O Globo
Em 2023, o Brasil exportou US$ 2,1 bilhões
para Bangladesh, cifra que se aproxima das vendas para a França
O crescimento destacado do comércio exterior
brasileiro nas primeiras duas décadas do século XXI, que levou as exportações
de US$ 58,2 bilhões em 2001 para US$ 339,7 bilhões em 2023, tem múltiplas
dimensões e não pode ser explicado apenas pelas obviedades mais conhecidas.
Entre elas estão o desempenho invejável de setores exportadores, como o
agronegócio e o mineral, e o crescimento expressivo da participação da China
como parceiro comercial do país, com compras de US$ 104 bilhões, pouco menos de
um terço do total exportado. Outros dados ajudam a explicar o fenômeno.
Em período histórico que coincide com o recrudescimento do protecionismo comercial dos países desenvolvidos, com a estagnação de negociações de acordos de livre-comércio, com o enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do multilateralismo comercial, outras oportunidades vêm sendo bem aproveitadas pelos agentes econômicos brasileiros.
Em resposta ao protecionismo agrícola, o
Brasil vem desenvolvendo parcerias no “Sul Global” que impressionam pelos
resultados. Visitarei na próxima semana Bangladesh e Vietnã, dois exemplos
perfeitos dessa mudança de eixo nas relações comerciais do Brasil com o mundo.
Farei a primeira visita de um chanceler brasileiro a Bangladesh, acompanhado de
uma missão empresarial representativa dos principais setores exportadores.
Em 2023, o Brasil exportou US$ 2,1 bilhões
para Bangladesh, cifra que se aproxima das vendas para a França, de US$ 2,9
bilhões no período. Enquanto, para a França, a cifra exportada em 2023
praticamente repete a de 2014, no caso de Bangladesh o crescimento em dez anos
impressiona: as exportações brasileiras para aquele mercado haviam sido de US$
869 milhões em 2014. Para o Vietnã, um dos dez membros da Associação de Nações
do Sudeste Asiático (Asean), as exportações brasileiras no ano passado foram de
US$ 3,7 bilhões, cifra próxima aos US$ 4 bilhões exportados para a Itália e
superior ao montante exportado para a já mencionada França ou para o Reino
Unido (US$ 3,3 bilhões). Em 2014, o mercado vietnamita havia comprado US$ 1,6
bilhão do Brasil.
Nos últimos 20 anos, período inferior ao das
negociações ainda não concluídas entre Mercosul e União Europeia, o comércio
entre o Brasil e a Asean cresceu nada menos que 11 vezes. O dinamismo e o nível
de abertura do Vietnã e da Asean já produziram uma mudança radical no perfil
exportador brasileiro, cujos números não deixam dúvidas: em 2023, as
exportações para os cinco principais mercados da Asean (Cingapura, Indonésia,
Malásia, Vietnã e Tailândia) somaram US$ 22,7 bilhões, valor superior aos US$
22,6 bilhões exportados para cinco integrantes do G7: Japão, Alemanha, Itália,
Reino Unido e França.
Ainda que esses números sejam eloquentes, o
potencial das relações com Bangladesh e com o Vietnã vai muito além e será
explorado nas visitas. Com desafios comuns e lições positivas a compartilhar em
matéria de superação da pobreza, o Brasil leva ainda bens de alto valor
agregado, além de tecnologias na área da transição energética e da mitigação
das mudanças climáticas, com base em experiências como a do uso em larga escala
do etanol, capazes de abrir caminho para novos negócios e parcerias.
Esse diálogo já vem rendendo frutos na Índia,
com um exitoso programa de mistura do etanol à gasolina. Inspirada no modelo
brasileiro, a mistura já apresenta ganhos tangíveis em matéria de emissões e
qualidade do ar. Pode perfeitamente ser aproveitada por outros países
asiáticos.
Sem prejuízo de suas alianças tradicionais,
a política
externa do presidente Lula assimila plenamente as novas
realidades do mundo e investe, de forma criativa, nesses polos dinâmicos de uma
realidade internacional já marcada pela multipolaridade. Com o apoio de uma
rede de embaixadas ampliada, os interesses privados e governamentais
brasileiros contam com meios e respaldo político para expandir ainda mais os
laços com a Ásia como um todo.
*Mauro Vieira é ministro das Relações Exteriores
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