovem dirigente do PCB sequestrado e torturado pelos órgãos de segurança do regime militar, será resgatada por seus velhos amigos, militantes políticos, pesquisadores e representantes de entidades de defesa dos direitos humanos na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, na próxima segunda-feira (29/09), às 18h30, num ato político cuja síntese é a pergunta sem resposta até hoje: "Cadê o Magrão?".

Familiares e amigos de Montenegro não tiveram o direito de realizar um funeral digno para ele, cuja história acabou tão clandestina quanto a sua atuação política após o golpe militar de 1964. Responsável pelo trabalho do PCB com a juventude, sua importante atuação na criação da juventude do antigo MDB e na reorganização do movimento estudantil e do movimento cultural, sobretudo cineclubista, foi um contraponto à atuação de outros jovens que optaram pela luta armada.

Sua história sofreu um apagamento nessas cinco décadas. Segundo o diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ligada ao Cidadania, Marcelo Aguiar, "o evento será suprapartidário e um tributo à memória de um herói da resistência democrática". A FAP também está lançando um dossiê digital com farta documentação sobre Montenegro e produzindo sua biografia, de autoria dos jornalistas Vicente Dianezzi Filho (in memoriam) e Marcelo Godoy, que já escreveu dois livros sobre desaparecidos: A casa da vovó e Cachorros (Alameda Editorial).

Montenegro nasceu em Itapipoca, Ceará, em 1943, filho de Chico Vermelho e Maria dos Santos. Adolescente, destacou-se na Escola Técnica Federal de Fortaleza e mergulhou no movimento estudantil. O golpe de 1964 o empurrou para a clandestinidade. Indiciado no IPM (inquérito policial militar) da União Nacional dos Estudantes (UNE), mudou-se para o Rio de Janeiro, destacou-se como organizador e orientador da Juventude Comunista e chegou à Seção Juvenil do Comitê Central do PCB. Representou o Brasil em congressos da juventude em Moscou, Budapeste e Berlim. Manteve intensa atuação no Rio, em São Paulo e na Bahia, onde fez uma legião de amigos.

Era alegre e persuasivo. Havia recusado os conselhos de ir para o exílio, mesmo sabendo dos riscos que corria, porque estava empenhado em montar uma nova gráfica para a edição da Voz Operária, o órgão central do PCB, após a queda da gráfica clandestina de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1975. Montenegro conseguiu imprimir precariamente o jornal clandestino até maio de 1975. Em 29 de setembro daquele ano, Montenegro foi sequestrado em sua casa no bairro da Bela Vista, em São Paulo. Vizinhos viram-no levado por quatro agentes. Passou pelo DOI-CODI e foi assassinado com injeção para matar cavalos. Seu corpo foi jogado na represa de Avaré. O documento nº 1152/S-102-A12-CIE, de 1978, registra cinicamente: "Seu destino atual é ignorado".

Cerco e aniquilamento

O diretor do jornal, Orlando Bomfim Junior, membro da Executiva Nacional do PCB, também viria a ser sequestrado e assassinado, depois de preso no Rio de Janeiro, em 8 de outubro de 1975. Ex-vereador em Belo Horizonte e jornalista, Bomfim foi sequestrado em Vila Isabel e levado ao DOI-CODI paulista, torturado e morto também com injeção letal. Seu corpo também teria sido lançado na represa de Avaré. A família tentou habeas corpus, acionou entidades, escreveu a parlamentares, mas nunca obteve resposta oficial.

Menos de um mês depois, em 25 de outubro de 1975, seria a vez do jornalista Vladimir Herzog, que não era um dirigente clandestino. Nascido em Osijek, na antiga Iugoslávia, aos 38 anos, dirigia o jornalismo da TV Cultura e dava aulas na ECA-USP. Convidado a depor no DOI-CODI, foi morto sob tortura. O regime forjou um suicídio grotesco, divulgado em fotografia encenada. O rabino Henry Sobel recusou-se a enterrá-lo como suicida. Dom Paulo Evaristo Arns, o pastor Jaime Wright e o próprio Sobel organizaram o histórico culto ecumênico na Catedral da Sé, em 31 de outubro de 1975. A farsa não resistiu.

Mas a escalada da violência ainda seguiu. Em janeiro de 1976, foi a vez do operário metalúrgico Manoel Fiel Filho, preso na metalúrgica Metal Arte, na Mooca. Ligado ao PCB e ao jornal Voz Operária, foi levado ao DOI-CODI. No dia 17, a versão oficial repetiu a farsa: "Suicidou-se com as próprias meias". O corpo, no entanto, trazia claros sinais de tortura. A indignação foi tão grande que o presidente Ernesto Geisel afastou o comandante do II Exército, Ednardo D'Ávila Mello, e o chefe do CIE, Confúcio Avelino.

Documentos da CIA, porém, comprovam que Geisel autorizou execuções seletivas de opositores. Célio Augusto Guedes, José Romão, David Capistrano, Luiz Maranhão, João Massena de Melo, Elson Costa, Itair José Veloso, Hiran Lima Pereira, José Raimundo da Costa, Nestor Veras e Jayme Miranda, integrantes do Comitê Central do PCB, também foram sequestrados e assassinados na operação de "cerco e aniquilamento" organizada para neutralizar a influência comunista na organização de uma ampla frente democrática contra o regime, sobretudo no MDB, que havia obtido uma vitória eleitoral espetacular em 1974.

A Operação Radar prendeu milhares de militantes do PCB em todo o país. Para isso, a repressão contava com um agente absolutamente insuspeito: o veterano dirigente Severino de Mello, o "camarada Pacato". Após ser preso, ele havia se tornado o "agente Vinícius", cooptado pelo CISA, órgão de inteligência da Aeronáutica, e delatava companheiros.

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