terça-feira, 23 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Reconhecimento da Palestina é gesto relevante, mas inócuo

Por O Globo

Movimento mundial resulta de isolamento diplomático de Israel, porém não deverá ter efeito prático

Reino Unido, França, Canadá, Austrália, Bélgica e Portugal reconheceram nos últimos dias o Estado da Palestina — posição adotada pelo Brasil desde 2010. Com isso, passa de 150 o total de países que formalizaram o reconhecimento. No último dia 12, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por ampla maioria de 142 votos a favor e apenas 10 contrários (com 12 abstenções) uma resolução conclamando a comunidade internacional a dar “passos tangíveis” e “irreversíveis” para a implementação da solução de dois Estados, Israel e Palestina, convivendo lado a lado em paz, na região hoje palco de guerra brutal.

O movimento em prol do reconhecimento da Palestina é reflexo do isolamento diplomático inédito de Israel, de consequências ainda imprevisíveis. Resulta da campanha militar sangrenta promovida pelo governo Benjamin Netanyahu na Faixa de Gaza contra o grupo terrorista Hamas depois dos ataques bárbaros de 7 de outubro de 2023. Trata-se de gesto simbólico relevante, cuja intenção imediata é pressionar Netanyahu a recuar nos planos de ocupar Gaza e a aceitar um cessar-fogo no conflito que já matou dezenas de milhares de civis palestinos. Na prática, porém, tem tudo para ser inócuo.

É verdade que a solução de dois Estados é a única esperança de paz na região. Ela foi esboçada nos Acordos de Oslo, de 1993, que deram origem à Autoridade Palestina como embrião de um futuro Estado em Gaza e na Cisjordânia. A ideia foi perdendo ímpeto com o tempo. Todas as tentativas para colocá-la em prática fracassaram. Sucessivos governos israelenses mantiveram a política de erguer colônias na Cisjordânia. As negociações foram abandonadas por lideranças palestinas duas vezes, em 1999 e 2008, abrindo espaço para que, dos dois lados, subissem ao poder grupos contrários ao reconhecimento mútuo e a qualquer acordo.

O governo de Gaza foi tomado pelos terroristas do Hamas, cujo objetivo — expresso em atos e palavras — é destruir Israel. Em Israel, Netanyahu já declarou repetidas vezes oposição ao Estado palestino, e extremistas de sua coalizão querem anexar Gaza e Cisjordânia. As dificuldades não param aí. De ambos os lados, onde antes havia maiorias favoráveis aos dois Estados, hoje a oposição é alcança nível suficiente para tornar a solução inviável.

A articulação pelo reconhecimento da Palestina, capitaneada por França e Arábia Saudita, enfatiza que o Hamas não deverá ter nenhum espaço no futuro Estado palestino. Nada mais sensato. Mas não há uma proposta eficaz para se livrar do grupo terrorista. Mesmo vozes israelenses moderadas encaram o movimento como favorável ao Hamas, pois os terroristas terão obtido uma concessão que grandes democracias ocidentais reservavam para o momento de um acordo de paz com condição de ser implementado na prática. O risco evidente é o governo Netanyahu decidir, em resposta, anexar Gaza e 82% da Cisjordânia, como defendem seus ministros intransigentes, para “enterrar a ideia” do Estado palestino.

O sofrimento da população palestina, sobretudo em Gaza, infelizmente não diminuirá com o reconhecimento. A complexidade do conflito continua a desafiar soluções simplistas ou performáticas. É fato que nunca o Estado palestino foi tão necessário e nunca reuniu consenso internacional tão abrangente. Mas, paradoxalmente, nunca esteve tão distante da realidade.

Proteger agentes que combatem crime organizado é desafio para o Brasil

Por O Globo

Assassinato de ex-delegado suscitou projetos para suprir lacuna. Exemplos mundiais podem servir de inspiração

Está evidente que, diante do estágio a que chegou o crime organizado no Brasil, o país está atrasado na proteção a autoridades da polícia, do Judiciário e do Ministério Público. O assassinato do ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo Ruy Ferraz Fontes demonstra que mesmo profissionais aposentados precisam de proteção. Quando atuava na polícia, Ferraz se dedicou a combater com afinco o Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção criminosa brasileira. Era secretário de Administração da Prefeitura de Praia Grande, no litoral paulista, e foi alvejado no fim da tarde enquanto dirigia. “Eu vivo sozinho aqui, é no meio deles [PCC]. Se eu fosse um policial da ativa, estava pouco me importando, teria estrutura para me proteger. Hoje, não tenho estrutura nenhuma”, disse dias antes de ser assassinado em entrevista ao GLOBO e à rádio CBN.

O assassinato levou à apresentação de pelo menos cinco propostas legislativas na Assembleia Legislativa de São Paulo tratando da proteção às autoridades. Na Câmara, espera votação em plenário um Projeto de Lei aprovado pelo Senado, do senador Sergio Moro (União-PR), prevendo proteção também a agentes aposentados e familiares. O Ministério da Justiça prepara-se para enviar sua proposta ao Congresso. É claro que não se pode colocar um exército dedicado a proteger todos aqueles que um dia combateram o crime organizado. Mas não faltam ideias nem experiências internacionais para inspirar os legisladores.

A mais consolidada vem da Itália. A explosão de carros-bomba que matou, em 1992, os juízes Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, em Palermo, Sicília, levou o Estado italiano a reforçar a segurança pessoal de juízes e procuradores. Criou-se um organismo específico para enfrentar o crime organizado, a Direzione Nazionale Antimafia (DNA), endurecendo o regime de prisão dos chefes de máfias. Também foi criada a figura do “juiz sem rosto”, para protegê-los de vinganças. Tal método também foi adotado pela Colômbia no tempo da guerra contra os cartéis de Medellín e Cali e no enfrentamento às Farc. Em ambos os países, o anonimato dos juízes foi revogado, depois de sucumbir a críticas, mas não deve deixar de ser considerado. A Espanha também criou estruturas e protocolos de proteção a autoridades, mesmo aposentadas, envolvidas no combate à organização terrorista basca ETA, dos anos 1970 aos 1990.

Os exemplos externos podem ajudar a encontrar uma solução que, sem onerar de modo exagerado a estrutura de policiamento, funcione no Brasil. Por aqui, o Conselho Nacional do Ministério Público já baixou resoluções com permissão para proteção a autoridades, e há no Rio de Janeiro oito servidores aposentados que se beneficiam de escoltas. É um programa que pode inspirar outros estados. Será, porém, cada vez mais necessária uma política federal estruturada com essa finalidade.

Agenda negativa da direita tira a esquerda das cordas

Por Folha de S. Paulo

Oposição se afasta da moderação e dá fôlego a Lula, como indicam manifestações de domingo

Segundo o Datafolha, 54% dos brasileiros aptos a votar declararam ser contrários à anistia; deve-se temer debate eleitoral indigente

PT decerto não tem grande autoridade para liderar manifestações populares contra a impunidade, seja devido aos escândalos de corrupção em administrações passadas, cujos personagens ainda são celebrados pela sigla, seja porque parcela relevante de seus deputados ajudou a aprovar a vergonhosa PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados.

Mesmo assim, com as adesões maciças de partidos de direita e centro-direita à infâmia, mais o apoio despudorado da oposição à anistia para Jair Bolsonaro (PL) e demais condenados por tramar um golpe de Estado, a esquerda ganhou fôlego para voltar a encher ruas com atos promovidos no domingo (21) nas 26 capitais estaduais e em Brasília.

Nas metrópoles mais populosas, São Paulo e Rio de Janeiro, os protestos atraíram público similar ao reunido pelo bolsonarismo no 7 de Setembro —em torno de 40 mil pessoas em cada local e ocasião, de acordo com levantamento de especialistas da USP.

Trata-se de mais um alento político ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que estava nas cordas até há menos de dois meses em meio a baixa popularidade, impactos da má gestão da economia e a perspectiva de uma CPI para investigar descontos fraudulentos nos benefícios do INSS.

No início de agosto, o petista ganhou a oportunidade de liderar a defesa do país ante uma agressão estrangeira —o tarifaço aplicado por Donald Trump numa tentativa patética de chantagear as instituições encarregadas de processar e julgar Bolsonaro. De lá para cá, a aprovação ao governo subiu de 29% para 33%, conforme pesquisas do Datafolha.

A situação de Lula está longe de ser confortável, já que a reprovação a seu desempenho chega aos 38%. Mas seus adversários o ajudam graciosamente ao se afastarem da moderação e abraçarem a agenda tóxica bolsonarista.

Ainda segundo o Datafolha, 54% dos brasileiros aptos a votar declararam neste mês ser contrários à anistia; no final de julho, 61% disseram que não votariam em candidato que prometesse perdão a Bolsonaro —como faz o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), aposta do centrão para herdar os votos do ex-presidente na disputa pelo Planalto no próximo ano.

É espantoso que, faltando tão pouco tempo para a campanha eleitoral, a pauta da direita brasileira se concentre nesse cortejo indecoroso ao golpismo e à impunidade. O discurso moralizador, a esta altura, está desmoralizado; nada se apresentou até aqui em ideias inovadoras para a economia, a educação, a saúde e a segurança pública capazes de ir além das bolhas ideológicas.

Nessa toada, deve-se temer mais um pleito presidencial de debate indigente. O país estará encalacrado em uma grave crise orçamentária que exige desde já planejamento e reformas difíceis, mas esses não são temas que hoje interessem às principais forças políticas nacionais. A depender delas, ao que parece, não sairemos da inércia da polarização.

Há jovens demais sem estudo nem emprego

Por Folha de S. Paulo

Taxa de brasileiros entre 18 e 24 anos nessa situação cai de 30% para 24% em cinco anos, mas ainda é alta

É preciso expandir o ensino técnico; a proporção de alunos que cursam a modalidade no ensino médio no Brasil é de apenas 14%, ante 44% na OCDE

Jovens que não estudam nem trabalham, os chamados "nem-nem", são sintoma de um sistema de ensino precarizado e desconectado do setor produtivo. A boa notícia é que o Brasil melhorou nesse indicador desde a pandemia; a má é que a sua taxa ainda está alta.

Segundo o Education at a Glance 2025, relatório da OCDE divulgado na terça (9), 24% dos brasileiros entre 18 e 24 estavam em tal situação em 2024 —queda de 6 pontos percentuais desde 2019.

Entre as 41 nações avaliadas, foi a que mostrou a segunda maior redução, já que na Itália a variação foi de 8 pontos. Mesmo assim, temos a quarta maior taxa, abaixo só de Colômbia (27%), Costa Rica (31%) e África do Sul (48%). A média da OCDE, que reúne países desenvolvidos, é de 14%. Somos superados pelos vizinhos Peru (21%) e Chile (20%).

Uma das formas lidar com o problema se dá por meio do VET (vocational education and training), programas de educação profissionalizante no ensino médio que podem envolver parcerias entre escolas e empresas para a formação do alunado e a contratação de aprendizes.

O Education at a Glance 2025 indica que, no Brasil, houve ampliação do VET a partir do processo de reforma do ensino médio nos últimos anos, que incorporou o ensino técnico, acompanhado por flexibilidade no currículo, nessa etapa da educação básica.

Mas, segundo o relatório, há disparidades entre estados e municípios, e a taxa brasileira de alunos em programas do tipo VET no ensino médio ainda é baixa, só 14%, ante 44% na média da OCDE.

O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 estipulou que, em dez anos, o número de matriculas no ensino técnico realizado na última etapa da educação básica deveria triplicar até cerca de 4,8 milhões. Contudo, de acordo com o último Censo Escolar, foram apenas 2,4 milhões em 2024.

A inatividade pode causar problemas como ansiedade e depressão. Ademais, a demora para entrar no mercado de trabalho tende a afetar a empregabilidade futura, já que reduz as chances de obter experiência profissional e habilidades interpessoais.

Como saída, resta apenas o emprego informal ou precarizado, com baixos salários, limitando os potenciais dos indivíduos e o desenvolvimento da economia.

Estados precisam perseverar na melhoria da aprendizagem, na redução da evasão e na expansão da educação profissionalizante, inclusive por meio de parcerias com a iniciativa privada. A escola deve estar conectada ao mercado, para que o estudo também resulte em trabalho e renda.

Gastos das prefeituras precisam de mais controle e racionalidade

Por Valor Econômico

São positivas as proposta da reforma administrativa, relatada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), para disciplinar os gastos das prefeituras em geral, em especial as mais dependentes de receitas alheias

Os municípios melhoraram sua gestão fiscal em 2024, favorecidos por uma rara abundância de recursos e de transferências que lhes permitiram reduzir gastos em relação a receitas e aumentar bastante os investimentos. O Indice Firjan de Gestão Fiscal, com dados de 5.129 municípios, mostrou que a média de avaliação foi a melhor da já obtida desde 2013. Os bons números, porém, não escondem deficiências. Mesmo com aumentos de recursos, tiveram déficit de 0,3% do PIB no ano passado e tendem a ficar no vermelho também no ano corrente.

As estatísticas elaboradas pela Firjan corroboram as tendências de outros estudos que indicam que os municípios receberam mais dinheiro do que em qualquer momento das duas últimas décadas. Com a economia brasileira crescendo 3% ao ano no último triênio, o que não ocorria há dez anos, a maior atividade trouxe necessariamente maior arrecadação própria, em muitos casos, e maiores transferências da União e Estados, cujas receitas também se ampliaram. Mas as prefeituras tiveram um empurrão expressivo a mais das transferências, voluntárias ou não.

Entre 2019 e 2024, recursos destinados ao Fundo de Participação dos Municípios tiveram aumento de R$ 120 bilhões para R$ 177 bilhões. As emendas parlamentares destinadas a prefeituras passaram de R$ 10,4 bilhões para R$ 31,2 bilhões. Os aportes federais do Fundeb avançaram de R$ 48 bilhões para R$ 87 bilhões. As receitas brutas cresceram muito e velozmente. Segundo o estudo, em 2022, deram um salto de 20,7%, em 2023, mais 5,6% e em 2024, outros 11,1%.

O aumento da fatia do bolo de recursos fiscais para as prefeituras e, em menor proporção, para os Estados já havia sido detectado pelos economistas Manoel Pires e Bráulio Borges, do Ibre, que batizaram a tendência de "descentralização fiscal silenciosa" (Valor, 7-3). Eles calcularam que em 2024 a média de transferência para os governos subnacionais, de 3,7% do PIB entre 2006 e 2010, foi 0,7% do PIB maior em 2024. Os Estados foram beneficiados, mas a partir de 2023 as prefeituras levaram vantagem. Seus gastos aumentaram 52% em termos reais desde 2022. Junto com Estados, dispenderam mais que a União no ano passado. Até o último trimestre do ano, as despesas médias trimestrais de ambos governos estaduais e municipais foi de R$ 643,2 bilhões, em comparação com R$ 495 bilhões da União. De 2021 até o ano passado, houve avanço de 31,3% real nos gastos.

Com mais recursos, os indicadores fiscais melhoraram para a maioria dos municípios, como seria de se esperar. Quase dois terços deles (64%) foram considerados, no quesito liquidez (dinheiro em caixa para cobrir obrigações financeiras de curto prazo), em boa ou excelente situação. Ainda assim, havia 413 prefeituras (8,1% do total) que estavam no "cheque especial", segundo Jonathas Goulart, gerente de estudos econômicos da Firjan.

Mais recursos fizeram com que o percentual de comprometimento das receitas com gastos de pessoal recuassem abaixo do limite de alerta de 54% da receita corrente líquida. Isso não significa que os municípios, de maneira geral, tenham sido comedidos nos gastos do pessoal, que avançaram 29,1% além da inflação entre 2019 e 2024. Ou seja, em período de bonança, como no passado, usaram parcela relevante dos recursos para ampliar despesas permanentes, que pesarão nos períodos em que as receitas forem menos generosas ou cadentes — e a economia deve desacelerar a partir de agora. Por outro lado, e sem desprezar os interesses políticos em ano de eleições, os municípios investiram R$ 120 bilhões em 2024, e realizaram 60% dos total de investimentos públicos.

Um contingente-problema são os municipios em situação crítica, nos quais as receitas próprias (ISS, IPTU e outros) não são suficientes sequer para custear as despesas da prefeitura e do Legislativo local. Na dependência total de repasses, estavam 1282 cidades. É uma herança do passado: mais por razões políticas que econômicas, foram criados após a Constituição de 1988 cerca de 1,6 mil municípios, e a maior parte deles só subsiste em razão de repasses.

O ciclo de prosperidade pode terminar, mas os municípios se livraram de despesas obrigatórias relevantes, como o limite para pagamento de precatórios e a renegociação por 25 anos dos débitos previdenciários. Terão mais dinheiro em caixa para gastar, e provavelmente o farão da forma como o fizeram até agora. Por isso são positivas as proposta da reforma administrativa, relatada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), para disciplinar os gastos das prefeituras em geral, em especial as mais dependentes de receitas alheias. O projeto quer limitar o número de secretarias e salários de prefeitos, tendo como critério a população do município e sua capacidade de arrecadação. O projeto afeta, entre outras coisas, o potencial de oferta de empregos públicos por caciques de feudos políticos locais em que muitas vezes são os melhores salários disponíveis na região. É um obstáculo político sério, em uma disputa que vale a pena. É um princípio elementar que os gastos de prefeituras sejam compatíveis com a realidade das finanças públicas locais.

As ruas mandam um recado ao Congresso

Por O Estado de S. Paulo

Protestos mostram que os cidadãos se dispõem a ir às ruas quando se trata de defender não a agenda de um partido, mas os princípios da vida democrática, ameaçados por políticos oportunistas

Milhares de pessoas foram às ruas no domingo passado para dizer um “basta” ao alheamento do Congresso à realidade do País. Em todas as capitais, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, cidadãos protestaram contra dois símbolos recentes da degradação da representação política: a aprovação, pela Câmara, da chamada PEC da Bandidagem, que visa a blindar parlamentares de investigações criminais, e a concessão de anistia “ampla, geral e irrestrita” a Jair Bolsonaro e outros golpistas condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O Monitor do Debate Político da USP, que tem metodologia própria, calculou que 42,4 mil pessoas ocuparam cerca de quatro quarteirões da Avenida Paulista e que 41,8 mil encheram a orla de Copacabana. Como se viu, foram mobilizações muito próximas, em escala, daquelas arregimentadas pelo bolsonarismo no Sete de Setembro, mas com pautas diametralmente opostas. Se na data nacional o objetivo dos manifestantes era pressionar o STF pela impunidade de Bolsonaro e seus cúmplices na trama golpista, além de clamar por intervenção dos EUA – inclusive militar – no curso do julgamento, no dia 21 passado a mensagem foi um sonoro “não” à criação de uma casta de mandatários acima da lei e ao perdão a quem ousou atentar contra a ordem constitucional democrática.

Isso mostra, como primeiro ponto de destaque, que Bolsonaro, nos estertores de sua relevância política, não é mais o senhor das ruas do País. Nos últimos anos, o ex-presidente exerceu com habilidade o protagonismo da mobilização popular, papel outrora desempenhado com igual força e presença por sua nêmesis, Lula da Silva. Mas algo abalou as estruturas da política nacional, levando às ruas um contingente de cidadãos não necessariamente aferrados às agendas de um ou outro polo. Ao que tudo indica, a indignação popular com a defesa explícita da impunidade – seja para parlamentares, seja para golpistas – parece ter despertado um movimento político mais amplo, que não se confunde com a estrita militância partidária.

É um erro, portanto, reduzir as manifestações de domingo a um triunfo da esquerda, menos ainda do PT. A esquerda, sozinha, mal é capaz de levar meia dúzia de gatos-pingados às ruas, como restou evidente no constrangedor ato pelo Dia do Trabalho no ano passado, no qual a presença de Lula só acentuou o vexame da ausência de povo. O PT tampouco tem legitimidade para tremular a bandeira da moralidade pública depois dos escândalos de corrupção que marcaram os governos lulopetistas. Logo, os protestos de domingo só ganharam corpo porque, obviamente, extrapolaram as trincheiras ideológicas e atraíram cidadãos inconformados com o divórcio entre o Congresso e a sociedade, marcado pelo desabrido desrespeito aos valores republicanos, a começar pela igualdade de todos perante a lei.

Não é de agora que o Legislativo mostra afastamento dos reais interesses da população, capturado que está por uma agenda corporativista em torno das emendas ao Orçamento e dos mais mirabolantes mecanismos de autoproteção de seus membros contra a apuração de desvios desses recursos. Mas raramente essa separação ficou tão evidente. A insistência em alçar parlamentares à condição de inimputáveis e o tempo que muitos no Congresso dedicam à agenda de um clã criminoso como o de Bolsonaro, decerto esperando que a subserviência renda votos, demonstram a captura de parte considerável do Legislativo por interesses que nem remotamente passam perto do bem comum. No domingo, ficou claro que muitos cidadãos não toleram isso.

De melhor, extrai-se que as manifestações contra a PEC da Bandidagem e a anistia aos golpistas evidenciaram que a sociedade brasileira não está anestesiada nem as ruas são cativas do bolsonarismo. Uma parcela expressiva da população mostrou disposição para sair de casa em defesa da Constituição e contra a supremacia de uma cultura de privilégios que parece dominar a política nacional. É claro que Lula e o PT, oportunistas que são, vão tentar tirar uma casquinha dos atos, mas todos sabem que o lulopetismo, aquele que protagonizou o mensalão e o petrolão, não tem nada a ver com a defesa da integridade das instituições republicanas.

Jovem Aprendiz é bom, mas pode melhorar

Por O Estado de S. Paulo

Pesquisa mostra que o programa para inserção profissional de jovens aumenta a empregabilidade e a renda, mas a adesão de empresas ainda é baixa, além de regionalmente concentrada

Criado há 25 anos, o Jovem Aprendiz, programa que busca promover a inserção profissional de jovens, tem efeitos positivos na empregabilidade e na renda futuras dos participantes, segundo publicação recente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS). Ou seja, é uma política pública que funciona.

A análise do IMDS focou nos primeiros participantes do programa, pessoas nascidas entre 1985 e 1988 e que, portanto, tinham entre 15 e 17 anos quando o marco legal do Jovem Aprendiz, a Lei n.º 10.097, estava em vigor em sua primeira formulação. Atualmente, o programa destina-se a pessoas entre 14 e 24 anos, mas, quando foi lançado, a idade máxima de participação era limitada a 18 anos.

Além de comparar o grupo dos primeiros participantes ao de pessoas nascidas entre 1982 e 1984, jovens quando a Lei de Aprendizagem não existia, os autores também traçaram comparações regionais, já que a lei infelizmente não “pegou” da mesma forma em todo o País.

De acordo com a nota técnica Programa Jovem Aprendiz, Empregabilidade e Renda Formal do Trabalho: Uma Análise das Primeiras Gerações Expostas à Lei da Aprendizagem de 2000, passar pelo programa aumentou de 7 a 10 pontos porcentuais a probabilidade de os participantes se inserirem no mercado formal de trabalho, além de uma renda entre 24% a 35% maior quando essas pessoas têm entre 25 e 29 anos. Isso nas regiões que os autores classificam como “mais afetadas pela lei”.

Apesar do impacto positivo na vida dos participantes, e de ser uma obrigação legal para empresas com mais de sete funcionários – companhias de médio e grande porte devem destinar um mínimo de 5% de suas vagas a aprendizes (o máximo é de 15%) –, as contratações por meio da modalidade não são cumpridas por todas as empresas, mesmo sob o risco de multa.

A falta de informação sobre o Jovem Aprendiz é um dos motivos que fazem com que as empresas não explorem plenamente o potencial do programa.

Pelas regras da modalidade, os contratos dos aprendizes têm duração máxima de dois anos. A carga horária é de quatro a seis horas por dia para jovens que ainda estão no ensino fundamental ou médio, enquanto para os que não estão estudando pode chegar a oito horas diárias (período que deve incluir, porém, o tempo de formação teórica exigido pelo programa).

A remuneração dos jovens em formação é proporcional à carga horária e vinculada ao salário mínimo. Além disso, eles têm direito a férias, 13.º salário e outros benefícios previstos em lei, tais como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). No caso desse último, porém, a alíquota recolhida pelas empresas é de 2% – para funcionários em regime CLT integral, a alíquota é de 8%.

Enquanto muitas empresas desconhecem tais critérios, há também aquelas que privilegiam a contratação de funcionários já experientes, o que é compreensível. Mas considerando-se as deficiências na formação educacional e profissional no Brasil, a contratação de jovens inexperientes pode ser vantajosa para o empregador, que pode assim desenvolver talentos por meio do Jovem Aprendiz e posteriormente absorvê-los como funcionários formais por prazo indeterminado.

Também é importante ter em mente as mudanças demográficas em curso no País. À medida que as taxas de natalidade caem e a população envelhece, o treinamento de jovens talentos faz-se cada vez mais necessário, sob o risco de que não haja reposição dos profissionais prestes a se aposentar por outros minimamente qualificados.

Por fim, em um país sabidamente desigual como o nosso, ainda é preciso que programas como o Jovem Aprendiz ganhem tração em regiões como o Norte e o Nordeste, as menos desenvolvidas do Brasil e que, por isso mesmo, precisam que seus jovens tenham oportunidades de ampliar seus conhecimentos e chances de empregabilidade.

Como demonstra a nota técnica do IMDS, o Jovem Aprendiz é uma política pública que funciona bem para os contratados. Do lado das empresas, é preciso que o governo redobre os esforços, de modo que elas estejam mais bem informadas sobre o programa, que pode lhes garantir funcionários capacitados e dedicados por muitos anos, já que o Jovem Aprendiz é um meio, não um fim.

Inovação ‘made in China’

Por O Estado de S. Paulo

China passa Alemanha e torna-se o décimo país mais inovador do mundo; Brasil é só o 52.º

A China ultrapassou a Alemanha e entrou, pela primeira vez, no top 10 do ranking dos países mais inovadores do mundo, conhecido como Índice Global de Inovação (GII, na sigla em inglês). O indicador é compilado e divulgado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), uma das agências da ONU.

Em 2024, o gigante asiático foi o décimo país mais inovador do planeta. A primeira posição segue com a Suíça, que lidera o GII desde 2011. Logo depois aparecem Suécia e EUA. O país latino-americano mais bem posicionado no ranking, composto por 139 países, é o Chile, num intermediário 51.º lugar. O Brasil vem logo depois, na 52.ª posição.

A entrada da China no top 10 da inovação global é mais um demonstrativo de que Pequim entendeu que o crescimento futuro do PIB depende mais da inovação digital do que da produção em série de bens de consumo que, por serem descartáveis, também podem ser mais facilmente reproduzidos por outros competidores.

Não deixa de ser sintomático que a China passe a figurar na lista dos países mais inovadores do mundo no momento em que a guerra tarifária do presidente dos EUA, Donald Trump, desordena o fluxo comercial global. Enquanto Trump tem como motivação o passado industrial glorioso dos EUA, a China tenta se antecipar ao futuro.

O país asiático caminha para se tornar o que mais investe em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no mundo, e isso em um momento em que os gastos de outras nações nesse segmento perdem força. Pelas projeções que fazem parte do GII, o crescimento dos gastos globais com P&D deve ser de 2,3% neste ano, o porcentual mais baixo desde 2010.

Certamente não é coincidência que, em 2024, a China tenha respondido por cerca de um quarto dos pedidos de registro de patentes em todo o mundo, enquanto os pedidos de EUA, Japão e Alemanha, que juntos respondem por cerca de 40% dos registros de patentes globais, tenham caído ligeiramente. A propriedade de patentes está fortemente associada à saúde econômica e ao conhecimento técnico de um país.

Outra área em que a China domina é na de número de clusters de inovação (grupo de empresas e fornecedores de um mesmo segmento concentrados em uma determinada região geográfica). Em 2024, havia 24 deles no país asiático, contra 22 nos EUA.

País que recentemente superou o PIB per capita do Brasil, a China tem apostado fortemente na educação, o que explica parte de seu avanço no desenvolvimento de inovações tecnológicas. Exemplo disso é o destaque que o GII dá ao bom desempenho dos estudantes chineses no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), teste no qual o Brasil tem passado vergonha – sempre ficando nas últimas posições.

Enquanto a China se converte rapidamente em um dos líderes globais de inovação, garantindo musculatura para enfrentar a guerra com Trump, o Brasil não consegue nem mesmo ser o mais inovador de sua região. Pode ser que a China jamais chegue à primeira posição, há tanto tempo ocupada pela Suíça. Mas está mais do que claro que o Brasil, do jeito que vai, não irá a lugar nenhum.

Congresso precisa ouvir o recado das ruas

Por Correio Braziliense

O sinal das ruas foi claro: para fortalecer as relações democráticas, o Congresso precisa ouvir todos os lados e se aproximar de agendas que, de fato, interessam aos brasileiros

Em todas as capitais do país, as ruas foram ocupadas neste domingo por protestos mobilizados por temas que agitam o cenário político: ameaça à soberania, anistia aos acusados de tentativa de golpe de Estado, blindagem de parlamentares a processos criminais, combate à corrupção, crise na segurança pública, entre outros. Os registros indicam participação popular expressiva em grandes cidades, como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro — sobretudo em tempos de posicionamentos limitados aos ambientes digitais. Ainda que a reação inicial de alguns parlamentares tenha sido desmerecer as manifestações, o sinal foi claro: para fortalecer as relações democráticas, o Congresso precisa ouvir todos os lados e se aproximar de agendas que, de fato, interessam aos brasileiros.

Relator do projeto da anistia, o deputado Paulinho da Força disse, ainda no domingo, que as manifestações tinham sido o "mais do mesmo" e que ele e aliados iriam se "manter firmes no  propósito" de apresentar um relatório mantendo a ideia de reduzir as penas para "pacificar o país". Há de se ressaltar que os protestos de domingo começaram a ser organizados por artistas e pela sociedade civil três dias antes. Ainda que tenham contado com a participação de partidos políticos, não devem ser entendidos como uma manifestação exclusiva da "esquerda cretina", como ironizaram apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Líderes parecem ter entendido o recado. Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, afirmou que "é o momento de tirar da frente todas essas pautas tóxicas". Até a semana passada, a anistia era urgência, a despeito de estudos indicando que não há possibilidade de ela culminar na pacificação do país. Pesquisa da Quaest divulgada há uma semana indica que 41% dos brasileiros são contra a anistia; 36% são favoráveis, incluindo o benefício a Jair Bolsonaro; e 10% aprovam apenas para os manifestantes do 8 de Janeiro.

Falava-se em uma articulação entre Senado e Câmara para a aprovação da PEC da Blindagem na semana passada. Ontem, a leitura era de que ela sequer irá ao plenário. Em entrevistas, o relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Alessandro Vieira, enfatizou que se trata de uma proposta para proteger bandidos e que as manifestações deixaram claro o repúdio à ela.

Do alto do carro de som e em vídeos gravados para chamar o povo às ruas, ídolos da cultura nacional trataram de enfatizar que o objetivo não era atacar o Congresso. Ao contrário: fortalecer a política, dar uma resposta "aos horrores que vêm se insinuando à nossa volta", como definiu Caetano Veloso. Gilberto Gil lembrou que não é a primeira vez que fazem isso: "Nós aqui já passamos por momentos parecidos, sempre em busca da autonomia cada vez maior do nosso povo. Este é um momento em que estamos fazendo de novo essa exigência", em referência às mobilizações contra a ditadura militar.

Conquistada a duras penas, a democracia precisa ser respeitada, e isso passa pela confiança popular em seus poderes fundamentais. As ruas evidenciaram, neste domingo, que o que tem mobilizado parlamentares não reflete os interesses de parcela significativa da população. O Congresso, pela própria razão de existir, precisa ouvir o recado. É o regime democrático que precisa ser blindado de qualquer ameaça que nos aproxime dos tempos sombrios de perseguição à pluralidade de ideias e à soberania popular.

A urgência de uma ação organizada da sociedade

Por O Povo (CE)

A sucessão de episódios violentos que o Ceará registrou neste final de semana recente, com pelo menos três situações que por detalhes não se transformaram em chacinas, expõem a gravidade do quadro que hoje nos desafia como sociedade. Responsabilizar o governo da vez e as autoridades no poder parece natural, e justo, mas é importante discutirmos o problema numa perspectiva mais ampla.

Relata-se três casos, em diferentes pontos do Estado, nos quais criminosos atiraram contra grupos de pessoas, com indicações de que tinham os alvos definidos. Entre sábado e domingo, registraram-se episódios do tipo em Sobral, Itapipoca e Juazeiro do Norte, acumulando saldo trágico de 5 mortes e 10 pessoas feridas. Dentre estas últimas, 2 crianças, uma tragédia.

As autoridades policiais anunciaram prisões, prometem uma resposta dura, enquanto o governador Elmano de Freitas (PT) foi às redes sociais lamentar os fatos e reforçar a disposição do Estado de reagir à altura. Nada fora do que é obrigação de cada um, havendo necessidade, porém, de encaminharmos o debate numa linha mais profunda, que nos permita buscar as causas e não continuar, como temos feito, correndo atrás apenas das consequências.

No mundo ideal, interesses políticos, especialmente quando meramente eleitorais, seriam relativizados, permitindo que todas as forças de bem da sociedade se integrem ao esforço de defender a população cearense da ameaça representada pelo avanço de um crime organizado que age a cada dia com mais ousadia. Independente da posição onde cada um esteja, como integrante do governo ou sem fazer parte dele.

Claro que não seria correto cobrar da oposição que deixe de cumprir seu papel crítico, de maneira firme quando necessário. Uma democracia só se faz forte e digna do nome quando as vozes contrárias encontram espaço para circular livremente com seus questionamentos eventuais à política que esteja em execução, no caso específico aquela relacionada à área da segurança pública.

O que acontece é que o cenário com o qual nos defrontamos impõe urgência na reação das forças organizadas, no governo e na sociedade. Portanto, o ideal, para agora, é buscar a identificação de consensos, a partir dos quais podemos organizar melhor as ações de curto prazo que pareçam capazes de inibir o crime e os criminosos. Independente de partidos ou ideologias, insistiremos.

Certo é que não convém continuar assistindo passivamente uma matança que não condiz com uma estrutura civilizada de sociedade. A forma como se repetem os casos em que pessoas armadas atiram contra grupos de pessoas nas nossas cidades indica um tipo de problema que precisamos estar unidos para enfrentar. Depois, no momento certo, chamamos o cidadão para, no voto, dizer se convém manter o poder nas mãos de quem está ou se é hora de oferecer chances a outros grupos e novas pessoas. 

 

Nenhum comentário: