Pacto fiscal deveria começar por Lula e PT
Folha de S. Paulo
Sem apoio do presidente e do partido para
conter gastos, Haddad tem missão impossível de equilibrar contas com tributos
Brasília não tem um bom histórico recente de
tentativas de "pactos" entre forças políticas e instituições.
Em 2013, Dilma Rousseff (PT) propôs nada menos que
cinco deles a governadores e prefeitos, em resposta à onda de protestos de rua;
em 2019, Jair Bolsonaro (então no PSL) firmou um de colaboração com os demais
Poderes. A primeira não evitou o malogro de sua gestão; o segundo partiria
depois para o confronto institucional.
Agora é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quem defende um pacto entre Executivo, Legislativo e Judiciário em torno dos objetivos de sua agenda econômica, a começar pela meta oficial de eliminar o déficit do Orçamento federal neste ano —tudo a ser encarado com o devido ceticismo.
Não é difícil entender por que iniciativas do
gênero têm importância simbólica, se tanto, e reduzido efeito prático. As
autoridades envolvidas podem, no máximo, concordar em dar prioridade aos temas
acordados; comprometer-se com o mérito das propostas é coisa muito diferente.
Os partidos representados no Congresso
continuarão a votar de acordo com suas convicções e interesses, que muito
dificilmente espelharão os de Haddad. Os ministros do Supremo Tribunal Federal,
espera-se, julgarão causas econômicas à luz da Constituição e das leis, não da
pauta da Fazenda.
Haddad está certo, sim, ao chamar a atenção
para as responsabilidades de Legislativo e Judiciário. Deputados e senadores
ganharam maior poder sobre o Orçamento, mas pouco se preocupam com a qualidade
dos gastos que criam e seu financiamento. Magistrados com frequência priorizam
interesses corporativos em suas decisões.
Entretanto o titular da Fazenda terá pouco a
oferecer em um pacto sem o engajamento de seu chefe, o presidente da República,
e do partido de ambos, o PT.
Luiz Inácio Lula da
Silva se empenha em elevar despesas públicas desde antes de tomar posse —e
nesse caso não teve nenhuma dificuldade em obter o apoio das forças
fisiológicas do Congresso. Em diversas manifestações públicas, vituperou a
austeridade fiscal.
O comando
petista é ainda mais saliente na oposição a ajustes nos dispêndios públicos,
sobretudo em um ano de eleições municipais.
A legenda não poupa de críticas a própria agenda de Haddad, que está longe de
ser draconiana.
Resta ao ministro negociar apoios para a
tarefa inglória de elevar uma carga tributária já excessiva. Muitas das medidas
que defendeu são corretas, ao eliminar privilégios, e foram aprovadas total ou
parcialmente. No entanto todos sabem —nos Poderes e na sociedade— que isso não
bastará para reequilibrar o Orçamento.
O batalhão de Derrite
Folha de S. Paulo
Capitão da PM, secretário da Segurança infla
pasta com assessores da corporação
Se o governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos) acerta quando se afasta do radicalismo e
da intolerância de seu padrinho político, Jair
Bolsonaro (PL), os piores momentos de
sua gestão ocorrem quando e onde ainda se pretende mostrar fidelidade ao
bolsonarismo. A segurança
pública paulista é o exemplo mais evidente.
O secretário da área, Guilherme Derrite (PL),
é um capitão reservista da Polícia
Militar que tem patrocinado operações mortíferas, criticado a
adoção de câmeras nas fardas dos agentes e abraçado outras pautas
corporativistas da PM.
Para além das teses reacionárias, Derrite
reuniu em torno de si um número exorbitante de assessores policiais militares,
o que aponta para um aparelhamento da pasta. Como a Folha noticiou,
são nada menos que 241, segundo o dado mais recente, de novembro de
2023.
Para uma ideia do despropósito, 588 dos 645
municípios do estado (o equivalente a 91%) contam com menos agentes da
corporação do que a secretaria de Derrite.
Previstas em lei, Assessorias
Policial-Militares são responsáveis por manter a segurança de políticos,
autoridades e prédios públicos. Hoje, 13 órgãos têm esse serviço. O efetivo
fixado para funções de assessor policial na Secretaria de Segurança é de 174
profissionais. Os oficiais recebem adicional de R$ 7.000 no salário.
Enquanto aumenta o número de policiais que
prestam segurança a autoridades e realizam funções burocráticas, diminui o
daqueles que estão na ponta da ação ostensiva.
Houve redução de quadros da PM em
praticamente todas as regiões do estado, como a Baixada
Santista, que vive uma crise de segurança.
Entre julho do ano passado e 1º de
abril, as operações
Escudo e Verão nessa região resultaram em mais de 80 mortes —a
segunda é a ação mais letal da PM desde o massacre do Carandiru, em 1992.
Urge que o governo reveja o efetivo das
assessorias policiais. A alocação irracional, por motivos ideológicos ou
corporativistas, eleva o risco para agentes que estão na linha de frente do
combate ao crime.
O serviço deve ser usado com sensatez, para
não prejudicar o atendimento à população.
Muito calor, pouca luz
O Estado de S. Paulo
Ameaça do ministro de Minas e Energia contra
a Enel é parte da celeuma eleitoreira que joga lenha na fogueira do setor
elétrico, mas não contribui para melhorar prestação do serviço
Os contratos de concessão firmados pela
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com as distribuidoras de energia
delimitam de forma muito clara as regras a serem cumpridas em relação à tarifa,
qualidade, segurança, continuidade e regularidade dos serviços. São acordos de
longo prazo, em que as empresas são autorizadas a prestar o serviço por 30
anos, prorrogáveis por mais 30, exceto se não conseguirem atingir os
indicadores econômicos e de qualidade mínimos fixados no contrato. Neste caso,
podem perder o direito à concessão.
No centro de uma estrepitosa polêmica desde
que deixou 2,1 milhões de endereços em São Paulo sem luz por dias seguidos, em
novembro do ano passado, causando enormes prejuízos aos consumidores, a Enel,
todavia, está perfeitamente enquadrada nos padrões estabelecidos no contrato.
Embora a percepção geral seja de ineficiência, a empresa bem ou mal cumpre os
parâmetros avaliados periodicamente.
Portanto, é razoável supor como remota, ao
menos do ponto de vista técnico, a possibilidade de caducidade da concessão,
como sugeriu à Aneel o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Também
é coerente deduzir que, se a Enel cumpre os requisitos e, apesar disso, presta
um serviço visto como ruim, o problema certamente não está no serviço, e sim no
contrato. Sendo assim, que se aproveite a atual negociação para renovar 20
contratos de concessão – entre os quais o da Enel-SP – para rever os indicadores.
É necessária uma solução definitiva e abrangente, haja vista que essas
distribuidoras atendem 120 milhões de brasileiros, 62% do mercado de
distribuição.
Mas a celeuma atual em torno da
concessionária não está sendo movida por critérios técnicos. Todas as
evidências apontam para a politização de um enredo que tem a Enel – por um
misto de azar e incompetência – como bode expiatório. Não foi casual o assunto
ter sido adiantado pelo ministro numa entrevista à GloboNews momentos antes do
encaminhamento do ofício à Aneel pedindo a abertura de processo disciplinar
contra a empresa que, disse o ministro, “passou dos limites”.
O fato de a Aneel já ter dois processos
administrativos em tramitação para investigar a Enel desde o apagão de novembro
de 2023 também corrobora a natureza política da iniciativa de Silveira. Ou,
melhor dizendo, a intenção eleitoral, já que não há como ignorar o fato de que
o ministro oficializou publicamente sua indignação no momento em que a Enel
começa a se tornar tema central na campanha à Prefeitura de São Paulo.
A cidade de São Paulo, maior colégio
eleitoral do País, já está em clima de eleição, embora a campanha comece
oficialmente só em agosto. E nada tem efeito tão imediato sobre o eleitor
quanto decisões que afetem sua rotina, como é o caso da prestação de serviços
essenciais. Por isso, não foi obra do acaso a reação imediata do governador
Tarcísio de Freitas, que disse ter sugerido a medida ao ministro; do prefeito
candidato à reeleição, Ricardo Nunes, que criticou o atraso do ministro; e de
Guilherme Boulos, candidato de Lula da Silva à Prefeitura, que correu às redes
sociais para informar ter conversado por telefone com o ministro antes do
anúncio.
Tudo isso rende projeção para os candidatos e
seus padrinhos políticos, porém não resolve o problema da população paulistana
nem aponta caminhos para as prestadoras de serviços, que é o que realmente
importa. Explorar a frustração dos consumidores de energia para afetar
indignação, em manifestações que não encontram fundamento técnico, é puro
oportunismo eleitoreiro.
O governo federal, do qual o sr. Silveira faz
parte, contribuirá para a boa prestação de serviços quando se dedicar a rever
parâmetros contratuais defasados, dotar as agências reguladoras – tão
desprezadas pelas gestões petistas – de equipamentos e pessoal para cumprir sua
função e abordar a questão de distribuição de energia elétrica de forma ampla,
diante do cenário imposto pelas mudanças climáticas. Um trabalho sério e
conjunto no setor elétrico pode conduzir à solução. Já as bravatas, como se
sabe, produzem muito calor, mas pouca luz.
Amigos, amigos, criminosos à parte
O Estado de S. Paulo
Lula tenta burlar a Constituição para bajular
o companheiro Putin, apertando um pouco mais o torniquete que mantém o
Itamaraty refém da política externa ativista e pusilânime do PT
O governo do presidente Lula da Silva está
tentando burlar tratados de Estado para bajular Vladimir Putin. O tirano russo
é alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes
de guerra na Ucrânia, entre eles a deportação forçada de crianças. O Brasil é
membro do Tribunal, e se Putin puser os pés em solo nacional, tem de ser
imediatamente detido. O País é signatário do documento fundador do TPI, o
Estatuto de Roma, que, portanto, está incorporado à Constituição. Mas para Lula
esse é só um detalhe inconveniente. Ele já disse que “o conceito de democracia
é relativo”, donde se conclui que sua base de sustentação, o Estado de Direito,
também deve ser.
O cortejo a Putin não é de hoje. No ano
passado, Lula afirmou que, “se eu for presidente do Brasil, e se ele vier ao
Brasil, não tem como ele ser preso”. Advertido por algum assessor de que ele
não tinha essa discricionariedade, refugou e reconheceu que a decisão caberia à
Justiça. Mas aproveitou para tripudiar do TPI: “Eu nem sabia da existência
desse tribunal”, acrescentando que iria rever a participação do Brasil.
Sem a carta da ignorância na manga, restou a
da má-fé. Em um documento enviado à ONU coalhado de casuísmos, o governo tenta
emplacar a tese da imunidade para chefes de Estado. Lula adora se queixar da
inoperância da ONU para impor a “paz”, mas quando um órgão com jurisdição
ratificada pelo Brasil faz a sua parte, sua reação é acusá-lo de tendências ao
exercício “abusivo, arbitrário e politicamente motivado” da jurisdição penal
contra representantes de Estado, e propor como remédio a imunidade – quer dizer,
a impunidade.
Não é a primeira tramoia para salvaguardar
criminosos companheiros. Em 2010, valendo-se de uma decisão esdrúxula do
Supremo Tribunal Federal que lavou as mãos ante sua obrigação de extraditar o
terrorista Cesare Battisti, condenado pela Justiça italiana por quatro
assassinatos, Lula declarou que Battisti era “perseguido político” e lhe
conferiu refúgio.
O que rebaixa ainda mais a política externa
brasileira nesse tour de force para forjar um salvo-conduto para Putin é que
provavelmente o ditador russo nem sequer o usaria. Desde a invasão da Ucrânia,
Putin está enfurnado em Moscou. Com exceção de seus suseranos na China e um
punhado de ditaduras amigas, não fez mais visitas internacionais. Ele faltou às
cúpulas do G-20 na Indonésia e na Índia e foi gentilmente desconvidado a ir à
cúpula dos Brics na África do Sul, precisamente porque o país também é membro do
TPI.
Se é difícil compreender qual seria o ganho
para o Brasil nesse garantismo ad hoc, é porque não há nenhum. É só mais uma
manobra da cruzada de Lula contra o “Ocidente”, o “Norte”, o “Grande Capital”
ou seja lá como ele chame os “opressores” do “Sul Global”. É só essa doutrina
de grêmio estudantil que explica, por exemplo, as contemporizações das
atrocidades cometidas por ditaduras esquerdistas na América Latina, ou o
endosso ao projeto chinês de transformar o Brics num clube de autocracias
antiocidentais, ou o papel que Lula vem protagonizando de uma espécie de
porta-voz do Hamas.
O PT chancelou e comemorou a eleição fajuta
de Putin. Pouco antes, celebrou um acordo de cooperação com o Partido Comunista
chinês e, pouco depois, com o Partido Comunista de Cuba. Pouco importa que
Putin seja um ídolo da direita reacionária global, basta que atue como um
porrete contra o “imperialismo estadunidense”. Foi o que Lula disse com todas
as letras ao canal russo RT, em 2019: “Uma coisa que me deixa orgulhoso é o
papel desempenhado por Putin na história mundial, o que significa que o mundo
não pode ser tomado como refém pela política dos EUA”.
Para satisfazer o orgulho de Lula, o
Itamaraty se tornou refém da política petista ativista e subserviente a
potentados autoritários, que nem todo palavrório sobre uma diplomacia “ativa e
altiva” consegue disfarçar. Mas sabujice tem limites. Até onde se sabe, ainda
há juízes no Brasil. Se Lula insistir em estender o tapete vermelho a mais um
déspota criminoso, cabe a eles conduzi-lo à sua cela.
A virtude da normalidade
O Estado de S. Paulo
O apoio do comandante do Exército ao Supremo
Tribunal Federal é um bem-vindo recado para os quartéis
O comandante do Exército, general Tomás
Miguel Ribeiro Paiva, deu uma inestimável contribuição à normalidade
democrática ao manifestar-se favoravelmente à decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), que formou maioria contra o
suposto papel de “poder moderador” das Forças Armadas em situações de crise
institucional. Questionado em entrevista se estava de acordo com o voto dado
até aqui por ministros da mais alta Corte do País, ele respondeu: “Totalmente.
Não há novidade para nós. Quem interpreta a Constituição em última instância é
o STF e isso já estava consolidado como o entendimento”.
Em breves palavras, o general cumpriu o que
se espera de qualquer democrata, seja ele militar ou civil: defendeu a
Constituição, reconheceu a instituição que tem a missão de interpretá-la e
resguardou as Forças Armadas de qualquer outra interpretação fabricada pelo
cinismo golpista dos últimos anos.
Assim como ministros do Supremo se viram
perplexos ao precisar dedicar tempo e esforço para demonstrar algo elementar,
não deixa de ser surpreendente que a declaração do general Tomás Paiva precise
de reconhecimento e aplauso ao reafirmar obviedade igual. Mas convém lembrar a
singularidade das circunstâncias: era necessário afastar de uma vez por todas o
fantasma do “poder moderador” que extremistas tentaram emplacar, intoxicados
por anos de fumaça bolsonarista.
A maioria do STF deixou evidente que nem o
Supremo nem o presidente da República podem ser qualificados como “poderes
moderadores”. Muito menos as Forças Armadas, nem sequer configuradas como Poder
como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Do mesmo modo, o chefe do Executivo tem
prerrogativas limitadas, sem que a ele seja concedido o direito de recorrer às
Forças Armadas para barrar a independência dos demais Poderes. A doutrina de
que militares estariam constitucionalmente autorizados a intervir para arbitrar
conflitos institucionais só existiu mesmo na cabeça de golpistas. Como
sustentou o ministro Gilmar Mendes no seu voto, a hermenêutica da baioneta não
cabe na Constituição.
O general Tomás Paiva sabe disso. Sabe também
que as Forças Armadas estiveram engolfadas por esse fantasma, e que ainda há
nelas uma pletora de infiltrados dispostos a ressuscitá-lo. Ele próprio – assim
como outros legalistas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica – foi vítima de
ataques ferozes vindos dos quartéis e de militares instalados no Palácio do
Planalto de Jair Bolsonaro. Num dos diálogos mencionados nas investigações
sobre a suposta articulação do ex-presidente pela anulação das eleições, Tomás
Paiva é duramente criticado por se opor à tentativa de golpe.
O oportuno recado do general emite sinais, portanto, para fora e para dentro dos quartéis, além de servir de importante premissa para o longo trabalho de despolitização das Forças Armadas. E demonstra que há situações nas quais a virtude da normalidade significa também uma excepcionalidade, como lenitivo a nos proteger de riscos institucionais. É este o caso.
Real mais fraco ajuda a retardar queda da
inflação
Valor Econômico
Cenário recomenda maior cautela fiscal, em apoio à política monetária
A desvalorização do real diante do dólar, de
4,07% até ontem, objeto da primeira intervenção do Banco Central no governo
Lula, não é preocupante: há reservas internacionais de sobra e o Brasil
continua sendo um credor externo, com haveres maiores do que dívidas. Mas
influi direta e negativamente sobre a inflação, cujo declínio em direção à meta
de 3% já era mais lento do que se esperava. A intervenção do Banco Central foi
pontual, como a maior parte de todas as outras que ocorreram na atual gestão.
Ao contrário do passado, não há a menor suspeita de que a autoridade monetária
esteja mirando um ponto fixo para estacionar a relação dólar-real.
O motivo principal, e até certo ponto
previsível, é que o Federal Reserve americano empurrou bem para a frente o
calendário de corte de juros que os investidores, com seus modelos próprios,
estimavam que poderia ocorrera no mês passado, e agora preveem, na melhor das
hipóteses para junho, com viés de alongamento. Os juros dos títulos do Tesouro,
a base da remuneração para os demais nos mercados internacionais, estão
subindo. O dólar avançou em relação à maioria das moedas por dois motivos. O
mais imediato é o diferencial de taxas de juros dos EUA em relação aos demais
países, acrescido dos prêmios de risco de cada um. O segundo é o diferencial do
ritmo de crescimento entre as economias, que continua favorável aos Estados
Unidos, logo, ao dólar.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos
Neto, disse ontem que a diferença entre juros domésticos e os americanos é
favorável ao Brasil. Fez, porém, uma ressalva: “Se o risco percebido sobe com o
mesmo diferencial de juros, aí a moeda tem que se desvalorizar para compensar.
A questão é se do lado do risco a gente teve alguma mudança nos últimos tempos
ou não”. A taxa de risco, de fato, passou a subir, mas pouco. O CDS, que mede
as chances de calote, subiu 3,7% no mês passado e 6% no ano.
Os juros futuros no Brasil se mantiveram nas
alturas e pouco se moveram desde que a taxa Selic começou a ser reduzida, em
agosto de 2023. Esse efeito decorre do aumento dos rendimentos dos títulos
americanos com a manutenção além do previsto da taxa básica americana. Isto é,
a atratividade da aplicação em títulos soberanos do Brasil, por exemplo,
torna-se menor se o juro americano se mantém. Esse é um limite relativo, de
pouca consequência se for restrito no tempo e de pequena magnitude, como
ocorreu até agora.
A debandada do capital externo das bolsas
brasileiras, algo como R$ 24,15 bilhões no ano até ontem, é um evento com a
mesma lógica. A reversão de expectativas sobre o início da queda de juros nos
Estados Unidos provocou uma mudança de fluxo dos investidores externos em renda
variável no Brasil, no qual interferiram até certo ponto as ingerências do
governo Lula em duas das principais empresas, Vale e Petrobras, que somam 25%
do Índice Bovespa. Além disso, as ações nas bolsas americanas continuaram um movimento
de alta que só agora parece que mudará de direção, com a manutenção de juros
altos por um horizonte de tempo maior.
Há pouco tempo, o Fundo Monetário
Internacional advertiu para o risco de uma guinada rápida na formação de preços
dos ativos globais em função de expectativas frustradas sobre o começo do fim
do ciclo de aperto monetário nas economias dos países ricos. A reviravolta até
agora não trouxe sobressaltos e possivelmente não trará. A economia real
resistiu melhor do que o esperado à forte carga dos juros, e o problema de
hoje, resumido no binômio inflação-crescimento, é menos nocivo que o anterior,
da dupla deflação-recessão.
Ainda assim, os ajustes que a nova situação
provoca podem ser difíceis. No caso do Brasil, os fatores domésticos têm peso
relevante e afetaram a equação da desvalorização do real. Motivo semelhante ao
que retarda a queda dos juros nos Estados Unidos age na economia brasileira. A
inflação de serviços resiste a cair e ameaçou um repique em fevereiro. O
mercado de trabalho está aquecido (mais nos EUA, mas também aqui) e há ganhos
acima da inflação nos salários em decorrência disso. Da mesma forma, os fortes
estímulos fiscais durante a pandemia de covid-19, que, no caso brasileiro, se
tornaram Auxílio Brasil e, em seguida, Bolsa Família, sustentaram expansão da
economia perto ou acima de seu potencial (avanço ao redor de 3% nos últimos
dois anos).
Pesa contra o Brasil o desequilíbrio fiscal,
que afasta parte dos investidores externos, e que dificulta uma queda mais
rápida da inflação para 3%. As metas do novo regime fiscal não estão garantidas
- nem a zeragem do déficit este ano, nem a fixação do compromisso de 0,5% do
PIB de superávit primário em 2025. Diante da sólida posição externa do país, a
valorização do dólar não deve ir longe, mas pode ser um grande estorvo porque
trava a redução da inflação, já vagarosa, ou até mesmo poderá empurrá-la um pouco
para cima. Esse cenário recomenda maior cautela fiscal, em apoio à política
monetária, mas não parece ser essa, nem de longe, a preocupação no Palácio do
Planalto.
STF acertou ao garantir acesso a relatórios do Coaf
O Globo
Corte reiterou que polícia e MP não precisam
de ordem judicial para solicitar e obter dados financeiros
O Brasil criou o Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf) no final da década de 1990. Na época, um dos
principais focos das agências de inteligência financeira espalhadas pelo mundo
era o tráfico de drogas. Depois do 11 de Setembro, a atenção recaiu sobre o
terrorismo. No Brasil, o Coaf sempre teve relevância por desmascarar a lavagem
de dinheiro oriundo do crime organizado e da corrupção, com destaque para as
operações Lava-Jato e Greenfield. Foi também do Coaf que partiu o relatório que
originou acusações de “rachadinha” contra o clã Bolsonaro.
Dada sua importância em tantos casos de
repercussão, o Supremo Tribunal Federal (STF)
foi instado a dirimir uma dúvida sobre os procedimentos usados para obter dados
financeiros: podem polícia e Ministério Público (MP) solicitar relatórios
diretamente ao Coaf, sem autorização prévia da Justiça? Por
unanimidade, a Primeira Turma do STF respondeu que sim. Os
ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes
referendaram a liminar do ministro Cristiano Zanin que derrubou uma decisão do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) de agosto de 2023 invalidando relatórios do
Coaf obtidos sem ordem judicial.
Foi a decisão certa. A troca ágil de
informações entre os investigadores e o Coaf sempre foi crucial para o êxito na
apuração de crimes. Essa é a prática internacional e era a norma até 2019.
Naquele ano, o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, acolheu pedido
do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e suspendeu temporariamente todas as
investigações em curso baseadas em dados do Coaf (havia 935). A motivação foi o
vazamento de um relatório apontando transações suspeitas de mais de R$ 1,2
milhão na conta de um ex-assessor do senador. A investigação resultou no caso
das “rachadinhas”.
O plenário do STF derrubou a liminar de
Toffoli pouco depois, daí o espanto com a decisão do STJ no caso de um
dirigente da cervejaria Cerpa, do Pará, investigado por lavagem de dinheiro (o
MP paraense recorreu, e a questão foi parar no STF). “Parece ter havido o que a
gente chama de manifesto descompasso”, afirmou Cármen Lúcia no julgamento. Para
Moraes, houve “flagrante contradição” entre o que decidiram o plenário do STF
em 2019 e a SextaTurma do STJ em 2023.
A necessidade de comunicação ágil entre
investigadores e Coaf é óbvia. Na última avaliação realizada pelo governo com
base em metodologia internacional, o Brasil aparece como país com risco baixo
de financiar o terrorismo, mas médio em lavagem de dinheiro. “A corrupção se
revela a modalidade de crime antecedente da lavagem de dinheiro mais perniciosa
no país”, afirma o relatório Avaliação Nacional de Riscos. A vasta capilaridade
das organizações criminosas torna um desafio identificar os caminhos usados para
lavar ativos. O tráfico de drogas e armas é hoje realizado por grupos com
atuação internacional e estruturas sofisticadas para legalizar seus recursos.
O Coaf é um instrumento poderoso à disposição
do Estado. O Brasil integra o Grupo de Ação Financeira (Gafi), organização de
40 países cujos objetivos incluem estabelecer alto padrão de investigação,
cooperação e conduta no combate aos crimes financeiros. Esse compromisso é
imprescindível para o aperfeiçoamento do ambiente de negócios brasileiro. O uso
da inteligência financeira pressupõe responsabilidade, mas também agilidade.
Contrato com empresa de fertilizantes exigia
mais cautela da Petrobras
O Globo
TCU estimou que operação para vender gás à
Unigel trará prejuízo de quase meio bilhão à estatal
Um relatório da área técnica do Tribunal de
Contas da União (TCU) prevê prejuízo de R$ 487 milhões para a Petrobras se
a empresa mantiver um contrato de venda de gás à fabricante de fertilizantes
Unigel, que arrenda duas fábricas da Petrobras, na Bahia e em Sergipe. O
contrato foi assinado em 29 de dezembro de 2023 numa tentativa de dar fôlego
financeiro à empresa, que acumula dívidas de R$ 90 milhões com a estatal e está
em recuperação extrajudicial. Diante de uma operação que exigiria toda a
cautela, a Petrobras resolveu seguir adiante.
De acordo com os técnicos do TCU, a diretoria
atropelou as regras de governança da Petrobras para salvar a Unigel. O blog da
colunista Malu Gaspar no GLOBO revelou que o canal de
compliance da petroleira recebeu denúncias de que integrantes da equipe do
presidente da estatal, Jean Paul
Prates, pressionavam para o fechamento do negócio, mesmo sem o aval
da área técnica. A Petrobras informou ter aberto uma averiguação interna,
confiscado celulares de dois diretores e não ter encontrado nenhuma
irregularidade. Garantiu ainda que o sistema de governança foi “integralmente
respeitado”. Mas não é essa a conclusão que se extrai do relatório elaborado
pela área de auditoria do TCU especializada em petróleo, gás natural e
mineração. O documento foi entregue ao relator, ministro Benjamin Zymler.
Não é função da Petrobras ajudar na
recuperação de qualquer empresa, privada ou estatal. Além disso, vai contra os
interesses de seus acionistas, entre eles a União, atuar como “hospital de
empresas” amparando o negócio da Unigel num momento em que o fertilizante está
em baixa, e seu insumo, o gás natural, em alta. O prejuízo inevitável é uma das
razões por que o relatório do TCU afirma que as análises de risco da estatal
foram “evidentemente imprecisas, inexatas e incompletas”.
Pelo histórico da Petrobras, a diretoria deveria ser mais cautelosa com esse tipo de operação. Em 2006, a estatal comprou por US$ 1,24 bilhão uma refinaria em Pasadena, no Texas, que havia sido vendida sete anos antes por US$ 42,5 milhões — negócio sem nenhuma relação com o plano estratégico de internacionalização da companhia, que causou no final prejuízo de US$ 792 milhões, de acordo com o TCU. Também não se pode esquecer a profusão de contratos superfaturados da Petrobras com empreiteiras, fonte de financiamento dos esquemas de corrupção desmascarados pela Operação Lava-Jato no escândalo do petrolão. A cultura corporativa da empresa já deveria ter criado defesas contra operações duvidosas que levantam suspeitas, como o contrato com a Unigel analisado pelo TCU.
Saúde pública avança no interior do Brasil
Correio Braziliense
Em média, cada um dos 5.570 municípios
poderia ter cinco médicos. Mas a expansão do programa contemplará 82% das
cidades com ações voltadas à saúde da família nas regiões mais vulneráveis
O programa Mais Médicos conseguiu preencher
as 28 mil vagas previstas, anunciou o secretário de Atenção Primária do
Ministério da Saúde, Felipe Proenço de Oliveira, em entrevista ao Correio
Braziliense, na última terça-feira. Em média, cada um dos 5.570 municípios
poderia ter cinco médicos. Mas a expansão do programa contemplará 82% das
cidades com ações voltadas à saúde da família nas regiões mais vulneráveis.
A revisão da política de saúde pública era
mais do que necessária e desejada pelos brasileiros. A pandemia da covid-19,
entre 2020 e 2022, mostrou o deficit de profissionais tanto nas grandes
cidades, inclusive nas capitais, quanto no interior do país — redes públicas e
privadas ficaram saturadas , e deixaram um acúmulo de demandas por assistência.
Uma das pendências é aumento dos casos de
obesidade entre crianças e adolescentes, entre 2019 e 2021, durante a pandemia
de covid-19, constatado pelo Observatório de Saúde na Infância, da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz). O crescimento chegou a 6,08% no grupo de crianças até 5
anos; e de 17,2%, no grupo com 10 a 18 anos. O aumento de peso é uma das
preocupações das equipes de saúde do país.
Com a retomada do programa Mais Médicos, que
contempla ações de atenção primária às famílias, a expectativa do governo é
diminuir o número de mortos por doenças evitáveis e propiciar ao Sistema Único
de Saúde uma economia de R$ 30 milhões em internações. Além disso, terá
condições de reeducar os grupos atendidos, para que saibam ter uma vida mais
saudável.
Os atendimentos, no ano passado, resultaram
em queda modesta da mortalidade infantil em municípios com indicadores bem
elevados. Mas foi uma boa sinalização de que a presença de profissionais da
saúde, principalmente médicos, é fundamental para reverter o quadro caótico,
até então, vivenciado pelas comunidades socioeconômicas mais carentes. Os
efeitos só poderão ser mensurados em espaço de tempo maior, quando haverá dados
de comparação entre o antes e o depois.
Equipes da Saúde da Família chegaram também
às terras indígenas, a começar pelo povo Yanomami, cuja saúde foi, seriamente,
afetada pela presença de garimpeiros invasores do território e que se estende
pelos estados de Roraima e Amazonas. Uma crise humanitária e sanitária foi
instalada nas reservas, causando a morte de 363 indígenas em 2023. O drama
ainda não foi superado e segue neste ano, ante a persistência dos invasores,
sustentados por facções criminosas do Sudeste.
O empenho do Ministério da Saúde, por mais que seja indispensável para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, só conseguirá êxito se houver também maior engajamento dos governos municipais e estaduais. A coloração partidária e a ideologia não podem interferir nessa parceria que coloca em jogo a vida dos cidadãos. A expansão da Atenção Primária indica que outros programas oferecidos pelo Sistema Único de Saúde devem seguir igual caminho, em todas as cidades do país, com a ampliação do número de unidades com atendimento de maior complexidade, bem equipadas e conduzidas por profissionais dedicados à saúde pública. Uma sociedade saudável é o maior patrimônio de uma nação.
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