domingo, 28 de setembro de 2025

Matar o pai. Por Merval Pereira

O Globo

Sem uma anistia ampla, Eduardo Bolsonaro não voltará à política, muito menos ao Brasil, onde será preso ao desembarcar, pois o processo sobre obstrução à Justiça certamente será encerrado com sua condenação

A luta desvairada do quase ex-deputado federal Eduardo Bolsonaro pela anistia “ampla, geral e irrestrita” não é a favor de seu pai, ou dos condenados pela tentativa de insurreição de janeiro de 2023, mas a seu favor pessoal. Sem uma anistia desse quilate, ele não voltará à política, muito menos ao Brasil, onde será preso ao desembarcar, pois o processo sobre obstrução à Justiça certamente será encerrado com sua condenação, tantas são as provas dadas por ele mesmo ao longo do tempo.

Diz a lenda antiga que os deuses, quando querem destruir uma pessoa, primeiro as enlouquecem. Eduardo e seu parceiro Paulo Figueiredo estão nesse processo de enlouquecimento que os faz perder a noção de suas forças, as avaliando além da realidade. O mesmo processo faz com que Eduardo Bolsonaro se sinta capaz de ser candidato à presidência da República, quando ninguém, nem mesmo seu pai, o quer nessa posição.

Pela divulgação dos diálogos que Eduardo trava com seu pai, pode-se imaginar em que nível eles estão hoje, quando está evidente que, num processo psicanalítico, tenta “matar” o pai para substituí-lo na liderança política nacional, num simulacro de tragédia grega.

O que parecia uma ação habilidosa e demonstração de força junto à Casa Branca vai se encaminhando para um desfecho contrário, com a direita dividida devido à insistência dos agentes traiçoeiros da nossa soberania, que buscam uma anistia tão ampla que os salve, e o boicote permanente dos Bolsonaro ao governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, o candidato mais viável da direita para a presidência da República na sucessão de Lula.

A recuperação de Lula deve-se, além das trapalhadas dos agentes externos do bolsonarismo, à mercurial personalidade de Trump, que, embora tenha adicionado um caráter político às sanções brasileiras, está mesmo interessado em negócios. Nesse ponto, o Brasil tem muito a oferecer, desde os investimentos de empresas brasileiras nos Estados Unidos, como a JBS que tem cerca de 100 mil empregados lá e um plano de investimento de 1 bilhão de dólares pelos próximos anos. Em se tratando de Trump, nada está garantido, mas as chances de a suposta “química” entre ele e Lula dar certo existem.

Como falta pouco mais de um ano para as eleições, não há nada definido, embora a esquerda leve uma vantagem aparente no momento diante da cisão interna da direita. Mesmo que o destino dele e dos seus dependa fundamentalmente da eleição de um correligionário no ano que vem, ganhar com um potencial líder direitista com futuro pela frente pode não ser uma boa perspectiva para Jair Bolsonaro, que avalia estar liberado para disputar a eleição de 2030.

Por mais que Tarcísio se esforce para convencer Bolsonaro de que é seu êmulo, perdendo assim a confiança dos que o vêem como um direitista moderado, ele não tem a confiança da “famiglia”, o que vale como uma demonstração de que ainda merece confiança do centro. Nesse jogo de quebra-cabeça que ainda não foi montado, está a definição da próxima eleição presidencial.

Os que mais do que não gostar, temem Lula, consideram que um quarto mandato o tornará liberado para aumentar seu poder, tornando-se um ditador moderno, que acabará dominando o Congresso com o auxílio do Supremo. Há ainda os que temem também Bolsonaro, diante da capacidade que demonstrou de organizar um golpe de Estado, frustrado, mas tentado, coisa que o PT não chegou tão perto nos anos em que esteve no poder.

A disrupção provocada pelos esquemas de corrupção montados pelo petismo no mensalão e no petrolão foi a tentativa de controlar o Congresso para “passar a boiada” através de aprovação de leis de controle da comunicação, das artes, da economia, que não deu certo e acabou em cadeia ou impeachment. A democracia brasileira, com seus defeitos e suas inseguranças, tem dado conta dessas tentativas de governantes autoritários. Vamos ver até quando resistimos escolhendo sempre o menos pior.

 

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