- Diário do Poder
No Direito do Trabalho a expressão greve tem o significado de cessação coletiva do trabalho, decretada na forma da lei, com o objetivo de fazer com que o empregador se renda e concorde com as reivindicações dos empregados (Lei nº 7.783/79).
A paralisação dos autônomos não foi greve, no sentido jurídico da palavra. Iniciou-se como exercício do direito de manifestação pacífica, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização (Constituição, artigo 5º, XVI), até descambar em motim, isto é “insurreição, organizada ou não, contra qualquer autoridade civil ou militar instituída, caracterizada por atos explícitos de desobediência, de não cumprimento de deveres, de desordem, e ger. acompanhada de levante de armas e de grande tumulto” (Dicionário Houaiss).
Que motivos tão fortes levaram milhares de caminhoneiros – de modo geral pessoas boas e simples da classe média – a se organizarem contra a Petrobrás, sociedade anônima de economia mista, integrante da Administração Pública da União, acionista majoritária e controladora? Não se tratou de manifestação localizada em busca da Carta de Reconhecimento, promovida por meia dúzia de dirigentes sindicais pelegos, como em janeiro de 1986. Desta vez a mobilização estendeu-se pelo território nacional, tendo, como forte e comprovado motivo, aumentos diários do preço do óleo diesel, insumo essencial ao transporte rodoviário de carga.
Abastecendo o meu automóvel em média uma vez por semana, sabia do constante aumento do preço da gasolina e conhecia, em contato com motoristas de taxi, o grau de insatisfação diante da ininterrupta elevação do custo dos combustíveis. O presidente da Petrobrás, Dr. Pedro Parente, foi designado pelo presidente da República, Dr. Michel Temer, para levar a cabo a tarefa de recuperar a credibilidade e a rentabilidade da empresa, espoliada durante os anos em que o Partido dos Trabalhadores esteve à frente do Poder.
Se do ponto de vista da economia pura o Dr. Pedro Parente dava conta da responsabilidade que lhe foi atribuída, como os economistas clássicos o admitem, sob o ângulo social, entretanto, os resultados eram discutíveis. Parte considerável da impopularidade do presidente Temer, na opinião de pessoas que conheço, é atribuída à política de preços dos combustíveis, pesados para a maioria de produtores e consumidores.
Aos caminhoneiros, como aos motoristas em geral, é indiferente o posto ou sob qual bandeira abastecem o veículo. Adquirem invariavelmente combustível da Petrobrás, a quem a Constituição garante, em nome da União, “a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos”; “a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro”; “a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores”; “o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzido no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, do petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem.” (artigo 177).
A desigualdade de forças entre Petrobrás e caminhoneiro, taxista, motoristas de modo geral, é, numa única palavra, brutal. De um lado uma das maiores empresas mundiais, exploradora única de produto essencial, e de outro o proprietário da carreta, caminhão, caminhonete, automóvel, usado ou novo, pago ou financiado, mas sempre dependente do combustível para o ganho de cada frete, carreto ou corrida.
Esgotada a quase interminável paciência dos prejudicados, bastou uma centelha em algum canto do País para que o incêndio se espalhasse. Ausentes falsas lideranças sindicais e políticas, as redes sociais encarregaram-se da mobilização. Em poucas horas milhares de caminhoneiros exigiam a redução do preço do óleo diesel e a garantia de que não voltaria a ser aumentado. Apanhado de surpresa o Dr. Pedro Parente respondeu como economista: por liberalidade concedeu o congelamento dos preços por quinze dias. Aquilo que no início era simples manifestação coletiva converteu-se de imediato em insurreição e motim.
É desnecessário reproduzir as notícias sobre o desabastecimento. O País afundou em crise, enquanto o governo federal dava repetidas demonstrações de incompetência até, finalmente, se render, concedendo mais do que lhe era exigido. No rescaldo do incêndio temos prejuízo de bilhões de reais, a debilidade do Poder Executivo, a incompetência dos ministros e, como arremate, a exoneração inevitável do Dr. Pedro Parente.
Duas obras clássicas tratam da psicologia das multidões. Sigmund Freud escreveu, na obra Psicologia das Massas, que “La multitud es impulsiva, versátil e irritable y se deja guiar casi exclusivamente por lo inconsciente. Los impulsos a los que obedece pueden ser, según las circunstancias, nobles o crueles, heroicos o cobardes, pero son siempre tan imperiosos, que la personalidad e incluso el instinto de conservación desaparecen ante ellos. Nada em ella es premeditado. (…) Abriga un sentimiento de omnipotencia. La noción de lo imposible no existe para el individuo”. Gustavo Le Bom, por sua vez, ensinou, em Psicologia das Multidões: “As multidões são um pouco como a esfinge da antiga fábula: é preciso saber resolver os problemas que a psicologia delas nos apresenta, ou se resignar a ser devorado por elas”.
Ao Dr. Pedro Parente faltou o mais elementar conhecimento de psicologia das massas, quando se negou a examinar o justo pedido dos caminhoneiros. Que lhe sirva de lição.
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