O Globo
Nos EUA, a Trafigura confessa suborno, pede
desculpas e paga multa. Por aqui, grandes empresas ‘desconfessam’ e ganham
cancelamento de multas
O presidente do Tribunal Regional Eleitoral
do Paraná, Sigurd Bengtsson, ainda tentou: não estamos julgando a Lava-Jato,
disse na abertura do processo de cassação de Sergio Moro.
Se é assim, o relator do caso, desembargador Luciano Carrasco Falavinha Souza,
concluiu, em longo e detalhado voto, que as denúncias de abuso de poder
econômico eleitoral, fato determinado, estão muito perto do ridículo. Absolveu
Moro, mantendo, pois, o mandato de um senador eleito por quase 2 milhões de
votos.
O segundo desembargador a votar, José Rodrigo
Sade, recém-empossado e indicado por Lula, aceitou as denúncias apresentadas
pelo PL de Bolsonaro e pelo PT de Lula e condenou Moro. Entendeu que o senador
gastou dinheiro de maneira irregular em suas campanhas e pré-campanhas.
Fora do ambiente estrito dos tribunais, todo mundo sabe que o caso é de vingança. O que, além disso, poderia unir bolsonaristas e petistas? Algum princípio político? Ético? Uma tese jurídica defendida ao mesmo tempo pelo advogado Guilherme Ruiz Neto, representando o PL, e pelo grupo petista Prerrogativas?
Se a coisa tem, sim, a ver com a vingança
contra a Lava-Jato — da parte do PT —, o momento deu ruim. Justo nestes dias,
uma empresa de Cingapura, a Trafigura, informou ter feito acordo com o
Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA, pelo qual pagará multa de US$ 127
milhões por confessar a prática de suborno. Mais exatamente: “Por mais de uma
década, a Trafigura subornou autoridades brasileiras para obter negócios
ilegalmente e obter mais de US$ 61 milhões em lucros”, como explicou Nicole
Argentieri, chefe da divisão criminal do DOJ.
Suborno refere-se a negócios com a Petrobras.
Que década? De 2003, governo Lula, a 2014, administração Dilma. Foi a Lava-Jato
que desvendou a história — assim como apanhou também concorrentes da Trafigura,
como as companhias Vitol Group e Glencore, que já haviam admitido o pagamento
de subornos no Brasil, também para encerrar investigações de corrupção lá fora.
Pode parecer que estamos nos desviando do
caso do TRE de Curitiba, mas é bem o contrário. Para desqualificar inteiramente
a Lava-Jato e colocar na cadeia seus condutores, seria preciso demonstrar que
não houve corrupção alguma. Nem nos tribunais nem nas instituições políticas
brasileiras foi possível fazer isso. O que levou ao expediente de anular
processos, por artimanhas formais, eliminada qualquer possibilidade de chegar a
alguma sentença, de condenação ou absolvição.
Acusar Moro de abuso econômico é uma dessas
jogadas. Assim como ocorreu na cassação de Deltan
Dallagnol pelo TSE. Ele foi considerado inelegível por ter
renunciado ao cargo de procurador não para se candidatar a deputado federal (e
se eleger), mas para fugir a um possível (talvez, quem sabe...) processo futuro
de má conduta na Lava-Jato. Acusam Moro e Dallagnol de formar uma “organização
criminosa”, mas tratam de afastá-los da política por suposições mal fundadas.
Dois prejuízos para o país: primeiro, não se faz uma ampla e imparcial análise
da Lava-Jato; segundo, não se discute o peso da corrupção na economia
brasileira.
Enquanto nossos tribunais se afundam nessas
manobras, vem o DOJ dos Estados Unidos com um fato: a Trafigura confessa
suborno, pede desculpa e paga multa. Por aqui, grandes empresas “desconfessam”
e ganham o cancelamento do pagamento de multas.
Seria isso uma reação nacionalista ao
imperialismo americano?
Parece absurdo, é absurdo, mas vira e mexe o
presidente Lula e o PT dizem que a “suposta” corrupção na Petrobras foi uma
conspiração dos Estados Unidos para liquidar empreiteiras brasileiras. A prova
seria a ação do DOJ. Ora, o DOJ age porque o mercado de commodities — petróleo,
no caso — é global e afeta diversos países e acionistas do mundo todo. A
corrupção na Petrobras ou na estatal da Costa do Marfim é um fato global.
Vai daí que um governo local pode tentar esconder ou mudar a narrativa, mas não apaga a história global. E real. Talvez por isso também falem tão mal da globalização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário