sábado, 6 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Alta no crédito deve ser encarada com cautela

O Globo

Brasil não alcançará crescimento sustentado com base no consumo, mas no investimento e no equilíbrio fiscal

A alta no crédito ao consumidor vem sendo apresentada como uma das notícias econômicas positivas do primeiro trimestre. A concessão de empréstimos para comprar bens cresceu 18% no período de 12 meses encerrados em fevereiro, maior patamar dos últimos cinco anos. Embora haja bons motivos para comemorar o feito, o governo deveria tomar cuidado para não chegar a conclusões erradas. Em administrações anteriores do PT, acreditou-se que bastava irrigar a economia com dinheiro barato para fazer o PIB crescer. O que se viu foi uma expansão insustentável. Se não aprender com os erros do passado, o governo arrisca cair na mesma armadilha.

O recente salto no crédito tem múltiplas causas. Com a queda da inflação e dos juros, os consumidores hoje pagam menos pelos empréstimos. O desemprego em queda, a renda em alta e o programa Desenrola permitiram que sustassem velhas dívidas e pudessem contrair novas. Quatro em dez brasileiros dizem estar dispostos a ampliar gastos com bens como móveis ou eletrodomésticos nos próximos 12 meses, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Os efeitos deverão se fazer sentir mais no segundo semestre. Esse é um dos fatores que têm elevado as previsões de crescimento da economia para 2024. Analistas ouvidos pelo Banco Central preveem hoje um PIB 1,9% maior neste ano (há quatro semanas, a previsão era 1,8%).

Oscar Vilhena Vieira - Jurisprudência flutuante

Folha de S. Paulo

Num ambiente polarizado, disputa entre Congresso e Supremo não é ingênua

No Estado de Direito, os réus não escolhem os juízes que irão julgá-los, nem os juízes podem escolher os réus que irão julgar. Para evitar privilégios e arbitrariedades, o "juiz natural" deve estar previamente estabelecido pela Constituição ou pela lei.

Na última semana, assistimos a um novo episódio da interminável batalha dos Poderes, agora em torno da definição do chamado foro por prerrogativa de função. A extrema direita, implicada na tentativa de golpe, resgatou uma antiga PEC com o objetivo de esvaziar a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar os membros do Parlamento.

Na trincheira oposta, ministros do Supremo aproveitaram o julgamento de um habeas corpus em favor de um senador acusado da prática de rachadinha para revisitar uma decisão tomada pelo Supremo, em 2018, que estabelecia critérios para o exercício da jurisdição especial por parte do tribunal.

Alvaro Costa e Silva - O espetáculo da morte estúpida

Folha de S. Paulo

No Brasil, morre-se de calçada, poste e selfie

"Viver é muito perigoso." É o mote repetido insistentemente no monólogo de Riobaldo no "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa. Não deixa de ser uma tirada à conselheiro Acácio, como notou Nelson Rodrigues, mas revela uma realidade inescapável. "São demais os perigos desta vida", confirmou Vinicius de Moraes no "Soneto do Corifeu". Conselhos desnecessários para quem habita qualquer canto do Brasil.

Não é só a guerra entre bandido e polícia que mata gente inocente. Estão aí, soltas, as pedras portuguesas. Apesar da beleza, elas são conhecidas entre os cariocas como pedras assassinas. Desapareceram os mestres calceteiros, que consertavam com perícia as ondas do calçadão de Copacabana ou uma simples passagem. O poeta Hermínio Bello de Carvalho, que acaba de completar 89 anos, levou um tombo em Botafogo, feriu a vista, lesionou a coluna e está no estaleiro.

Pablo Ortellado - A convicção que cega

O Globo

Está mais do que na hora de baixar a fervura e lembrar que, do outro lado, também existem pessoas de boa-fé. Essa intolerância toda não apenas fratura o país, também nos deixa cegos e surdos

Na véspera da Páscoa, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) publicou uma imagem no perfil do grupo no Instagram. Nela, Jesus aparece crucificado enquanto três soldados romanos olham para a cruz e comentam: “Bandido bom é bandido morto”. A publicação gerou uma ruidosa controvérsia na internet, com a direita acusando o MTST de chamar Jesus de bandido. O conflito de interpretação na base da celeuma lembra outra controvérsia, no auge da pandemia, quando bolsonaristas criticando o passaporte vacinal foram acusados de promover o nazismo.

Logo depois da publicação do MTST, o senador Ciro Nogueira, do PP, disse numa rede social que o MTST comparava Jesus “com um ‘bandido’”. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, afirmou que Boulos “prega intolerância religiosa no dia mais triste da tradição cristã”. A deputada Carla Zambelli, que o MTST “vilipendia a fé cristã”. O pastor Silas Malafaia, que a esquerda “odeia o cristianismo”. E o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, chamou a imagem de “sacrilégio”. Uma enxurrada de comentários de cidadãos de direita nas mídias sociais foi na mesma linha.

Eduardo Affonso - Pequena revolução copernicana

O Globo

Passou da hora de a questão política deixar de ser posta em termos de esquerda x direita, e mudar o eixo para democracia x autoritarismo

O maior estrago do 8 de Janeiro não foi nas obras de arte (uma centena delas, perdidas para sempre) ou nas vidraças da Praça dos Três Poderes, mas na crença de que, escaldados por 21 anos de ditadura, estaríamos vacinados contra a sedução do autoritarismo. Não estamos e — humanos, demasiadamente humanos que somos — talvez nunca venhamos a estar.

Apesar das provas incontestáveis de que a democracia produz mais desenvolvimento (“O PIB de longo prazo aumenta cerca de 20-25% nos 25 anos seguintes a uma democratização”, concluiu o economista Daron Acemoglu em 2019), continuamos fascinados pelo mito do bom tirano, do outsider que varrerá o lixo da política tradicional e nos conduzirá, por decreto, a pastos mais verdejantes. Ignoramos o que a História está rouca de contar e, como cantou Lupicínio, insistimos em ir ao inferno à procura de luz.

Carlos Alberto Sardenberg - O crime é global

O Globo

Nos EUA, a Trafigura confessa suborno, pede desculpas e paga multa. Por aqui, grandes empresas ‘desconfessam’ e ganham cancelamento de multas

O presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, Sigurd Bengtsson, ainda tentou: não estamos julgando a Lava-Jato, disse na abertura do processo de cassação de Sergio Moro. Se é assim, o relator do caso, desembargador Luciano Carrasco Falavinha Souza, concluiu, em longo e detalhado voto, que as denúncias de abuso de poder econômico eleitoral, fato determinado, estão muito perto do ridículo. Absolveu Moro, mantendo, pois, o mandato de um senador eleito por quase 2 milhões de votos.

O segundo desembargador a votar, José Rodrigo Sade, recém-empossado e indicado por Lula, aceitou as denúncias apresentadas pelo PL de Bolsonaro e pelo PT de Lula e condenou Moro. Entendeu que o senador gastou dinheiro de maneira irregular em suas campanhas e pré-campanhas.

Fora do ambiente estrito dos tribunais, todo mundo sabe que o caso é de vingança. O que, além disso, poderia unir bolsonaristas e petistas? Algum princípio político? Ético? Uma tese jurídica defendida ao mesmo tempo pelo advogado Guilherme Ruiz Neto, representando o PL, e pelo grupo petista Prerrogativas?

Mauro Vieira* - As boas notícias que vêm da Ásia

O Globo

Em 2023, o Brasil exportou US$ 2,1 bilhões para Bangladesh, cifra que se aproxima das vendas para a França

O crescimento destacado do comércio exterior brasileiro nas primeiras duas décadas do século XXI, que levou as exportações de US$ 58,2 bilhões em 2001 para US$ 339,7 bilhões em 2023, tem múltiplas dimensões e não pode ser explicado apenas pelas obviedades mais conhecidas. Entre elas estão o desempenho invejável de setores exportadores, como o agronegócio e o mineral, e o crescimento expressivo da participação da China como parceiro comercial do país, com compras de US$ 104 bilhões, pouco menos de um terço do total exportado. Outros dados ajudam a explicar o fenômeno.

Em período histórico que coincide com o recrudescimento do protecionismo comercial dos países desenvolvidos, com a estagnação de negociações de acordos de livre-comércio, com o enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do multilateralismo comercial, outras oportunidades vêm sendo bem aproveitadas pelos agentes econômicos brasileiros.

Miguel Reale Júnior* - Olhar o futuro

O Estado de S. Paulo

Nada melhor para comemorar os 80 anos do que se preocupar com o futuro, com evidente prepotência, sem dúvida, mas que me faz sentir vivo como se tivesse 20

Este mês completo 80 anos. É inevitável olhar para trás e indagar do que me arrepender, pois deveria ter dito sim quando disse não, e vice-versa. Mas lembro o ensinamento do poeta Miguel Torga: cadáver é o que não fui. Então, é melhor enterrá-lo.

Saudades brotam de familiares e amigos que se foram nesta longa estrada. Todavia, o caminho para superar a dor das ausências é olhar o futuro. Para minha alegria, ex-alunos e colegas resolveram ter esta data natalícia como oportunidade para pensar questões atuais. Promovem, portanto, na minha cara Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, nos dias 25 e 26 deste mês, debate para analisar quais medidas tomar em face do avanço do crime organizado e da inefetividade da Lei de Execução Penal, editada há 40 anos, de cuja elaboração participei.

Eduardo Leite* - Rigor e evidências contra o crime

O Estado de S. Paulo

Assim como enfrentar a criminalidade exige atuação em múltiplas frentes, debate sobre o aperfeiçoamento da legislação penal proposto pelo Cosud precisa superar julgamentos precipitados

Muitas vezes açodado, o debate público é marcado, entre outras distorções, por um fenômeno que o psicólogo e economista Daniel Kahneman, vencedor do Nobel de Ciências Econômicas, chamou de “ilusão de compreensão”. O processo de fazer julgamentos precipitados sobre questões complexas com base em impressões superficiais. Essa ilusão deturpa a realidade e leva, invariavelmente, à incompreensão, sobretudo em temas delicados como a segurança pública.

As propostas de aperfeiçoamento legislativo elaboradas pelo Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) para fortalecer o combate à criminalidade foram alvo de críticas, a meu ver, alimentadas por esta pressa descrita por Kahneman. As medidas foram tratadas como se fossem reação populista e isolada à “suposta” legislação penal branda. O “superficial” encobriu o “complexo”, porque, na visão dos governadores, nenhuma ação isolada irá resolver o problema, assim como nenhum governador pretende solucionar questões locais com apenas uma medida.

José Eduardo Agualusa - Para onde vai Israel?

O Globo

A crueldade dos dirigentes israelenses (muitos dos quais defendem a expulsão dos palestinos de Gaza) horroriza o mundo e larga parte das comunidades judaicas fora de Israel

O chef espanhol José Andrés, fundador da World Central Kitchen (WCK), especializada em distribuir ajuda alimentar a vítimas de conflitos armados, acusou o Exército israelense de ter assassinado deliberadamente sete funcionários da organização. Segundo Andrés, o atual governo de Israel trava uma guerra contra a Humanidade.

Andrés não é a única pessoa a pensar assim. Um pouco por todo o mundo cresce a percepção de que Israel está em vias de se transformar num estado terrorista.

Nos últimos dias, além do assassinato dos funcionários da WCK, Israel atacou a embaixada iraniana em Damasco, causando 11 mortes. Por outro lado, em mais uma manobra que confirma a deriva totalitária em curso, o Knesset, parlamento israelense, aprovou legislação que visa a silenciar a Al-Jazeera e outros canais noticiosos internacionais críticos do regime. Tudo isto enquanto prossegue a matança em Gaza.

Demétrio Magnoli - Hobbes passeia em Gaza

Folha de S. Paulo

Governo israelense estabeleceu equivalência entre civis palestinos e o Hamas

Naquele 10 de outubro, dia do sangue, do sequestro e do estupro, Israel ganhou a oportunidade de livrar a si mesmo da ignomínia da ocupação sem fim e, ao mesmo tempo, de libertar os palestinos da maldição do Hamas. No lugar disso, Netanyahu, o rei devasso de Israel, escolheu a perversidade. Hobbes passeia em Gaza.

"Israel está em guerra com o Hamas, não com a população de Gaza", afirmou o general Herzi Halevi, desculpando-se em nome das forças armadas que comanda pelo bombardeio contra um comboio humanitário da WCK (World Central Kitchen). Não é verdade: o padrão de violações das leis de guerra prova que o governo israelense estabeleceu uma equivalência entre os civis palestinos e o Hamas. Na prática, tudo que se move no diminuto território é visto como alvo legítimo.

José Pastore* - A inteligência artificial e o seu emprego

Correio Braziliense

A IA destrói e cria oportunidades de trabalho. Por isso, o mais importante é saber em que medida os seres humanos serão capazes de executar os nascentes trabalhos modernos

As notícias sobre o impacto destrutivo da inteligência artificial (IA) no emprego são cada vez mais alarmantes. "Perguntado", o ChatGPT-4 indicou cerca de 80 profissões que estariam com os dias contados. Fisioterapeutas, engenheiros civis e controladores de tráfego aéreo teriam uma sobrevida de 60 meses. Meteorologistas, gestores de energia e educadores físicos, 48 meses. Farmacêuticos, corretores de imóveis e contadores, 36 meses. Agentes de viagem, 12 meses. Atendentes de telemarketing, seis meses. Para aquele Chat, algumas profissões já teriam morrido — tradutor, redator e revisor de textos.

Marcus Pestana* - Alguma coisa está fora da ordem

“Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial”, disse o poeta baiano. Ao se lançar um olhar sobre o mundo contemporâneo, neste início de Século XXI, é inevitável que venha à tona um sentimento de estranhamento e temor. A esperança de que uma boa governança global compartilhada, a partir da quebra de fronteiras nacionais rígidas, geraria um mundo melhor, parece uma utopia cada vez mais distante.  

Benjamin Netanyahu dobra a aposta, namora com o perigo extremo, expõe Israel a riscos imprevisíveis, numa escalada insana, ao bombardear o consulado do Irã em Damasco, na Síria. Não bastando a guerra  sangrenta na Faixa de Gaza em resposta às atrocidades terroristas do Hamas no 7 de outubro, o governo israelense aguça a instabilidade na região ao atacar um terceiro país no território de um quarto. É difícil enxergar qualquer traço de racionalidade na decisão irresponsável do primeiro-ministro Netanyahu.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - McCkloskey e o Valor-Trabalho

CartaCapital

Suspeita-se que a leitura de ‘O Capital’ provocaria apagões na cachola liberal-positivista da economista

Imagino que o leitor de ­CartaCapital, em sua busca de opiniões divergentes, se entregue à contemplação de matérias e artigos dos jornais brasileiros e forâneos.

Em minha diária peregrinação na busca de concepções e opiniões que divergem das minhas, deparei-me com o artigo de Deirdre McCkloskey. Em poucas linhas, a professora emérita da Universidade de Illinois cuida de desacreditar a Teoria do Valor-Trabalho de Karl Marx:

“Na década de 1870, os economistas de repente perceberam por que a teoria do trabalho está totalmente errada. A economia e as opções econômicas são sempre sobre decisões atuais que causam resultados futuros. Não têm a ver com a história. Você não pode ‘decidir’ sobre o passado. Os custos fixos já foram gastos. Economia tem a ver com o que você deve fazer a seguir. Portanto, a teoria do valor correta é o ‘produto marginal’, isto é, o produto futuro que obtemos de um pouquinho mais de trabalho, capital e terra. Os insumos já gastos não entram na conta. Marx morreu em 1883, depois da ‘Revolução Marginal’. Mas ele não reconheceu isso, deixando seus devotos seguidores no escuro, até hoje”.

Poesia | Pra viver um grande amor, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Mariana Aydar e Mestrinho - Boy Lixo

 

sexta-feira, 5 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Extensão do foro especial visa a evitar prescrições

O Globo

Voto de Gilmar remedeia brecha aberta quando Corte restringiu a prerrogativa dos ocupantes de cargos públicos

O Brasil não é o único país a prever que ocupantes de altos cargos — como presidentes, governadores, ministros, deputados, senadores, prefeitos ou generais — sejam julgados apenas por Cortes superiores. A distinção, chamada foro especial, tem razão de ser. É do interesse público resguardar o exercício dessas funções. Sem o foro, ministros de Estado estariam suscetíveis a inúmeras ações iniciadas em diferentes pontos do Brasil. Deputados e senadores seriam alvos fáceis de opositores políticos em variadas instâncias da Justiça. Foi para evitar o uso político dos tribunais que se concedeu a tais cargos a prerrogativa de ser julgados apenas por juízes das altas Cortes.

Por muito tempo, o foro especial foi no Brasil sinônimo de privilégio, em razão do pouco apetite das Cortes superiores por punir os poderosos. Mas isso começou a mudar a partir do escândalo do mensalão. A profusão de processos gerada pelos casos de corrupção, em particular na Operação Lava-Jato, sobrecarregou o Supremo Tribunal Federal (STF), fato que contribuiu para que, em 2018, os ministros restringissem o foro especial a crimes relacionados ao cargo público e cometidos em seu exercício.

Fernando Abrucio* - Brasil precisa atualizar seu projeto nacional

Valor Econômico

Um caminho que tem forte efeito agregador e transformador é apostar na construção de uma governança federativa com maior amplitude, pactuação e efetividade

Diante dos novos desafios e oportunidades trazidos pelo século XXI, o Brasil precisa atualizar seu projeto nacional. Muitos pensam que essa é uma tarefa a ser realizada exclusivamente pelo presidente eleito e seus auxiliares insulados nos ministérios em Brasília. Tal modelo ainda imagina, idilicamente, um governante que tenha a seu lado “uma elite ilustrada, que pense no país e no longo prazo e não sucumba aos interesses mais imediatos”. Trata-se de uma concepção irrealista, pouco democrática e incapaz de perceber a complexidade dos problemas e da produção das soluções. Em lugar dessa visão, o melhor é pensar a nação por meio de uma governança colaborativa.

Colaboração não significa a ausência de conflitos. Ao contrário, é privilegiar a construção de arenas de debate e decisão que lidem com a diversidade de posições e definam os caminhos mais consensuais possíveis, estimulando a cooperação dos atores por meio de incentivos e projeção de ganhos aos participantes. Num país complexo como o Brasil, essa estrada não é fácil de pavimentar. Porém, as alternativas contrárias são piores: um modelo centralizador e hierárquico tem poucas chances de ter apoio e ser implementado homogeneamente em todo o território nacional, ao passo que a fragmentação das ações, com cada um correndo para o seu lado ou procurando vetar os demais, evitará que o país construa um projeto para o século XXI.

José de Souza Martins* - Fé no golpe continua

Valor Econômico

Nos depoimentos divulgados do processo de 8 de janeiro, vários são de evangélicos que alegam ter ido a Brasília e participado da invasão dos palácios do Executivo, do Legislativo e do Judiciário para orar pelo Brasil, de joelho

No processo dos surpreendidos nos atos delinquentes da intentona política de 8 de janeiro de 2023, a variedade de tipos vai se tornando clara. Da multidão, as evidências indicam que essa variedade ganha perfil na mentalidade dos envolvidos de uma cultura de baixa classe média que tem componentes bem nítidos. Um deles, o componente religioso, sobretudo fundamentalista e pentecostal, do medo ao inferno e satanás.

Não é de agora que a mobilização popular se dá na cultura de medo e do pavor à modernidade e, aqui, na problemática modernização dos costumes. Os democratas prestariam um grande serviço à democracia se em sua militância levassem em conta a importância do diálogo respeitoso com a cultura anacrônica e tradicionalista dos simples. Que é, na verdade, repositório de valores sociais populares e insurgentes, socialmente criativos, em vez de desprezá-los e abandoná-los à voracidade de poder da classe média reacionária.

Convém ler Gramsci e Henri Lefebvre para compreender esse Brasil misterioso, um país do avesso.

Flávia Oliveira - Inventário incompleto

O Globo

Tudo remeteu à ditadura na semana da efeméride nefasta dos 60 anos do golpe militar que depôs o então presidente João Goulart. Quase dois meses depois de fugirem da unidade federal, até então, de segurança máxima, Deibson Cabral Nascimento e Rogério da Silva Mendonça foram presos ontem por PF e PRF na BR-222, em Marabá (PA), a 1.600 quilômetros de Mossoró (RN), de onde escaparam em pleno carnaval. A demora na captura e a distância percorrida não deixam dúvida de que os dois criminosos receberam ajuda da facção que integram, o Comando Vermelho. A organização nasceu nos anos 1970 nos porões do regime, que juntou detentos comuns e presos políticos no extinto presídio da Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ).

Foi impossível não revisitar as décadas de arbítrio por esses dias. Na terça-feira, a Comissão de Anistia, ligada ao Ministério dos Direitos Humanos, pediu perdão aos indígenas crenaque (MG) e guarani-caiouá (MS) pelas atrocidades cometidas pelo Estado. A presidente Eneá de Stutz e Almeida se ajoelhou diante da matriarca Djanira Krenak e do cacique Tito Vilhalva, ancião da etnia guarani-caiouá. A Comissão Nacional da Verdade, encerrada em 2014, contabilizou 8.350 indígenas mortos ou desaparecidos durante o regime.

Ruy Castro - À direita da extrema direita

Folha de S. Paulo

Salazar, Mussolini, Hitler, Trump, Bolsonaro -todos tinham um homem para pensar por eles

Em 1932, um jornalista português, António Ferro, 37 anos, conseguiu o que era dado como impossível: entrevistar o quase inatingível António de Oliveira Salazar, todo-poderoso de um governo que se definia como ditadura. Ferro teve com Salazar longas conversas, reunidas num livro de 300 páginas com o pensamento do ditador de Portugal.

Como foram essas conversas? A bordo de carros em movimento, à mesa de jantar, em torno de "fumegantes caldos verdes" e em passeios a pé por estradas, às vezes "à beira do anoitecer" ou sob "uma chuva miudinha e enervante". As perguntas de Ferro eram curtas, como sói, mas as respostas de Salazar eram caudalosas e demoradas, de páginas e páginas.

André Roncaglia - É imperativo relembrar o golpe de 1964

Folha de S. Paulo

Memória é vacina antigolpe para reforçar a imunidade democrática

O golpe militar-empresarial de 1964 no Brasil completou 60 anos em 31 de março de 2024. Por ser um dos eventos mais significativos da história brasileira, ele precisa ser lembrado, debatido e esmiuçado, sob pena de o vermos repetido.

A instauração do regime militar no Brasil foi o ápice de uma série de tensões políticas, econômicas e sociais que se acumulavam no país. O governo de João Goulart (Jango) foi um período particularmente turbulento, marcado por intensas disputas ideológicas e uma crise econômica que só fez agravar a instabilidade.

Em contexto de crescente polarização política, Jango promovia suas reformas de base, que visavam ajustar as instituições à modernização econômica deflagrada na década anterior, com Vargas e Kubitschek. As reformas agrária, educacional, bancária, urbana e tributária almejavam reduzir as desigualdades socioeconômicas e, portanto, desafiavam as estruturas de poder.

Flávio Tavares - A data que nunca podemos esquecer

O Estado de S. Paulo

Em abril de 1964 começava o longo período marcado pela derrubada da frágil democracia brasileira implantada pela Constituição de 1946

Existem datas que, pelos malefícios ou maldades provocados, jamais podem ser esquecidas. Uma delas é o 1.º de abril de 1964, que instituiu uma ditadura que durou 21 anos e completou 60 anos há poucos dias.

Não pretendo substituir-me à ampla e minuciosa rememoração daqueles acontecimentos publicada dias atrás por este jornal, mas relembrar certos períodos e fatos ocorridos ou que eu próprio presenciei. Eu era jornalista em Brasília e recordo com nitidez a sessão do Congresso Nacional em que o senador-presidente, sem qualquer debate, declarou “vaga” a Presidência da República – numa sessão em plena madrugada e que durou no máximo dez minutos. O pretexto invocado fora uma carta ao Congresso em que o então chefe da Casa Civil informava que o presidente da República iria transferir o governo para Porto Alegre, “em vista dos últimos acontecimentos militares”.

Bruno Boghossian - Mundo jurássico

Folha de S. Paulo

Discussão tardia dentro do governo reflete visões distintas sobre dignidade e trabalho

Lula não hesitou antes de incluir o assunto Uber na campanha eleitoral. O petista dizia com convicção que era preciso regulamentar o trabalho por aplicativo de motoristas e entregadores. "Tem que ter descanso semanal remunerado, jornada de trabalho, férias, senão ele voltou a ser escravo", afirmou, em abril de 2022.

O tema entrou no governo como prioridade. O Ministério do Trabalho criou um grupo para elaborar um projeto de lei, chamou empresas e ouviu trabalhadores. Houve tanta incerteza desde o início que foi preciso desmembrar a proposta. Em março, Lula assinou um texto que tratava só de motoristas de carros, deixando as motos para depois.

Vinicius Torres Freire - O salseiro na Petrobras

Folha de S. Paulo

Lula 3 tumultua gestão da petroleira, e informações sigilosas podem vazar para espertos

Faz três semanas, o governo discute se vai pagar os dividendos da Petrobras que decidiu reter em 7 de março. "Governo": os ministros Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Fernando Haddad (Fazenda).

Na quarta-feira (3), teriam decidido que a petroleira deveria distribuir aqueles R$ 43,9 bilhões de dividendos extras aos acionistas, o que inclui o governo. Se por mais não fosse, Haddad precisa desse dinheiro a fim de evitar buraco ainda maior nas contas federais. O Tesouro receberia uns R$ 12,6 bilhões. Talvez a decisão de se, quanto e quando pagar ainda dependa de contas financeiras da empresa. E de Lula.

Suponha-se que tenha acontecido isso mesmo. Qual o problema? Politicalha e risco de rolo, que vão de informação privilegiada a descrédito da empresa e das diretrizes econômicas do governo, já capengas ou sabotadas.

Eliane Cantanhêde - A fritura deu certo

O Estado de S. Paulo

Nem Haddad nem Rui Costa nem Alexandre Silveira, quem manda na Petrobras é Lula

O petista Jean Paul Prates deu ao presidente Lula o pretexto que ele esperava não apenas para tirálo da presidência da Petrobras, como para neutralizar a guerra interna entre o chefe da Casa Civil, Rui Costa, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, no meio. Nenhum dos nomes propostos por um deles está vingando e o favorito é Aloizio Mercadante, que dispensa padrinhos e tem canal direto com Lula, não é de hoje.

O destino de Prates no governo já estava virtualmente selado, mas ele só cairia no fim do ano, com a reforma ministerial, e antecipou sua saída ao passar a sensação de estar desafiando Lula, quando disse à jornalista Monica Bergamo que pediria uma “conversa definitiva” com Lula sobre sua autonomia na presidência da maior empresa brasileira. O problema dele deixou de ser com Haddad, Costa e Silveira e passou a ser com o presidente, que ficou bravo.

Vera Magalhães -Novas crises adiam reação de Lula

O Globo

Petrobras e Venezuela são temas sem relação óbvia, mas que têm grande potencial de desgaste para Lula e o PT

O governo Lula não teve respiro em 2024. Da relação truncada com o Congresso à política externa, o que se vê é um presidente com dificuldade para pôr em marcha seu plano de recuperação da popularidade, de que faz parte, por ora, a retomada da agenda de eventos políticos e lançamentos de obras país afora, mas que disputa espaço com os incêndios que ele precisa apagar em diferentes frentes.

A crise que pode levar à queda do presidente da Petrobras não vem de hoje. Já teve diferentes graus de intensidade, mas a situação de Jean Paul Prates parece ter chegado a um ponto de não retorno, uma vez que nem a solução para o impasse na distribuição de dividendos extraordinários parece mais capaz de lhe garantir sobrevida.

Até ministros que vinham atuando como bombeiros e fazendo contraponto à dupla Rui Costa e Alexandre Silveira para preservar Prates parecem ter entendido que não vale a pena manter uma disputa interna quando Lula não parece mais disposto a bancar o comandante da petroleira.

Bernardo Mello Franco – Tomada de assalto

O Globo

Na mira da Justiça Eleitoral, governador critica acusador para não discutir a acusação

Um fantasma ronda o governador do Rio: o fantasma da cassação. Cláudio Castro era vice de Wilson Witzel, deposto pela Assembleia Legislativa. Agora arrisca perder o mandato na Justiça Eleitoral.

No início da semana, o Ministério Público pediu a anulação do diploma do governador. Ele é acusado de cometer abuso de poder político e econômico na campanha de 2022.

O processo trata do escândalo da folhas secretas do Ceperj e da Uerj. Em ano eleitoral, o estado usou a fundação e a universidade para fazer mais de 20 mil contratações sem concurso e sem transparência. Ao revelar o caso, o portal UOL identificou beneficiados que admitiram ser funcionários fantasmas. Recebiam dos cofres públicos sem trabalhar.

Luiz Carlos Azedo - Datena movimenta xadrez eleitoral de São Paulo

Correio Braziliense

A filiação do apresentador, que seria uma candidatura capaz de desestabilizar tanto Boulos quanto Nunes, parece jogo combinado da cúpula do PSDB com Tabata Amaral (PSB)

O apresentador José Luiz Datena se filiou, nesta quinta-feira, ao PSDB e mexeu com o tabuleiro eleitoral de São Paulo. O comunicador, que tem grande prestígio popular, já trocou de partido 10 vezes, mas nunca foi candidato para valer; agora, deixou o PSB de Tabata Amaral, ao qual havia se filiado recentemente, na véspera do último dia de prazo de filiação, para ser pré-candidato a prefeito da capital paulista. Sua entrada no ninho tucano — a convite do ex-deputado José Aníbal (PSDB) e do presidente nacional da legenda, Marconi Perillo — ocorre no momento em que os vereadores da sigla deixam o partido porque apoiam a reeleição do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).

O PSDB sonha com um nome competitivo para disputar a Prefeitura de São Paulo. O deputado Aécio Neves (MG) defende a tese de que a legenda deve ter candidato próprio em todas as capitais, o que vem estressando as relações com os aliados. No caso de São Paulo, nas conversas com o prefeito Ricardo Nunes, Aníbal havia pleiteado a vice para a sigla, em retribuição ao fato de o prefeito ter herdado o mandato de Bruno Covas, que morreu precocemente de câncer, logo depois de reeleito, em 2020. Não houve acordo entre Nunes e Aníbal.

Evandro Éboli - Casos Marielle e Mossoró fortalecem governo e esvaziam a oposição

Correio Braziliense

Ante a solução dos crimes, Planalto acredita ter virado o jogo das críticas à segurança pública

Apontada como o grande tema da campanha eleitoral que se avizinha, a segurança pública surge como a principal dificuldade da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, com riscos para o desempenho de seus aliados na disputa às prefeituras. Só que, em menos de duas semanas — e com forte atuação da Polícia Federal —, o governo acredita ter começado a virar esse jogo, ao desvendar o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco e ao capturar os dois foragidos da penitenciária federal de Mossoró (RN). 

Recém-empossado ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski acumulava desgastes e críticas pela não captura de Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral Nascimento, o que ocorreu nesta quinta-feira, 50 dias após a fuga da dupla. O caso se arrastava, e a demora provocava incredulidade no retorno dos dois ao cárcere. 

Em outra frente, a revelação em pleno domingo, em 24 de março, de quem são os supostos mandantes do assassinato de de Marielle — os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão e o ex-delegado Rivaldo Barbosa — foi um alívio também para o governo, que tinha prometido solucionar o caso, em anúncios públicos de Lula e de Flávio Dino, seu ex-ministro da Justiça. Pouco mais de seis anos após o homicídio da vereadora e do motorista Anderson Gomes, o Executivo crê que a investigação da PF começou a responder à pergunta de quem mandou matar e por quê.

César Felício - Pauta das eleições de 2024 é ruim para Lula

Valor Econômico

Problema central para a esquerda é a agenda, mais que o jogo de forças partidárias

A campanha municipal dá a largada esta semana, com o fim do prazo para a filiação partidária dos que querem concorrer a prefeito e vereador. A corrida começa adversa para os comprometidos com a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O problema central para a esquerda é a agenda, mais que o jogo de forças partidárias.

Especialistas em pesquisas apontam que a polarização nacional entre Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro transbordou para o plano local, e essa não é boa notícia para o Palácio do Planalto. Sempre interessa a quem está na oposição nacionalizar a disputa, porque essa é uma forma de transpor a barreira natural das disputas locais, que é a força do incumbente.

A polarização nacional ganha força onde o incumbente é fraco, como é o caso de São Paulo, com Ricardo Nunes (MDB); e é mais fraca onde o incumbente é forte, cenário do Rio de Janeiro, com Eduardo Paes (PSD). Ainda assim é um dado que tende a ser mais relevante do que em eleições anteriores, conforme aponta Felipe Nunes, da Quaest.

Poesia | Poema das Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Desesperar Jamais - Ivan Lins & Mariana Aydar

 

quinta-feira, 4 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Pacto fiscal deveria começar por Lula e PT

Folha de S. Paulo

Sem apoio do presidente e do partido para conter gastos, Haddad tem missão impossível de equilibrar contas com tributos

Brasília não tem um bom histórico recente de tentativas de "pactos" entre forças políticas e instituições.

Em 2013, Dilma Rousseff (PT) propôs nada menos que cinco deles a governadores e prefeitos, em resposta à onda de protestos de rua; em 2019, Jair Bolsonaro (então no PSL) firmou um de colaboração com os demais Poderes. A primeira não evitou o malogro de sua gestão; o segundo partiria depois para o confronto institucional.

Agora é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quem defende um pacto entre Executivo, Legislativo e Judiciário em torno dos objetivos de sua agenda econômica, a começar pela meta oficial de eliminar o déficit do Orçamento federal neste ano —tudo a ser encarado com o devido ceticismo.

Merval Pereira - O espaço político

O Globo

Os parlamentares consideram que o Supremo quer tê-los sob seu domínio, podendo apertar ou afrouxar o laço de acordo com o interesse pessoal de cada ministro

Há vários temas sendo analisados ao mesmo tempo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Congresso Nacional, dois deles importantes do ponto de vista da modernização de nossos hábitos e costumes, e esse fato, naturalmente, leva a atritos institucionais.

Ainda não chegamos à descriminalização do uso recreativo da maconha, como têm feito diversos países, o mais recente a Alemanha. Mas o Supremo está a um voto de declarar inconstitucional a definição de crime para o porte de maconha para uso pessoal, o que já é um passo na direção certa.

Outro tema importante, tanto política quanto socialmente, é a definição do que seja foro privilegiado. Em ambos os casos, os dois Poderes divergem. Sobre a maconha, o Congresso é bem mais restritivo que o Supremo, enquanto na questão do foro privilegiado o Supremo quer ser mais abrangente que o Congresso (este quer restringi-lo ao máximo). Ambos têm motivações políticas para suas posições.

Malu Gaspar – O Supremo na arena

O Globo

Entre a Sexta-feira Santa e a Páscoa, o Supremo Tribunal Federal (STF) quase ampliou sem aviso o alcance do foro privilegiado — blindagem que dá status especial de julgamento a parlamentares, presidentes da República e outras autoridades. O julgamento foi parado por um pedido de vista do presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, mas deverá ser retomado na semana que vem.

A regra em vigor vem de 2018. Foi definida depois de meses de sessões exibidas pela TV Justiça, amplamente debatidas pela sociedade. Ela diz que só devem ser julgados no Supremo crimes cometidos por políticos no exercício do mandato e em razão dele. Do contrário, os casos são remetidos à primeira e à segunda instâncias, a depender do status do investigado.

Na época, a decisão foi celebrada por reduzir a quantidade de políticos privilegiados e evitar o acúmulo de processos no STF, além de travar o vaivém de processos que mudavam de foro conforme o político mudasse de cargo e, muitas vezes, prescreviam sem ser julgados.

Míriam Leitão - O cerco fiscal ronda o governo

O Globo

Governo vive um momento de pressão por gastos por todos os lados: setores, estados, municípios e Congresso. São muitas razões para um orçamento só

O governo está vivendo um momento de muitas pressões por gastos de diversos lados. Os governadores do Sul e Sudeste querem renegociar as dívidas, os do Nordeste reclamam das concessões feitas aos estados mais ricos e querem também ajuda. As prefeituras receberam apoio do presidente do Senado para pagarem menos à Previdência. O Ministério do Planejamento tenta concluir a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano que vem, mas com dificuldades de fechar as contas. Só há dois caminhos: ou aumentar a carga ou cortar gastos. Nas despesas, há uma dificuldade extra: o país passou quatro anos sob um governo de desmonte de políticas públicas.

Maria Cristina Fernandes - O avanço do Congresso sobre a conta de luz

Valor Econômico

Parlamentares acolhem lobbies do setor energético, oneram o consumidor e responsabilidade recai sobre governantes, Aneel e empresas

Na tarde da segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Estava preocupado com a energia cara e ruim que pesa no bolso e no humor dos brasileiros. Pesquisa Genial-Quaest de fevereiro mostrou que 63% dos brasileiros sentiram a oneração de tarifas.

A presteza com a qual Silveira correu para discutir o tema com o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) sugeriu preocupação com a disputa eleitoral na capital paulista, onde as águas de março voltaram a deixar milhares sem energia por dias seguidos.

O tema, porém, extrapola os paulistanos. Estima-se que as contas de luz, em todo o país, vão subir de 2% a 4% acima da inflação. Seria fácil dar uma paulada nesta conta reduzindo os R$ 37 bilhões em subsídios que oneram em 13% a conta de luz dos brasileiros. Apenas uma pequena fatia (3%) destina-se à tarifa de quem não pode pagar. O resto vai para o bolso de lobbies - da energia renovável, que não carece de subsídio porque já é mais barata, até a energia movida a carvão.

Maria Clara R. M. do Prado - Juros altos puxam a dívida pública

Valor Econômico

Situação tem o efeito perverso de colocar em uma camisa de força a capacidade dos governos de atuarem na implementação de políticas públicas que promovam o bem-estar da sociedade

O recente alerta do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o aumento do endividamento público resultante da política monetária contracionista, adotada pelos países em geral, levanta uma celeuma que não é nova e para a qual não se vislumbra uma resposta de agrado universal. É claro que o aumento dos juros impacta a dívida dos governos e esse é o resultado natural sempre que os bancos centrais atuam dentro dos cânones para conter a inflação. O ponto de discórdia está na receita de que é preciso cortar despesas orçamentárias para compensar os gastos adicionais com o financiamento da dívida pública, única forma vislumbrada pelo FMI de manter as contas do governo em equilíbrio.