Por seu turno, o maior antropólogo europeu de sua época, o sempre reverenciado Claude Lévi-Strauss, estudou Filosofia na juventude e militou durante anos a fio em uma organização política que se inspirava no ideário marxista, chegando a ser secretário-geral da Juventude Socialista. E começou a vida escrevendo para jornais e revistas. Sua obra Tristes Trópicos, publicada em meados do século passado, se alinha entre as reflexões mais importantes do século XX. Foi o grande responsável, na Europa, pelo reconhecimento das culturas indígenas das Américas.
O francês André
Malraux, escritor celebrado por suas qualidades artísticas ímpares, foi
Ministro da Cultura de seu país na saída da Segunda Guerra, integrando o
Governo De Gaulle. Teve uma vida de aventura. Atuou com os comunistas
vietnamitas e cambojanos na antiga Indochina, lutou na Guerra Civil Espanhola
contra as tropas de Francisco Franco e foi um resistente respeitadíssimo na
França ocupada. Malraux não completou sequer o segundo grau do Ensino Médio.
Escreveu obras clássicas, como A condição humana e A
esperança. Conviveu com alguns dos maiores intelectuais do seu tempo,
como Albert Camus, Jean-Paul Sartre e Oscar Niemeyer.
Jean Giono,
francês de origem italiana, se notabilizou por seu posicionamento humanista e
pacifista. Ferido duas vezes durante a primeira Guerra Mundial, dedicou sua
vida, dali em diante, à luta pela paz. De origem humilde, filho de um sapateiro
e de uma lavadeira, Giono sequer completou os estudos secundários. Mas nem por
isso deixou de se tornar um dos maiores escritores do seu tempo. Sua obra O
homem que plantava árvores, um verdadeiro hino ecológico escrito em 1953, é
um dos mais belos livros que alguém possa ler na vida.
Nascido na
Argentina em 1911, Ernesto Sabato estudou física, abandonando em pouco tempo o
professorado e as pesquisas. Também ele se envolveu com o ideário marxista,
chegando a morar em Moscou nos anos 30, na condição de secretário-geral da
Juventude Comunista da Argentina. Foi delegado ao importante Congresso contra o
Fascismo e a Guerra, realizado em 1934, em Bruxelas, na Bélgica. Jorge Amado
escreveu em sua casa, nos arredores de Buenos Aires, a vida romanceada de Luiz
Carlos Prestes, O Cavaleiro da Esperança. Sabato presidiu a
Comissão Nacional Sobre o Desaparecimento de Pessoas, por indicação direta do
presidente Raúl Alfonsín, na saída da ditadura militar da Argentina e nunca
aceitou ter sequer um guarda-costas durante o todo período em que apurou os
numerosos crimes cometidos pelos golpistas. Escreveu o romance O túnel,
o ensaio Heterodoxia e o livro de memórias Antes do
fim. Recebeu o importante Prêmio Cervantes, em 1984, e costumava dizer que
foi salvo pela Literatura, após uma profunda crise existencial.
A história de vida
de Albert Camus tem alguns pontos de encontro com aquela de Ernesto Sabato. Ele
também abandonou a profissão de professor em prol da Literatura e do
jornalismo. E foi como jornalista que integrou a Resistência contra os nazistas
na França. Foi do célebre jornal Combat. Camus nasceu na Argélia,
em uma família humilde. Sua mãe era lavadeira e ele perdeu o pai muito cedo, na
Primeira Guerra. Chegou a ingressar, ainda em Argel, no Partido Comunista.
Camus é o autor de um relato pessimista, O estrangeiro. O livro beira o
óbvio. Sem, contudo, ser banal. Longe disso. E, a rigor, esse nem é,
propriamente, o problema do relato de Camus. Pelo contrário: só os sábios, a
meu juízo, enxergam o óbvio. De toda forma, o fato é que O estrangeiro é
um livro inquieto, quase irreal (e, nesse sentido, desfaz a própria impressão
de óbvio, gerando um efeito contrário). É um livro que provoca no leitor uma
profunda estranheza. Ilustra o propósito corajoso do filósofo Alain, quando diz
que “o caminhar natural do pensamento vai sempre no sentido do sentimento à
ideia...” Outra grande obra sua foi A Peste. Albert Camus recebeu o
Prêmio Nobel de Literatura.
Jacques Prévert, o
estupendo escritor e cineasta francês deixou nada menos do que 30 livros, 55
filmes e exatas 543 canções: e produziu tudo isso com apenas o diploma de
estudos primários, concluído em 1911. Prévert conheceu a nata da
intelectualidade e dos artistas modernos, a começar por Pablo Picasso, Louis
Aragon, Simone de Beauvoir, Paul Éluard e Alberto Giacometti. Morou em Moscou,
Istambul...Meio anarquista, meio marxista, era um homem de muita coragem: certa
vez, teve que esvaziar uma documentação em um esconderijo da Resistência
francesa em um prédio de Paris. À saída, ele se deparou com um soldado nazista
na portaria e não se fez de rogado: puxa um cigarro do bolso e pede fogo ao
sujeito, que nada desconfia. Jacques Prévert morreu em 1977, dois meses após
completar 77 anos. Nasceu com o século.
É possível que
poucos conheçam Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, porém quase todo mundo
conhece Pablo Neruda, seu pseudônimo literário. Nascido em uma região afastada
da capital chilena, Santiago, Neruda era filho de um ferroviário. Tornou-se
poeta aos 13 anos de idade. Engajado, foi senador pelo Partido Comunista e
conheceu a dor do exílio. O seu livro Vinte poemas de amor e uma canção
desesperada é uma das grandes obras literárias de todos os tempos.
Hoje, vai se consolidando a ideia de que o poeta foi envenenado a mando do
general Augusto Pinochet, traficante de armas e ditador chileno (eu deixo a
critério do leitor escolher a ordem). Seu enterro, apesar de proibido pelas
autoridades golpistas, foi acompanhado por milhares de pessoas. Pablo Neruda
recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, em 1971, e o presidente Salvador Allende
o recepcionou em Santiago pela honraria.
Filho de
camponeses, combatente comunista que passou três anos na cadeia sob a ditadura
fascista de Benito Mussolini, Cesare Pavese é autor de uma verdadeira
obra-prima: Ofício de viver: Diário. São quinze anos de uma vida
das mais agitadas no decorrer do século XX. Pavese é um dos escritores que mais
me impressionaram ao longo da vida. Seu Ofício de viver: diário é
frequentemente arrolado entre as dez obras mais significativas da Literatura
italiana, sabidamente uma das literaturas mais extraordinárias do mundo.
O norte-americano
Ernest Hemingway apenas completou o ensino médio e enveredou pelo jornalismo.
Era uma força da natureza. Conviveu em Paris com a nata da cultura
internacional nos célebres anos 20. Acompanhou a Guerra Civil Espanhola como
correspondente de guerra, esteve na África, casou-se quatro vezes e viveu em
Cuba no período da tomada do poder por Fidel Castro e seus guerrilheiros. Autor
de obras clássicas da Literatura mundial, como O velho e o mar e Por
quem os sinos dobram. Foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em
1954.
O português José
Saramago nasceu em uma família camponesa. Quando ia visitar seus avós, estes, antes
de partirem para o trabalho, preparavam “um bocado de pão de milho e um punhado
de azeitonas e figos secos no alforge” do menino José, que os acompanhava em
seguida para o campo. Saramago aprendeu a ler aos 14 anos e comprou seu
primeiro livro aos 19. Nada disso o impediu de escrever obras magistrais
como Memorial do Convento e Viagem a Portugal,
fundamentais para que ganhasse o Prêmio Nobel de Literatura em 1998.
O brasileiríssimo
Ferreira Gullar fez de tudo um pouco na vida. Nascido na periferia de São Luís,
no Maranhão, foi radialista, ator, dramaturgo, jornalista, cronista, secretário
de Cultura, presidente da Funarte, ensaísta, escritor, crítico de Arte e, acima
de tudo, poeta. Itamar Franco chegou a sondá-lo para ser ministro da Cultura,
mas Gullar preferiu permanecer no Rio de Janeiro, onde assumiria a direção da
Funarte. Sem nunca ter posto os pés em uma Universidade, recebeu o Prêmio
Camões e esteve cotado, durante anos, para ser agraciado com o Prêmio Nobel de
Literatura. Preso pela ditadura militar, exilado de sua terra por quase sete
anos, Ferreira Gullar é o autor de Poema Sujo, provavelmente o
texto mais denso da poesia brasileira no decorrer do século XX – a sua Canção
do Exílio.
A história de
Maxime também me parece exemplar. Jovem e promissor estudante de Direito, ele
foi escolhido para, aos 17 anos de idade somente, deitar ladainha sobre os seus
conhecimentos jurídicos diante de ninguém menos do que Luís XVI, o rei de
França. Maxime passou de pacato advogado de província a aguerrido
revolucionário num pulo só, pode-se dizer. E ainda por cima mandou cortar a
cabeça daquele mesmo rei Luís XVI que conhecera em outros tempos, ainda nos
bancos escolares. Ou seja, Maxime virou Robespierre sem fazer cursinho de
revolução no Quartier Latin da época.
Nem mesmo o maior
nome da Santa Madre Igreja, pelo menos aquele que mais se aproximou do ideário
de Jesus Cristo, São Francisco de Assis, um homem nascido numa rica família de
comerciantes e que fizera votos de pobreza eterna e mais absoluta, era um
sacerdote no sentido pleno. O Poverello era apenas um humilde
diácono. Mas mudou os rumos da Igreja.
Moral da História:
nada ensina mais do que a própria vida.
*Ivan Alves Filho, historiador
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