sábado, 11 de outubro de 2025

Centrão e bolsonarismo, o fim do amor. Por Thaís Oyama

O Globo

Como na casa em que falta pão todos ralham e ninguém tem razão, o ex-casal perfeito começou a brigar em público

“Dinheiro compra até amor verdadeiro.” A frase, do escritor Nélson Rodrigues, se aplicou perfeitamente à união do bolsonarismo com o Centrão na metade final do governo Jair Bolsonaro. Sendo o bolsonarismo um autointitulado crítico do “sistema” e o Centrão a personificação do próprio, era de esperar que jamais se atraíssem. Mas, como tantas relações inusitadas, essa vingou por dar aos envolvidos vantagens mútuas — ao governo ameaçado pelo impeachment, a sobrevivência; ao Centrão voraz, as boas coisas da vida —, além de glória, poder e jatinhos, uma rica coleção de siglas, do tipo Codevasf, BNB e FNDE. Assim, salvo o governo Bolsonaro e ornado de joias o Centrão, viveram ambos felizes — até que o dinheiro acabou. Bolsonaro perdeu a eleição, ganhou processos, foi preso. O Centrão perdeu cargos (nem todos, claro), levou o fardo de ter apoiado um presidente golpista e viu integrantes obrigados a passar ao árido terreno da oposição. Como na casa em que falta pão todos ralham e ninguém tem razão, o ex-casal perfeito começou a brigar em público.

Agora, às vésperas de 2026, caciques do Centrão reclamam que o clã Bolsonaro quer ter uma precedência eleitoral que já não equivale à sua força. Em 2018, o bolsonarismo era um fato novo e não testado. Hoje, provado e desgastado, é minoria até no próprio partido, o PL. Em resposta, interlocutores e aliados de Eduardo Bolsonaro — atual líder do bolsonarismo selvagem — dizem que o Centrão “não tem voto”, enquanto eles teriam ao menos 20% do eleitorado.

— Que candidatos ostentam esse índice hoje? — perguntam.

No Parlamento, o Centrão sempre foi insubstituível para a sustentar qualquer governo, como sabem Fernando Collor e Dilma Rousseff, que caíram ao desdenhar esse princípio. No processo eleitoral, porém, o bloco nunca foi uma força decisiva. Agora, trabalha para ser.

São três os cenários que os caciques consideram hoje:

1) Bolsonaro, tão logo se veja obrigado a desistir da fabulação da anistia, o que deve ocorrer em novembro, indica seu apoio a Tarcísio de Freitas, e o governador aceita trocar a reeleição em São Paulo para enfrentar Lula. Nesse caso, seu nome une Centrão e bolsonarismo, numa candidatura única da oposição, é o cenário dos sonhos do bloco;

2) Eduardo, por meio de interposto candidato ou via pregação do voto nulo, abre a dissidência na direita e, assim, Tarcísio, mesmo indicado por Bolsonaro, mantém a opção por São Paulo. Nesse caso, o Centrão, como admitem dois expoentes, passa a mirar menos a vitória do que um investimento para 2030 e vai de Ratinho Junior — com ou sem a bênção de Bolsonaro. Na última semana, Ratinho conversou com dois presidentes do Centrão: Ciro Nogueira, do PP, e Antonio Rueda, do União Brasil, além de outras lideranças da federação. Valdemar Costa Neto, do PL, falou com Ratinho pai, o apresentador Carlos Massa. Popular no Nordeste, Ratão já está escalado pelo PSD, partido de Ratinho, para ser âncora do programa eleitoral do filho, cujos melhores ativos são, segundo o Centrão, o pedigree e os oito anos de governo bem avaliados no Paraná;

3) O terceiro cenário desenhado pelo bloco é aquele que um de seus presidentes chama de “50 tons da direita”. Nele, cada partido vai para um lado, com os candidatos concorrendo entre si, e o bolsonarismo “antissistema” concorrendo contra todos. É o cenário da autofagia, da derrota certa e, claro, o preferido do PT.

Dependerá de quem Bolsonaro indicar, e de como reagirá ao nome a turma de Eduardo, se o Centrão e o bolsonarismo se dirão adeus. Quaisquer que sejam o desfecho dessa relação e suas consequências para 2026, é certo que o Centrão, ou ao menos boa parte de seus integrantes, não terminará de coração partido e mãos abanando. Como mostraram agora os ministros Celso Sabino (União) e André Fufuca (PP), a fila da adesão já começou a andar. O Centrão tem amor verdadeiro pra dar e vender.

 

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