Correio Braziliense
A IA destrói e cria oportunidades de
trabalho. Por isso, o mais importante é saber em que medida os seres humanos
serão capazes de executar os nascentes trabalhos modernos
As notícias sobre o impacto destrutivo da inteligência artificial (IA) no emprego são cada vez mais alarmantes. "Perguntado", o ChatGPT-4 indicou cerca de 80 profissões que estariam com os dias contados. Fisioterapeutas, engenheiros civis e controladores de tráfego aéreo teriam uma sobrevida de 60 meses. Meteorologistas, gestores de energia e educadores físicos, 48 meses. Farmacêuticos, corretores de imóveis e contadores, 36 meses. Agentes de viagem, 12 meses. Atendentes de telemarketing, seis meses. Para aquele Chat, algumas profissões já teriam morrido — tradutor, redator e revisor de textos.
Ao lado disso, porém, há muitas notícias
sobre o surgimento de inúmeras novas ocupações em decorrência do uso da IA. É o
caso dos criadores de sites, "destiladores" de dados,
"treinadores" de algoritmos, tradutores de bits para áudio,
planejadores de viagens customizadas, supervisores de sistemas automáticos de
controle de qualidade e outras.
Não há dúvida. A IA destrói e cria
oportunidades de trabalho. Por isso, o mais importante é saber em que medida os
seres humanos serão capazes de executar os nascentes trabalhos modernos.
Um estudo recente mostrou que os países
avançados estão mais sujeitos à destruição de empregos porque grande parte
deles engloba atividades intelectualizadas que a IA pode substituir — contador,
advogado, jornalista, tradutor etc. Nos países em desenvolvimento, Brasil
inclusive, a grande maioria dos empregos é ancorada em atividades pouco
intelectualizadas e de difícil substituição por IA, como são os cozinheiros,
zeladores, motoristas, massagistas etc.
Isso posto, seria razoável esperar menores
estragos no Brasil do que nas economias avançadas. Falso. No Brasil, o risco de
a IA destruir empregos é menor, mas a nossa capacidade para requalificar as
pessoas para as novas oportunidades de trabalho é limitada. Nas nações
desenvolvidas, dá-se o inverso.
Por um bom tempo, dois terços dos nossos
empregos continuarão ancorados em atividades pouco intelectualizadas. Mas, no
um terço restante, a entrada da IA será mais acelerada. É aí que surgirão os
grandes problemas. Aliás, alguns já estão ocorrendo. Em várias áreas de
trabalho mais sofisticado, há falta de pessoal qualificado. A precária educação
oferecida para a maioria dos brasileiros é o grande entrave.
A recente aprovação do Projeto de Lei
5.230/2023, que reestrutura o ensino médio, é uma esperança. Além de uma boa
carga das disciplinas básicas, os adolescentes receberão capacitação em
tecnologias ligadas a linguagem, matemática, ciências naturais e ciências
humanas.
Mas nada disso é automático. A execução desse
plano é infinitamente mais difícil do que a sua aprovação como lei. Para tanto,
será preciso determinação, conhecimento da evolução tecnológica e uma boa
estimação da demanda. Nesse ponto, tenho grande preocupação com a possibilidade
de aprovação do PL 235/2019, que prevê a gestão da educação no Brasil atrelada
a entidades de interesse corporativo. Por esse projeto de lei, as atividades do
novo Sistema Nacional de Educação serão formuladas por dezenas de dirigentes
sindicais, associações de alunos e representantes políticos.
Nada mais desconcertante para um país que
precisa ter boa pontaria e muita objetividade na preparação dos seus cidadãos
para o novo mundo do trabalho. Sugiro ler atentamente esse projeto de lei que
já foi aprovado pelo Senado Federal e aguarda a apreciação da Câmara dos
Deputados. Envie a sua opinião aos parlamentares. Madison dizia que a
democracia se constrói elegendo e controlando os governantes.
*Professor da FEA-USP, presidente do Conselho
de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia
Paulista de Letras
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