sábado, 6 de abril de 2024

Luiz Gonzaga Belluzzo* - McCkloskey e o Valor-Trabalho

CartaCapital

Suspeita-se que a leitura de ‘O Capital’ provocaria apagões na cachola liberal-positivista da economista

Imagino que o leitor de ­CartaCapital, em sua busca de opiniões divergentes, se entregue à contemplação de matérias e artigos dos jornais brasileiros e forâneos.

Em minha diária peregrinação na busca de concepções e opiniões que divergem das minhas, deparei-me com o artigo de Deirdre McCkloskey. Em poucas linhas, a professora emérita da Universidade de Illinois cuida de desacreditar a Teoria do Valor-Trabalho de Karl Marx:

“Na década de 1870, os economistas de repente perceberam por que a teoria do trabalho está totalmente errada. A economia e as opções econômicas são sempre sobre decisões atuais que causam resultados futuros. Não têm a ver com a história. Você não pode ‘decidir’ sobre o passado. Os custos fixos já foram gastos. Economia tem a ver com o que você deve fazer a seguir. Portanto, a teoria do valor correta é o ‘produto marginal’, isto é, o produto futuro que obtemos de um pouquinho mais de trabalho, capital e terra. Os insumos já gastos não entram na conta. Marx morreu em 1883, depois da ‘Revolução Marginal’. Mas ele não reconheceu isso, deixando seus devotos seguidores no escuro, até hoje”.

Os mestres da senhora Deirdre professam a Teoria da Utilidade Marginal. A Economia Política de Stanley Jevons concentrou suas investigações nas escolhas individuais de consumidores e produtores, os utilitaristas que definem a alocação de recursos dados e escassos entre usos alternativos.

A escassez é condição importante para a avaliação subjetiva que converte os bens da vida em riqueza e lhes confere valor. Os objetos de desejo devem ter oferta limitada. “Assim, cada mercadoria deve ser ofertada quando é mais desejada: nada deve ser ofertado em demasia, isto é, fabricado em quantidades excessivas, [de modo] que seria melhor empregar trabalho na manufatura de outras coisas… O propósito é obter a maior riqueza com o menor custo.”

Trata-se de descobrir as formas concretas que brotam do processo de movimento do capital

A produção envolve a combinação entre terra, trabalho e capital. A substitutibilidade entre os bens e a substitutibilidade entre fatores de produção criam as condições para a escolha individual. Isto posto, a produtividade depende de duas condições: da Ciência e da Divisão do Trabalho. “A Ciência nos habilita a fazer nossas tarefas com grande economia de trabalho… A divisão do trabalho promove a invenção de um grande número de máquinas que facilitam e encurtam o trabalho e permitem que um homem faça as tarefas de muitos.”

Na teoria do Equilíbrio Geral de ­Walras, a relação entre os indivíduos, consumidores ou proprietários privados de riqueza é entendida a partir dos interesses conciliados pela ação racional-calculadora dos indivíduos coordenada pelas virtudes do mercado competitivo. A socialização dos indivíduos privados está ancorada na racionalidade otimizadora que ajusta os desejos aos bens escassos.

Ainda hoje, os filhotes de Leon ­Walras sustentam a lenda da separação entre o ­real e o monetário. O dinheiro em Walras é apenas um numerário, um véu que encobre a realidade dos preços reais, relativos.

As opiniões rápidas da emérita Deirdre sugerem que ela estudou a Teoria do Valor-Trabalho de Karl Marx nos deploráveis Manuais de Economia da União Soviética.

Marx faz a crítica de A Teoria do Valor-Trabalho de Adam Smith e David ­Ricardo. (Crítica não é rejeição, mas, sim, uma reconstrução.) Ele começa a investigação do Regime do Capital cuidando da mercadoria, forma elementar da riqueza.  Os produtores de mercadorias fabricam diretamente para a troca, com o objetivo de transformar a sua mercadoria particular em dinheiro, enquanto forma do valor e expressão geral (social) da riqueza. Esse é o sentido do Regime do Capital como sistema de intercâmbio generalizado de mercadorias.

“A natureza particular do dinheiro evidencia-se de novo na separação dos negócios do dinheiro das relações mercantis propriamente ditas. Vemos, portanto, como é imanente ao dinheiro realizar suas finalidades à medida que simultaneamente se empenha em negá-las; se autonomiza em relação às mercadorias; de meio, devir fim; realizar o valor de troca das mercadorias ao se separar dele; facilitar a troca ao cindi-la; superar as dificuldades da troca imediata de mercadorias ao generalizá-las; autonomizar a troca em relação aos produtores na mesma medida em que os produtores devem estar dependentes da troca… se pretendemos que o dinheiro só troca riquezas materiais já existentes, então isto é falso, já que com o dinheiro se troca e se compra também trabalho, ou seja, a própria atividade produtiva, a riqueza potencial.”

Capital-dinheiro como riqueza potencial é fundamental para a compreensão das articulações construídas ao longo dos três volumes de O Capital. Vou encerrar com um depoimento de Karl Marx no Livro III de O Capital:

“No Livro I, investigamos os modos de manifestação que o processo de produção capitalista, considerado em si mesmo, apresenta como processo direto de produção; nessa análise, ainda abstraíamos de todos os efeitos secundários provocados por circunstâncias alheias a ele. Mas o processo direto de produção não esgota a biografia do capital. Ele é complementado, no mundo real, pelo processo de circulação, que constituiu o objeto das investigações do Livro II. Nesse último, especialmente na Seção III, dedicada à análise do processo de circulação como mediação do processo social de reprodução, mostramos que o processo de produção capitalista, considerado como um todo, consiste na unidade de processo de produção e processo de circulação. Neste Livro III, nosso objetivo não poderia ser o de desenvolver reflexões gerais sobre essa unidade. Trata-se, antes, de descobrir e expor as formas concretas que brotam do processo de movimento do capital considerado como um todo. Em seu movimento real, os capitais confrontam-se em formas concretas, para as quais a configuração do capital no processo direto de produção, do mesmo modo que sua configuração no processo de circulação, aparece apenas como momento particular. Assim, as configurações do capital, tal como as desenvolvemos neste livro, aproximam-se passo a passo da forma em que se apresentam na superfície da sociedade, na ação recíproca dos diferentes capitais, na concorrência e no senso comum dos próprios agentes da produção”.

Suspeito que leitura de O Capital provocaria apagões na cachola liberal-positivista de Deirdre McCkloskey. 

*Publicado na edição n° 1305 de CartaCapital, em 10 de abril de 2024.

 

Um comentário:

Mais um amador disse...

Blá-blá-blá-blá-blá-blá...