Reforçada por julgamento marcado pelo Supremo, especulação em torno do parlamentarismo é descabida, a despeito dos méritos do sistema
Em decisão nada oportuna, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, pautou para o dia 20 de junho julgamento de uma ação que questiona a autoridade do Congresso para mudar o sistema de governo e instituir o parlamentarismo por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), sem consulta popular.
O caso chegou ao tribunal num longínquo 1997, quando o então deputado federal Jaques Wagner (PT) considerou questionável a tramitação de um projeto para substituir o presidencialismo. Quatro anos antes, em 1993, a ideia já havia sido rejeitada em plebiscito previsto pelas Disposições Transitórias da Constituição de 1988.
A rejeição foi a segunda registrada na história republicana —a primeira ocorreu em 1963, quando o sistema em vigor também foi chancelado em consulta popular.
Não é incomum no Brasil que em épocas de crise especule-se com manobras do gênero, como agora se observa. Paralelamente às movimentações de alguns congressistas, o presidente Michel Temer (MDB) tem defendido a adoção de um sistema “semipresidencialista”.
O mandatário é escoltado em seu intuito pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, que não parece sentir-se embaraçado em atropelar a discrição que sua função exige.
Quando do plebiscito de 1993, esta Folha foi favorável à adoção do parlamentarismo, sistema que considera mais funcional. Os percalços políticos enfrentados no período de redemocratização —quando dois chefes de governo, entre quatro eleitos, sofreram impeachment— reforçam tal juízo.
Um presidente investido da função de chefe de Estado seria, em tese, um fator de estabilidade, cabendo ao primeiro-ministro governar em sintonia com a maioria no Legislativo. Em caso de crise, a troca do chefe de governo poderia ocorrer de maneira mais fluente e menos traumática.
Considerar tais vantagens não leva, contudo, a propor a medida de uma hora para outra, sem que o país se mostre preparado para mudança tão complexa e profunda.
Ela implica, afinal, redesenhar todo um arcabouço institucional, o que exigiria reformas prévias, fortalecimento do sistema político e organização de uma burocracia independente e estável.
Vive-se hoje período de flagrante desprestígio do Congresso e fragmentação do quadro partidário. Não é hora de experimentos e supostas soluções mágicas.
Quanto aos caminhos que permitiriam decisão de tamanha relevância, cumpre reconhecer que a mera aprovação de uma PEC é insuficiente. Tratando-se, ademais, de tema que envolve interesses de congressistas, um plebiscito precedido de amplo debate seria indispensável para evitar casuísmos e assegurar sua legitimidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário