sábado, 4 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O Brasil precisa resgatar o Congresso

Por Revista Será?  

O Congresso brasileiro, instituição fundamental da democracia, descolou-se do país e virou as costas para a nação, formando uma casta com interesses próprios e sem a responsabilidade que lhe cabe de representar o povo. Deputados e senadores se curvam às exigências sociais apenas quando sentem os protestos das ruas e as pressões dos eleitores, temendo o desprezo que possa ameaçar sua permanência no poder. Sem isso, atuam prioritariamente no que lhes interessa como corporação.

A chamada “PEC da blindagem”, aprovada na Câmara dos Deputados, foi rejeitada pelo Senado porque dezenas de milhares de brasileiros saíram às ruas para manifestar sua indignação. Desmoralizada pela decisão do Senado, a Câmara apressou-se em aprovar a isenção do Imposto de Renda para brasileiros que ganham até cinco mil reais mensais, tentando melhorar sua imagem já muito maculada. Mesmo sem julgar o mérito, os brasileiros devem reconhecer que, finalmente, os parlamentares analisaram, discutiram e aprovaram um projeto de interesse nacional. A regra, contudo, tem sido um Parlamento movido pela ampliação de seus próprios poderes, pela captura de espaços no Orçamento da União e pela pavimentação do caminho para conservar os mandatos no próximo pleito.

A tirania dos oprimidos. Por Thaís Oyama

O Globo

Se não é possível dizer se ele é culpado, seria prudente exercitar contenção antes de jogá-lo aos leões

‘Ex-deputado de GO que estuprou menina de 2 anos é preso no RJ.’ Foi assim, em letras grandes e sem ressalvas, que um site da imprensa profissional referiu-se a um homem acusado pela ex-mulher de cometer o crime hediondo contra uma criança, sua própria filha. Com minúsculas diferenças, outros veículos usaram o mesmo tom e a mesma foto do já, e para sempre, desgraçado ex-deputado, ao lado do nome e sobrenome.

No meio do caminho. Por Flávia Oliveira

O Globo

Coube a Pedro Bial a fiel definição sobre a existência tão breve e, ao mesmo tempo, notável de Marceu Vieira, que morreu aos 63 anos, na última segunda-feira. Deixou na terra uma legião de viúvos, viúvas e órfãos. Presença amorosa, companhia serena, preciso na escrita, gigante no talento, Marceu foi, para os contemporâneos, referência; para os jovens, inspiração. O apresentador da TV Globo, com quem trabalhou nos últimos anos de uma vida encurtada pelo câncer, escreveu que o amigo viveu em estado de poesia. Morto, virou poema.

O livro dos mortos. Por Eduardo Affonso

O Globo

Morreu alguém relevante, torna-se quase mandatório exibir algum vínculo com o famoso que nunca soube da nossa existência

Uma das melhores coisas de usar apenas socialmente as redes sociais — além de dar uma folga aos haters, claro — é não ter de fazer o obituário de cada celebridade que “nos deixa”.

Essa é uma das leis não escritas da internet: morreu alguém relevante, torna-se quase mandatório exibir algum vínculo com o famoso que nunca soube da nossa existência — mas, depois do último suspiro, é como se fosse o padrinho que nos pegou no colo, a tia de consideração que todo Natal mandava meias de presente.

Em cada um que morre, morremos um pouco. Vai com o morto parte da nossa história, da nossa memória afetiva. Estivemos vivos juntos — nós aqui, em Coxiporé do Norte, ele lá em Los Angeles ou no Leblon. Sob o mesmo sol — nós, na canícula; ele sob um ombrelone — e respirando o mesmo ar — vá lá, a atmosfera do mesmo planeta: a nossa com o monóxido de carbono da Avenida Brasil, a dele com a lavanda da Provença. Mas a morte nos irmana.

Lula sem oposição. Por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Lula avançava para o fim do terceiro ano de mandato sem identidade positiva para o seu governo reativo, até há pouco um apagador de incêndios não raro criados ou alimentados por si. Não mais. A isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil é marco de caráter a partir do qual desenrolar – a um ano da eleição – uma agenda competitiva, cujo poder só com o tempo se conseguirá medir.

Lula, que nunca foi carta fora do baralho, tem dado as cartas. É mensagem pujante a do governo taxador das blusinhas que afinal isenta o pobre do IR. O texto está pronto e se desenvolve livremente, com fundamento na história da esquerda brasileira e favorecido pela inexistência de oposição organizada – a direita bolsonarista hegemônica de todo paralisada sob a bandeira da anistia. Lula agradece.

Sistema disfuncional. Por Miguel Reale Júnior

O Estado de S. Paulo

O presidencialismo sem freios e contrapesos redundou num sistema de irresponsabilidade, gerador de conflitos entre Poderes

A instabilidade política é um mal crônico da República. No Império, a Constituição estatuía o Poder Moderador, exclusivo do imperador, para velar pela manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes.

Com a República, desaparece o órgão estabilizador, que Rui Barbosa e Pedro Lessa entendiam ter sido substituído pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso graças à circunstância de que com a República, pelos Decretos n.º 510/90 e 848/90 e pela Constituição de 1891, atribuiu-se ao STF a competência para declarar lei ou ato do Executivo inconstitucional, podendo limitar os desvios dos demais Poderes. Outro instrumento de controle estava no habeas corpus para debelar ofensa a qualquer direito individual.

Em defesa do Supremo. Por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Em tempos bicudos, precisamos de tribunais fortes

É hora de aprofundar as reformas iniciadas por Rosa Weber e Luís Roberto Barroso

Passada a borrasca, em que o Supremo Tribunal Federal desempenhou um papel crucial na defesa da ordem constitucional, é chegada a hora de a corte aprofundar uma série de importantes reformas colocadas em marcha pelos ministros Rosa Weber e Luís Roberto Barroso. O objetivo é qualificar o processo deliberativo e reforçar o sistema de precedentes, assim como os mecanismos voltados a assegurar maior transparência e imparcialidade no STF.

Entre a paz desigual e a limpeza étnica. Por Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Os EUA retornaram, ao menos no papel, ao princípio da paz em dois Estados

Uma rejeição ao plano de paz reabriria o cenário da limpeza étnica, com o beneplácito de Trump

"O plano de 20 pontos para encerrar a guerra em Gaza é tudo com que os israelenses sonharam —ou mesmo fantasiaram. Às vezes, parece mais uma lista de exigências de Israel que compromissos diplomáticos" (Roy Schwartz, editor senior do jornal Haaretz). "Netanyahu obteve quase tudo que queria, graças a Trump" (Mohamad Bazzi, professor de jornalismo da New York University). Equivocam-se os dois: se aplicado, o plano dissolveria a utopia genocida do Grande Israel.

Se nem o filho 03 acredita em Bolsonaro, quem acredita? Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Eduardo, Michelle e Tarcísio já consideram o capitão morto politicamente

O governador de São Paulo está só dando um tempo na campanha presidencial

"Me levantarei como uma leoa para defender nossos valores conservadores, verdade e justiça." Com essa frase típica de palanque, Michelle Bolsonaro admitiu ao jornal britânico The Telegraph a possibilidade de concorrer à Presidência, em 2026. Bem avaliada nas pesquisas de intenção de voto, mais até que os filhos de Bolsonaro, com os quais não tem um bom relacionamento, a ex-primeira-dama acrescentou que, caso saia candidata, será pela "vontade de Deus".

O agro não é pop: é blindado para pagar menos imposto. Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Projeto do IR garantiu mais blindagem para o setor

O novo privilégio foi garantido pelo relator do projeto, o alagoano e pecuarista Arthur Lira (PP)

O agro não é pop. É blindado à custa do contribuinte brasileiro. A blindagem só tem aumentado graças à poderosa bancada do agronegócio no Congresso, que se agiganta num círculo vicioso em prejuízo a outros setores da economia. Quanto mais forte fica, mais consegue benesses e menos paga impostos.

O último bote ocorreu na votação na Câmara do projeto que isenta totalmente do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5.000 mensais e cria um imposto mínimo de 10% para as altas rendas.

Enigma tributário. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Pela lógica dos números, democracias deveriam sempre taxar muito pesadamente os mais ricos

Livro analisa dados de 20 países e mostra que alta progressividade é mais a exceção do que a regra

Um dos paradoxos da democracia é por que elas não levam a uma rápida e inexorável elevação da progressividade dos tributos. Democracia, ao fim e ao cabo, é uma questão de números, e há muito mais eleitores que se beneficiariam de um sistema que taxa mais vigorosamente os mais ricos do que os que por ele seriam prejudicados.

No caso do Brasil, o sistema tributário é tão regressivo que a proposta do governo que aumenta a taxação do andar de cima, que avança no Parlamento, não é muito mais do que um bom começo. A discussão, porém, é universal.

Faltam lideranças confiáveis. Por Sérgio C. Buarque

Revista Será?

Diante da indignação mundial com o massacre de Gaza pelo governo israelense e da reação de alguns países europeus favoráveis à criação de um Estado Palestino, o presidente Donald Trump apresentou esta semana um novo plano de paz para a região. De fato, a pressão internacional contra os crimes de Netanyahu cresceu tanto que a França, o Reino Unido e a Espanha se somaram aos mais de 150 países que defendem dois Estados autônomos na região. Dos cinco membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, apenas os Estados Unidos, do inominável Donald Trump, apoiam o governo de Israel e rejeitam a formação de um Estado palestino. O plano de paz que ele anunciou agora é bastante abrangente e consistente e tem merecido o apoio de grande parte da comunidade internacional, incluindo os países árabes. De acordo com a proposta, se o Hamas concordar, será instalado um cessar-fogo imediato no território, seguido da libertação de todos os reféns e do desarmamento do grupo terrorista palestino, com anistia para os seus militantes. Em contrapartida, Israel retiraria gradualmente as suas tropas no território e seria criado um conselho internacional com a responsabilidade de administrar a transição para o retorno da Autoridade Palestina a Gaza após reformas, ainda não detalhadas.

Desafios da sustentabilidade do SUS. Por Marcus Pestana

Fui convidado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para fazer a palestra de abertura do seminário “Sustentabilidade do SUS” realizado em parceria com o CONASS, CONASEMS, Instituto Rui Barbosa e IBROS. O TCU tem feito um interessante movimento ao abandonar a ótica punitivista e extemporânea e se aproximar dos gestores do sistema de saúde para diagnosticar problemas e apontar soluções.

Desenhei a agenda de desafios do SUS, 35 anos depois de seu marco fundador (a Lei 8080/1990, a Lei Orgânica da Saúde) em 5 etapas: financiamento, gestão e aumento de produtividade, incorporação tecnológica e gestão da clínica, recursos humanos e construção das redes assistenciais integradas.

Lustre na imagem. Por André Barrocal

CartaCapital

Ainda acuados pelas ruas, os deputados aprovam de forma unânime a isenção do IR para quem ganha até 5 mil reais

O Brasil, paraíso fiscal dos ricos, vai ter um sistema tributário um pouco menos injusto a partir do próximo ano. As mudanças na lei do Imposto de Renda aprovadas pelos deputados farão sobrar mais dinheiro no bolso de 15 milhões de assalariados, enquanto 141 mil endinheirados terão de pagar uma cota mínima hoje inexistente para eles. O Senado ainda precisa chancelar as mudanças, mas já havia aprovado coisa parecida uma semana antes da decisão da Câmara, daí que só uma surpresa impedirá o presidente Lula de cumprir a promessa da campanha de 2022. Uma surpresa como aquela vista entre os deputados, só que às avessas. A proposta do governo sobre o IR passou na Câmara por 493 votos a zero. Disseram “sim” até a oposição bolsonarista e a turma do tal “Centrão” sempre pronta a proteger a elite. O motivo da unanimidade? As ruas e as redes sociais.

Entre lobos, cordeiros e leões. Por Aldo Fornazieri

CartaCapital

A conduta discreta de Fachin contribui para o restabelecimento da normalidade democrática, mas o STF deve estar pronto para agir, se as circunstâncias exigirem

A troca de comando no Supremo, com Luiz Edson Fachin no lugar de Luís Roberto Barroso, nos permite não apenas discutir qual deve ser a conduta ideal de um juiz do STF, mas também o papel da Corte em relação à chamada “pacificação” ou volta à normalidade democrática do País. Na atual composição do tribunal, vemos claramente que os ministros se distinguem pela conduta: uns são discretos e outros, opiniáticos.

Adotam postura discreta o próprio ­Fachin, Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques. Os opiniáticos são Gilmar Mendes, Alexandre de ­Moraes, Flávio Dino e Luís Roberto Barroso. ­Numa faixa intermediária se colocam Cármen Lúcia, Luiz Fux e Dias Toffoli. Em regra, os discretos são cautelosos, contidos, econômicos e comedidos em manifestar opiniões fora dos autos. Já os opiniáticos são tenazes e, por vezes, ferozes na formulação de opiniões e conceitos, além de contundentes nas sentenças.

Somos ou não a Casa do Povo? Por Renan Calheiros

CartaCapital

O Congresso precisa voltar sua agenda para o interesse nacional

Fui presidente do Congresso Nacional por quatro vezes e em períodos sensíveis. Em todas as crises, mais ou menos graves, sempre coloquei o interesse público acima de tudo e priorizei a afirmação do Legislativo, sem nos divorciarmos da Constituição. Ultrapassamos muitas crises, políticas e institucionais, pelo diálogo, premissa inafastável das democracias. Tenho uma vivência como deputado e senador por Alagoas­. Já vi e ouvi coisas impensáveis. Mas nunca presenciei uma tentativa interna de impedir o livre funcionamento do Poder usando métodos de chantagem e coerção, travando as pautas da sociedade em troca de regalias indefensáveis.

Lula, Trump e 2026. Por Cristina Serra

CartaCapital

O presidente brasileiro vive o melhor momento do mandato. E conta com a experiência do Itamaraty para não cair na arapuca do norte-americano

Uma enorme expectativa foi criada em torno da possibilidade de uma reunião entre os presidentes Lula e Donald Trump, desde que este revelou, na Assembleia-Geral da ONU, que ambos haviam trocado cordialidades nos bastidores durante 39 segundos. Sem dúvida, o encontro seria um primeiro passo importante para distensionar a relação entre os dois países, depois da chantagem tarifária (associada à extinção do processo contra Jair Bolsonaro) e de todas as grosserias e mentiras ditas sobre o Brasil por Trump e alguns de seus principais assessores.

O tempo não para. Por Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back

CartaCapital

Na realidade de ficção do Economista Sabe Tudo, o gasto público concorre e expulsa o gasto privado

Eu vejo o futuro repetir o passado /
Eu vejo um museu de grandes novidades /
O tempo não para /
Não para, não, não para
(Cazuza, O Tempo Não Para)

Frequentemente, a formulação de um problema é mais essencial do que a sua solução.” (Albert Einstein)

Nas décadas de 50 e 60 do século passado, existia uma série de grande sucesso de audiência chamada Papai Sabe Tudo. No enredo do seriado, os três filhos viviam pedindo conselhos ao pai, afinal, papai sabe tudo. Nestes tempos de pensamento e solução únicas, somos obrigados a assistir à série Economista Sabe Tudo, mesmo que a audiência não entenda o que eles falam, mesmo com legendas e dublagem. E como diz a música, um museu de grandes novidades.

Na física, o princípio da impenetrabilidade da matéria demonstra que dois corpos não ocupam o mesmo espaço. Aos leigos: você pode ver com seus olhos todo o santo dia, numa estação de metrô, a multidão tentando entrar e sair ao mesmo tempo de um vagão do trem.

O papel de Lula na ONU. Por Cristovam Buarque

Veja

O presidente poderia ter dado mais ênfase à educação e à imigração

Graças a seus méritos pessoais e às especificidades do Brasil — país que de algum modo espelha as dificuldades e qualidades da civilização global contemporânea —, Lula fez um dos mais marcantes discursos proferidos na ONU. Teria sido ainda mais relevante se tivesse incluído alguns pontos que ficaram ausentes. Lembrou do papa Francisco e do ex-­presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica, que morreram neste ano. Mas poderia ter lembrado do fotógrafo Sebastião Salgado como um dos grandes humanistas de nosso tempo, também falecido em 2025, e sugerido batizar o principal auditório da COP30, em Belém, com o nome dele.

Poesia | Saudade, de Pablo Neruda

 

Música | Milton Nascimento - Bela Bela (Ferreira Gullar e Milton Nascimento)