Valor Econômico
Problema central para a esquerda é a agenda, mais que o jogo de forças partidárias
A campanha municipal dá a largada esta
semana, com o fim do prazo para a filiação partidária dos que querem concorrer
a prefeito e vereador. A corrida começa adversa para os comprometidos com a
reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O problema central para a
esquerda é a agenda, mais que o jogo de forças partidárias.
Especialistas em pesquisas apontam que a
polarização nacional entre Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro transbordou
para o plano local, e essa não é boa notícia para o Palácio do Planalto. Sempre
interessa a quem está na oposição nacionalizar a disputa, porque essa é uma
forma de transpor a barreira natural das disputas locais, que é a força do
incumbente.
A polarização nacional ganha força onde o incumbente é fraco, como é o caso de São Paulo, com Ricardo Nunes (MDB); e é mais fraca onde o incumbente é forte, cenário do Rio de Janeiro, com Eduardo Paes (PSD). Ainda assim é um dado que tende a ser mais relevante do que em eleições anteriores, conforme aponta Felipe Nunes, da Quaest.
Esse transbordamento muda a agenda da
disputa. Tem crescido, por exemplo, a preocupação do eleitor com a corrupção.
Mais do que um sinal de que os governos são mais corruptos, esse é um sinal de
contágio do quadro local pelo nacional, apontou Andrei Roman, da consultoria
Atlas Intel, um dos pesquisadores que identificou o peso da polarização
nacional para o ambiente local.
Ele lembra que o peso no eleitorado das
condenações sofridas por Lula na Lava-Jato não desapareceu pelo fato de os
processos terem sido anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Esse segue
sendo o principal atributo negativo do presidente. “É um tema altamente
perigoso e destrutivo para qualquer aliado do presidente”, afirma.
Nesse sentido a semana foi ruim para o
lulismo. Mesmo sem ter relação com o governo federal, a citação ao ministro da
Casa Civil, Rui Costa, em delação que menciona irregularidades na compra pelo
governo baiano de respiradores durante a pandemia tem potencial para provocar
dano eleitoral.
Segurança e a pauta de valores morais ganham
peso e esses são temas que deixam a direita mais à vontade no processo
eleitoral do que a esquerda.
Ainda não há uma resposta do Censo sobre qual
a fatia dos evangélicos no eleitorado, mas ninguém acredita em reversão da
tendência de crescimentos dos últimos 20 anos. A identidade do segmento com o
bolsonarismo é forte e a preponderância da religião no processo decisório do
eleitor brasileiro é mais relevante do que em outros países. “Essa deve ser a
principal mudança demográfica do eleitorado brasileiro”, aposta Mauricio Moura,
do Instituto Ideia.
O eleitor evangélico no Brasil está cada vez
mais distante de Lula, e não é por acaso que, ao menos na retórica, o
presidente busque alguma forma de diálogo com esse eleitor, como indicam as
reiteradas menções a Deus no discurso presidencial desta quinta em Pernambuco.
Pesquisa da Ipsos em 2022 feita em 26 países
mostrou que o Brasil é mais religioso que o conjunto dos países ocidentais. O
levantamento mostrou que 70% dos pesquisados creem em Deus conforme as
Escrituras (na Argentina são 53%) e 67% dos brasileiros creem e temem o diabo
(no México, 56%). Aqueles que se dizem definidos pela religião como pessoa são
55%, perdendo só para a África do Sul fora da Ásia. Um em cada quatro afirma
que não respeita aquele que não tem fé. Essa medida de intolerância é a maior
entre os países de base cristã pesquisados.
A paleta das cores da eleição deste ano é
mais conservadora, um complicador em São Paulo para Guilherme Boulos (Psol) e
em Porto Alegre para Maria do Rosário (PT), ou em Belo Horizonte para Duda
Salabert (PDT). Eles precisarão buscar um eleitor de classe média e em grande
parte evangélico. Dados como esses explicam o potencial desestabilizador na
corrida eleitoral paulistana da postagem nas redes sociais feita pelo Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), vinculado a Boulos, em que centuriões romanos
se dirigem a Jesus Cristo crucificado e falam: “Bandido bom é bandido morto”,
em plena Semana Santa.
A possível intenção era associar a PM
paulista à crueldade dos tempos de Pilatos. O próprio MTST apagou a postagem e
a considerou inapropriada. As definições no dicionário para sacrilégio e
blasfêmia bastam para justificar. Mas afora isso, será certo que a política de
mão pesada adotada pelo governador Tarcísio de Freitas é impopular?
Pesquisa de vitimização da Quaest feita em
novembro de 2023, em parceria com a UFMG, dá a dimensão do tema: 85% já haviam
sido vítimas de assalto ou fraude ou conheciam alguém nessa situação e 79%
disseram que a violência havia se deteriorado no último ano. Para 83%, o crime
organizado cresceu. 58% dos pesquisados disseram confiar totalmente ou
parcialmente nas polícias militares.
Governadores oposicionistas, como Tarcísio e
Ronaldo Caiado, em Goiás, vendem uma resposta identificável para o eleitor.
Qual a proposta visível do governismo? Nessa quinta, depois de 50 dias, foram
capturados os dois fugitivos do presídio federal de Mossoró (RN). Atravessaram
incógnitos Ceará, Piauí, Maranhão para serem pegos em Marabá (PA), a 1.630
quilômetros de distância.
Há uma evidente dificuldade da esquerda em geral no mundo em lidar com o tema. A direita apresenta tratamentos emergenciais. A esquerda fala em agir sobre questões estruturais. Em um momento de pânico, qual saída o eleitor prefere?
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