Valor Econômico
A parte mais difícil de conversas com o
governo americano parece sempre ainda estar por vir
Donald Trump já mostrou que, com ele, tudo é
muito incerto e pode mudar para pior. No caso do Brasil, o tarifaço de 50% no
acesso de produtos brasileiros nos EUA pode estar longe de representar o fim de
sanções vindas de Washington.
Uma das ameaças em andamento é a investigação aberta pelo USTR (agência de representação comercial americana) com base na seção 301, uma arma poderosa que dá a Trump autoridade unilateral para retaliar outros países que considerar que impõem barreiras injustas contra produtos americanos.
É o tipo da investigação arbitrária em que o
alvejado nada ganha e tem muito a perder. Empata, na melhor das hipóteses,
evitando mais estragos. O Brasil corre riscos de mais sanção até pela amplitude
da investigação, “sobre atos, políticas e práticas do Brasil relacionados ao
comércio digital e serviços de pagamento eletrônico; tarifas preferenciais
injustas; aplicação de leis anticorrupção; proteção à propriedade intelectual;
acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal”.
Renew Kansas, uma organização que diz
defender os interesses do bicombustível dos EUA, já submeteu um comentário ao
USTR pedindo eliminação de tarifa no Brasil contra o etanol americano e
defendendo imposição de medidas comerciais específicas contra produtos
originários de áreas desmatadas no Brasil, a menos que o país reforce a
fiscalização.
Alega que o Brasil tem usado “práticas de
desmatamento ilegal e acordos preferenciais em detrimento de exportadores
americanos de produtos agrícolas globalmente”. Como no mundo Maga (Make America
Great Again) vale tudo, inclusive as contradições, Renew Kansas menciona uma
nota do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) sobre um recente acordo da
China justamente para comprar soja brasileira certificada.
Para o USDA, se o Brasil produzir essa
variedade de soja especificamente desenhada para padrões chineses, sua fatia
vai aumentar, provocando redução nas compras chinesas da soja americana e de
outros produtores. Desde 2009, a fatia americana vem declinando, enquanto desde
2013 o Brasil se tornou o principal fornecedor dos chineses. Nas negociações
com a China, Trump recentemente cobrou que Pequim quadruplique a importação da
soja americana.
Outra ameaça sobre o Brasil envolve sanções
contra países que importam certos produtos da Rússia. Trump aplicou tarifa
punitiva adicional de 25% sobre a aliada Índia por causa da compra de petróleo
russo. Para o Brasil, fica a espada no ar pelo momento. Cerca de 90% das
importações brasileiras vindas da Rússia foram compostas por diesel e
fertilizantes entre janeiro e julho deste ano. A dependência do agronegócio
brasileiro é brutal: 85% do fertilizante usado no país é importado e um terço
vem da Rússia. Com sanções contra a Rússia, outros compradores também correram
atrás de outros fornecedores, como Marrocos e Canadá.
Portanto, além dos 50% de tarifa, essas duas
enormes incertezas continuarão a contaminar o ambiente de negócios Brasil-EUA.
Na investigação da seção 301, o prazo normal para sua conclusão seria de um
ano. Mas estamos sob o governo Trump, e pode ser encurtada para eventuais
sanções - a menos que, até lá, ocorram enfim negociações e o Brasil apresente
um belo pacote de concessões aos americanos.
Trump anunciou recentemente tarifas
adicionais para mais de cem países, indo de 10% a 50% (para Brasil e Índia). Mas
mesmo os acordos já feitos são incertos. O chefe do USTR, Jamieson Greer,
argumentou que “esta é uma situação em que estamos tentando controlar nosso
déficit comercial”. Isso usando medidas por uma ordem da Lei de Poderes
Econômicos de Emergência Internacional que Trump pode modificar conforme
necessário, disse ele.
Nesse cenário, um frustrado primeiro-ministro
do Japão, Shigueru Ishiba, disse a parlamentares que “em negociações como essas
[com os EUA], implementação é bem mais difícil do que alcançar um acordo”,
porque o negociado pode mudar rapidamente. E explicou, citado pelo jornal “The
Washington Post”, que “a outra parte [Trump] não é uma pessoa normal”.
O novo “sistema comercial” de Trump passa por
aumentar tarifas sobre produtos do parceiros e obter livre acesso para
mercadorias americanas. Mas tudo continua opaco, apesar de anúncios feitos pela
Casa Branca. Por exemplo, o governo Trump advertiu que os países enfrentarão
tarifas ainda maiores, o dobro ou mais das taxas normais, se seus produtores tiverem
muito conteúdo de “economias não de mercado” como a China. Mas até agora não
publicou quanto de conteúdo chinês tornaria os produtos puníveis com alíquotas
mais altas.
Outras interpretações de concessões sinalizam
problemas à frente. Trump anunciou, por exemplo, que obteve dos japoneses
praticamente um cheque de US$ 550 bilhões, “que é nosso dinheiro para investir
como quisermos”. Já o primeiro-ministro japonês insiste que o acerto foi de
oferecer o montante em empréstimos ou garantias, mas que não pode forçar
empresas japonesas a investirem nos EUA.
A Suíça, que representa os interesses dos EUA
em Cuba e no Irã, descobriu tarde demais que um acordo esboçado com
negociadores americanos, pelo qual esperava tarifa de 10%, não valia nada.
Trump elevou a taxa para 39%. Os suíços até agora tentam entender como ele
chegou a essa cifra.
A parte mais difícil de conversas com a
administração Trump parece sempre ainda estar por vir.
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