Reconhecimento da Palestina é gesto relevante, mas inócuo
Por O Globo
Movimento mundial resulta de isolamento
diplomático de Israel, porém não deverá ter efeito prático
Reino Unido, França, Canadá, Austrália,
Bélgica e Portugal reconheceram nos últimos dias o Estado da Palestina —
posição adotada pelo Brasil desde 2010. Com isso, passa de 150 o total de
países que formalizaram o reconhecimento. No último dia 12, a Assembleia Geral
das Nações Unidas aprovou por ampla maioria de 142 votos a favor e apenas 10
contrários (com 12 abstenções) uma resolução conclamando a comunidade
internacional a dar “passos tangíveis” e “irreversíveis” para a implementação
da solução de dois Estados, Israel e Palestina, convivendo lado a lado em paz,
na região hoje palco de guerra brutal.
O movimento em prol do reconhecimento da Palestina é reflexo do isolamento diplomático inédito de Israel, de consequências ainda imprevisíveis. Resulta da campanha militar sangrenta promovida pelo governo Benjamin Netanyahu na Faixa de Gaza contra o grupo terrorista Hamas depois dos ataques bárbaros de 7 de outubro de 2023. Trata-se de gesto simbólico relevante, cuja intenção imediata é pressionar Netanyahu a recuar nos planos de ocupar Gaza e a aceitar um cessar-fogo no conflito que já matou dezenas de milhares de civis palestinos. Na prática, porém, tem tudo para ser inócuo.
É verdade que a solução de dois Estados é a
única esperança de paz na região. Ela foi esboçada nos Acordos de Oslo, de
1993, que deram origem à Autoridade Palestina como embrião de um futuro Estado
em Gaza e na Cisjordânia. A ideia foi perdendo ímpeto com o tempo. Todas as
tentativas para colocá-la em prática fracassaram. Sucessivos governos
israelenses mantiveram a política de erguer colônias na Cisjordânia. As
negociações foram abandonadas por lideranças palestinas duas vezes, em 1999 e
2008, abrindo espaço para que, dos dois lados, subissem ao poder grupos
contrários ao reconhecimento mútuo e a qualquer acordo.
O governo de Gaza foi tomado pelos
terroristas do Hamas, cujo objetivo — expresso em atos e palavras — é destruir
Israel. Em Israel, Netanyahu já declarou repetidas vezes oposição ao Estado
palestino, e extremistas de sua coalizão querem anexar Gaza e Cisjordânia. As
dificuldades não param aí. De ambos os lados, onde antes havia maiorias
favoráveis aos dois Estados, hoje a oposição é alcança nível suficiente para
tornar a solução inviável.
A articulação pelo reconhecimento da
Palestina, capitaneada por França e Arábia Saudita, enfatiza que o Hamas não
deverá ter nenhum espaço no futuro Estado palestino. Nada mais sensato. Mas não
há uma proposta eficaz para se livrar do grupo terrorista. Mesmo vozes
israelenses moderadas encaram o movimento como favorável ao Hamas, pois os
terroristas terão obtido uma concessão que grandes democracias ocidentais
reservavam para o momento de um acordo de paz com condição de ser implementado
na prática. O risco evidente é o governo Netanyahu decidir, em resposta, anexar
Gaza e 82% da Cisjordânia, como defendem seus ministros intransigentes, para
“enterrar a ideia” do Estado palestino.
O sofrimento da população palestina, sobretudo em Gaza, infelizmente não diminuirá com o reconhecimento. A complexidade do conflito continua a desafiar soluções simplistas ou performáticas. É fato que nunca o Estado palestino foi tão necessário e nunca reuniu consenso internacional tão abrangente. Mas, paradoxalmente, nunca esteve tão distante da realidade.
Proteger agentes que combatem crime organizado é desafio para o
Brasil
Por O Globo
Assassinato de ex-delegado suscitou projetos para suprir lacuna. Exemplos mundiais podem servir de inspiração
Está evidente que, diante do estágio a que
chegou o crime organizado no Brasil, o país está atrasado na proteção a
autoridades da polícia, do Judiciário e do Ministério Público. O assassinato do
ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo Ruy Ferraz Fontes demonstra que
mesmo profissionais aposentados precisam de proteção. Quando atuava na polícia,
Ferraz se dedicou a combater com afinco o Primeiro Comando da Capital (PCC),
maior facção criminosa brasileira. Era secretário de Administração da
Prefeitura de Praia Grande, no litoral paulista, e foi alvejado no fim da tarde
enquanto dirigia. “Eu vivo sozinho aqui, é no meio deles [PCC]. Se eu fosse um
policial da ativa, estava pouco me importando, teria estrutura para me proteger.
Hoje, não tenho estrutura nenhuma”, disse dias antes de ser assassinado em
entrevista ao GLOBO e à rádio CBN.
O assassinato levou à apresentação de pelo
menos cinco propostas legislativas na Assembleia Legislativa de São Paulo
tratando da proteção às autoridades. Na Câmara, espera votação em plenário um
Projeto de Lei aprovado pelo Senado, do senador Sergio Moro (União-PR),
prevendo proteção também a agentes aposentados e familiares. O Ministério da
Justiça prepara-se para enviar sua proposta ao Congresso. É claro que não se
pode colocar um exército dedicado a proteger todos aqueles que um dia
combateram o crime organizado. Mas não faltam ideias nem experiências
internacionais para inspirar os legisladores.
A mais consolidada vem da Itália. A explosão
de carros-bomba que matou, em 1992, os juízes Paolo Borsellino e Giovanni
Falcone, em Palermo, Sicília, levou o Estado italiano a reforçar a segurança
pessoal de juízes e procuradores. Criou-se um organismo específico para
enfrentar o crime organizado, a Direzione Nazionale Antimafia (DNA),
endurecendo o regime de prisão dos chefes de máfias. Também foi criada a figura
do “juiz sem rosto”, para protegê-los de vinganças. Tal método também foi
adotado pela Colômbia no tempo da guerra contra os cartéis de Medellín e Cali e
no enfrentamento às Farc. Em ambos os países, o anonimato dos juízes foi
revogado, depois de sucumbir a críticas, mas não deve deixar de ser
considerado. A Espanha também criou estruturas e protocolos de proteção a
autoridades, mesmo aposentadas, envolvidas no combate à organização terrorista
basca ETA, dos anos 1970 aos 1990.
Os exemplos externos podem ajudar a encontrar uma solução que, sem onerar de modo exagerado a estrutura de policiamento, funcione no Brasil. Por aqui, o Conselho Nacional do Ministério Público já baixou resoluções com permissão para proteção a autoridades, e há no Rio de Janeiro oito servidores aposentados que se beneficiam de escoltas. É um programa que pode inspirar outros estados. Será, porém, cada vez mais necessária uma política federal estruturada com essa finalidade.
Agenda negativa da direita tira a esquerda
das cordas
Por Folha de S. Paulo
Oposição se afasta da moderação e dá fôlego a
Lula, como indicam manifestações de domingo
Segundo o Datafolha, 54% dos brasileiros aptos a votar declararam ser contrários à anistia; deve-se temer debate eleitoral indigente
O PT decerto não tem
grande autoridade para liderar manifestações populares contra a impunidade,
seja devido aos escândalos de corrupção em administrações passadas, cujos
personagens ainda são celebrados pela sigla, seja porque parcela relevante de
seus deputados ajudou a aprovar a vergonhosa PEC da
Blindagem na Câmara dos
Deputados.
Mesmo assim, com as adesões maciças de
partidos de direita e centro-direita à infâmia, mais o apoio despudorado da
oposição à anistia para Jair
Bolsonaro (PL) e demais condenados
por tramar um golpe de Estado, a esquerda ganhou fôlego para voltar a encher
ruas com atos promovidos no domingo (21) nas 26 capitais estaduais e em
Brasília.
Nas metrópoles mais populosas, São Paulo e
Rio de Janeiro, os protestos atraíram público similar ao reunido pelo
bolsonarismo no 7 de Setembro —em torno de
40 mil pessoas em cada local e ocasião, de acordo com levantamento
de especialistas da USP.
Trata-se de mais um alento político ao
governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), que estava nas cordas até há menos de dois meses em meio a baixa
popularidade, impactos da má gestão da economia e
a perspectiva de uma CPI para investigar descontos fraudulentos nos benefícios
do INSS.
No início de agosto, o petista ganhou a
oportunidade de liderar a defesa do país ante uma agressão estrangeira —o
tarifaço aplicado por Donald Trump numa
tentativa patética de chantagear as instituições encarregadas de processar e
julgar Bolsonaro. De lá para cá, a aprovação
ao governo subiu de 29% para 33%, conforme pesquisas do Datafolha.
A situação de Lula está longe de ser
confortável, já que a reprovação a seu desempenho chega aos 38%. Mas seus
adversários o ajudam graciosamente ao se afastarem da moderação e abraçarem a
agenda tóxica bolsonarista.
Ainda segundo o Datafolha, 54% dos
brasileiros aptos a votar declararam
neste mês ser contrários à anistia; no final de julho, 61% disseram
que não votariam em candidato que prometesse perdão a Bolsonaro —como faz o
governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos),
aposta do centrão para herdar os votos do ex-presidente na disputa pelo
Planalto no próximo ano.
É espantoso que, faltando tão pouco tempo
para a campanha eleitoral, a pauta da direita brasileira se concentre nesse
cortejo indecoroso ao golpismo e à impunidade. O discurso moralizador, a esta
altura, está desmoralizado; nada se apresentou até aqui em ideias inovadoras
para a economia, a educação, a saúde e a segurança pública capazes de ir além
das bolhas ideológicas.
Nessa toada, deve-se temer mais um pleito
presidencial de debate indigente. O país estará encalacrado em uma grave crise
orçamentária que exige desde já planejamento e reformas difíceis, mas esses não
são temas que hoje interessem às principais forças políticas nacionais. A
depender delas, ao que parece, não sairemos da inércia da polarização.
Há jovens demais sem estudo nem emprego
Por Folha de S. Paulo
Taxa de brasileiros entre 18 e 24 anos nessa
situação cai de 30% para 24% em cinco anos, mas ainda é alta
É preciso expandir o ensino técnico; a
proporção de alunos que cursam a modalidade no ensino médio no Brasil é de
apenas 14%, ante 44% na OCDE
Jovens que não estudam nem trabalham, os
chamados "nem-nem", são sintoma de um sistema de ensino precarizado e
desconectado do setor produtivo. A boa notícia é que o Brasil melhorou nesse
indicador desde a pandemia; a má é que a sua taxa ainda está alta.
Segundo o Education at a Glance 2025, relatório da OCDE divulgado
na terça (9), 24% dos
brasileiros entre 18 e 24 estavam em tal situação em 2024
—queda de 6 pontos percentuais desde 2019.
Entre as 41 nações avaliadas, foi a que
mostrou a segunda maior redução, já que na Itália a variação foi de 8 pontos.
Mesmo assim, temos a quarta maior taxa, abaixo só de Colômbia (27%), Costa Rica
(31%) e África do Sul (48%). A média da OCDE, que reúne países desenvolvidos, é
de 14%. Somos superados pelos vizinhos Peru (21%) e Chile (20%).
Uma das formas lidar com o problema se dá por
meio do VET (vocational education and training), programas de educação profissionalizante
no ensino médio que podem envolver parcerias entre escolas e empresas para a
formação do alunado e a contratação de aprendizes.
O Education at a Glance 2025 indica que, no
Brasil, houve ampliação do VET a partir do processo de reforma do ensino médio
nos últimos anos, que incorporou o ensino técnico, acompanhado por
flexibilidade no currículo, nessa etapa da educação básica.
Mas, segundo o relatório, há disparidades
entre estados e municípios, e a taxa brasileira de alunos em programas do tipo
VET no ensino médio ainda é baixa, só 14%, ante 44% na média da OCDE.
O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014
estipulou que, em dez anos, o número de matriculas no ensino técnico realizado
na última etapa da educação básica deveria triplicar até cerca de 4,8 milhões.
Contudo, de acordo com o último Censo Escolar, foram apenas
2,4 milhões em 2024.
A inatividade pode causar problemas como
ansiedade e depressão. Ademais, a demora para entrar no mercado de trabalho
tende a afetar a empregabilidade futura, já que reduz as chances de obter
experiência profissional e habilidades interpessoais.
Como saída, resta apenas o emprego informal
ou precarizado, com baixos salários, limitando os potenciais dos indivíduos e o
desenvolvimento da economia.
Estados precisam perseverar na melhoria da aprendizagem, na redução da evasão e na expansão da educação profissionalizante, inclusive por meio de parcerias com a iniciativa privada. A escola deve estar conectada ao mercado, para que o estudo também resulte em trabalho e renda.
Gastos das prefeituras precisam de mais
controle e racionalidade
Por Valor Econômico
São positivas as proposta da reforma
administrativa, relatada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), para disciplinar
os gastos das prefeituras em geral, em especial as mais dependentes de receitas
alheias
Os municípios melhoraram sua gestão fiscal em
2024, favorecidos por uma rara abundância de recursos e de transferências que
lhes permitiram reduzir gastos em relação a receitas e aumentar bastante os
investimentos. O Indice Firjan de Gestão Fiscal, com dados de 5.129 municípios,
mostrou que a média de avaliação foi a melhor da já obtida desde 2013. Os bons
números, porém, não escondem deficiências. Mesmo com aumentos de recursos,
tiveram déficit de 0,3% do PIB no ano passado e tendem a ficar no vermelho
também no ano corrente.
As estatísticas elaboradas pela Firjan
corroboram as tendências de outros estudos que indicam que os municípios
receberam mais dinheiro do que em qualquer momento das duas últimas décadas.
Com a economia brasileira crescendo 3% ao ano no último triênio, o que não
ocorria há dez anos, a maior atividade trouxe necessariamente maior arrecadação
própria, em muitos casos, e maiores transferências da União e Estados, cujas
receitas também se ampliaram. Mas as prefeituras tiveram um empurrão expressivo
a mais das transferências, voluntárias ou não.
Entre 2019 e 2024, recursos destinados ao
Fundo de Participação dos Municípios tiveram aumento de R$ 120 bilhões para R$
177 bilhões. As emendas parlamentares destinadas a prefeituras passaram de R$
10,4 bilhões para R$ 31,2 bilhões. Os aportes federais do Fundeb avançaram de
R$ 48 bilhões para R$ 87 bilhões. As receitas brutas cresceram muito e velozmente.
Segundo o estudo, em 2022, deram um salto de 20,7%, em 2023, mais 5,6% e em
2024, outros 11,1%.
O aumento da fatia do bolo de recursos
fiscais para as prefeituras e, em menor proporção, para os Estados já havia
sido detectado pelos economistas Manoel Pires e Bráulio Borges, do Ibre, que
batizaram a tendência de "descentralização fiscal silenciosa" (Valor, 7-3). Eles
calcularam que em 2024 a média de transferência para os governos subnacionais,
de 3,7% do PIB entre 2006 e 2010, foi 0,7% do PIB maior em 2024. Os Estados
foram beneficiados, mas a partir de 2023 as prefeituras levaram vantagem. Seus
gastos aumentaram 52% em termos reais desde 2022. Junto com Estados,
dispenderam mais que a União no ano passado. Até o último trimestre do ano, as
despesas médias trimestrais de ambos governos estaduais e municipais foi de R$
643,2 bilhões, em comparação com R$ 495 bilhões da União. De 2021 até o ano
passado, houve avanço de 31,3% real nos gastos.
Com mais recursos, os indicadores fiscais
melhoraram para a maioria dos municípios, como seria de se esperar. Quase dois
terços deles (64%) foram considerados, no quesito liquidez (dinheiro em caixa
para cobrir obrigações financeiras de curto prazo), em boa ou excelente
situação. Ainda assim, havia 413 prefeituras (8,1% do total) que estavam no
"cheque especial", segundo Jonathas Goulart, gerente de estudos
econômicos da Firjan.
Mais recursos fizeram com que o percentual de
comprometimento das receitas com gastos de pessoal recuassem abaixo do limite
de alerta de 54% da receita corrente líquida. Isso não significa que os
municípios, de maneira geral, tenham sido comedidos nos gastos do pessoal, que
avançaram 29,1% além da inflação entre 2019 e 2024. Ou seja, em período de
bonança, como no passado, usaram parcela relevante dos recursos para ampliar
despesas permanentes, que pesarão nos períodos em que as receitas forem menos
generosas ou cadentes — e a economia deve desacelerar a partir de agora. Por
outro lado, e sem desprezar os interesses políticos em ano de eleições, os
municípios investiram R$ 120 bilhões em 2024, e realizaram 60% dos total de
investimentos públicos.
Um contingente-problema são os municipios em
situação crítica, nos quais as receitas próprias (ISS, IPTU e outros) não são
suficientes sequer para custear as despesas da prefeitura e do Legislativo
local. Na dependência total de repasses, estavam 1282 cidades. É uma herança do
passado: mais por razões políticas que econômicas, foram criados após a
Constituição de 1988 cerca de 1,6 mil municípios, e a maior parte deles só
subsiste em razão de repasses.
O ciclo de prosperidade pode terminar, mas os municípios se livraram de despesas obrigatórias relevantes, como o limite para pagamento de precatórios e a renegociação por 25 anos dos débitos previdenciários. Terão mais dinheiro em caixa para gastar, e provavelmente o farão da forma como o fizeram até agora. Por isso são positivas as proposta da reforma administrativa, relatada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), para disciplinar os gastos das prefeituras em geral, em especial as mais dependentes de receitas alheias. O projeto quer limitar o número de secretarias e salários de prefeitos, tendo como critério a população do município e sua capacidade de arrecadação. O projeto afeta, entre outras coisas, o potencial de oferta de empregos públicos por caciques de feudos políticos locais em que muitas vezes são os melhores salários disponíveis na região. É um obstáculo político sério, em uma disputa que vale a pena. É um princípio elementar que os gastos de prefeituras sejam compatíveis com a realidade das finanças públicas locais.
As ruas mandam um recado ao Congresso
Por O Estado de S. Paulo
Protestos mostram que os cidadãos se dispõem
a ir às ruas quando se trata de defender não a agenda de um partido, mas os
princípios da vida democrática, ameaçados por políticos oportunistas
Milhares de pessoas foram às ruas no domingo
passado para dizer um “basta” ao alheamento do Congresso à realidade do País.
Em todas as capitais, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, cidadãos
protestaram contra dois símbolos recentes da degradação da representação
política: a aprovação, pela Câmara, da chamada PEC da Bandidagem, que visa a
blindar parlamentares de investigações criminais, e a concessão de anistia
“ampla, geral e irrestrita” a Jair Bolsonaro e outros golpistas condenados pelo
Supremo Tribunal Federal (STF).
O Monitor do Debate Político da USP, que tem
metodologia própria, calculou que 42,4 mil pessoas ocuparam cerca de quatro
quarteirões da Avenida Paulista e que 41,8 mil encheram a orla de Copacabana.
Como se viu, foram mobilizações muito próximas, em escala, daquelas
arregimentadas pelo bolsonarismo no Sete de Setembro, mas com pautas
diametralmente opostas. Se na data nacional o objetivo dos manifestantes era
pressionar o STF pela impunidade de Bolsonaro e seus cúmplices na trama
golpista, além de clamar por intervenção dos EUA – inclusive militar – no curso
do julgamento, no dia 21 passado a mensagem foi um sonoro “não” à criação de
uma casta de mandatários acima da lei e ao perdão a quem ousou atentar contra a
ordem constitucional democrática.
Isso mostra, como primeiro ponto de destaque,
que Bolsonaro, nos estertores de sua relevância política, não é mais o senhor
das ruas do País. Nos últimos anos, o ex-presidente exerceu com habilidade o
protagonismo da mobilização popular, papel outrora desempenhado com igual força
e presença por sua nêmesis, Lula da Silva. Mas algo abalou as estruturas da
política nacional, levando às ruas um contingente de cidadãos não
necessariamente aferrados às agendas de um ou outro polo. Ao que tudo indica, a
indignação popular com a defesa explícita da impunidade – seja para
parlamentares, seja para golpistas – parece ter despertado um movimento
político mais amplo, que não se confunde com a estrita militância partidária.
É um erro, portanto, reduzir as manifestações
de domingo a um triunfo da esquerda, menos ainda do PT. A esquerda, sozinha,
mal é capaz de levar meia dúzia de gatos-pingados às ruas, como restou evidente
no constrangedor ato pelo Dia do Trabalho no ano passado, no qual a presença de
Lula só acentuou o vexame da ausência de povo. O PT tampouco tem legitimidade
para tremular a bandeira da moralidade pública depois dos escândalos de
corrupção que marcaram os governos lulopetistas. Logo, os protestos de domingo
só ganharam corpo porque, obviamente, extrapolaram as trincheiras ideológicas e
atraíram cidadãos inconformados com o divórcio entre o Congresso e a sociedade,
marcado pelo desabrido desrespeito aos valores republicanos, a começar pela
igualdade de todos perante a lei.
Não é de agora que o Legislativo mostra
afastamento dos reais interesses da população, capturado que está por uma
agenda corporativista em torno das emendas ao Orçamento e dos mais mirabolantes
mecanismos de autoproteção de seus membros contra a apuração de desvios desses
recursos. Mas raramente essa separação ficou tão evidente. A insistência em
alçar parlamentares à condição de inimputáveis e o tempo que muitos no
Congresso dedicam à agenda de um clã criminoso como o de Bolsonaro, decerto
esperando que a subserviência renda votos, demonstram a captura de parte
considerável do Legislativo por interesses que nem remotamente passam perto do
bem comum. No domingo, ficou claro que muitos cidadãos não toleram isso.
De melhor, extrai-se que as manifestações
contra a PEC da Bandidagem e a anistia aos golpistas evidenciaram que a
sociedade brasileira não está anestesiada nem as ruas são cativas do
bolsonarismo. Uma parcela expressiva da população mostrou disposição para sair
de casa em defesa da Constituição e contra a supremacia de uma cultura de
privilégios que parece dominar a política nacional. É claro que Lula e o PT,
oportunistas que são, vão tentar tirar uma casquinha dos atos, mas todos sabem
que o lulopetismo, aquele que protagonizou o mensalão e o petrolão, não tem
nada a ver com a defesa da integridade das instituições republicanas.
Jovem Aprendiz é bom, mas pode melhorar
Por O Estado de S. Paulo
Pesquisa mostra que o programa para inserção
profissional de jovens aumenta a empregabilidade e a renda, mas a adesão de
empresas ainda é baixa, além de regionalmente concentrada
Criado há 25 anos, o Jovem Aprendiz, programa
que busca promover a inserção profissional de jovens, tem efeitos positivos na
empregabilidade e na renda futuras dos participantes, segundo publicação
recente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS). Ou seja, é uma
política pública que funciona.
A análise do IMDS focou nos primeiros
participantes do programa, pessoas nascidas entre 1985 e 1988 e que, portanto,
tinham entre 15 e 17 anos quando o marco legal do Jovem Aprendiz, a Lei n.º 10.097,
estava em vigor em sua primeira formulação. Atualmente, o programa destina-se a
pessoas entre 14 e 24 anos, mas, quando foi lançado, a idade máxima de
participação era limitada a 18 anos.
Além de comparar o grupo dos primeiros
participantes ao de pessoas nascidas entre 1982 e 1984, jovens quando a Lei de
Aprendizagem não existia, os autores também traçaram comparações regionais, já
que a lei infelizmente não “pegou” da mesma forma em todo o País.
De acordo com a nota técnica Programa Jovem Aprendiz, Empregabilidade e
Renda Formal do Trabalho: Uma Análise das Primeiras Gerações Expostas à Lei da
Aprendizagem de 2000, passar pelo programa aumentou de 7 a 10
pontos porcentuais a probabilidade de os participantes se inserirem no mercado
formal de trabalho, além de uma renda entre 24% a 35% maior quando essas
pessoas têm entre 25 e 29 anos. Isso nas regiões que os autores classificam
como “mais afetadas pela lei”.
Apesar do impacto positivo na vida dos
participantes, e de ser uma obrigação legal para empresas com mais de sete
funcionários – companhias de médio e grande porte devem destinar um mínimo de
5% de suas vagas a aprendizes (o máximo é de 15%) –, as contratações por meio
da modalidade não são cumpridas por todas as empresas, mesmo sob o risco de multa.
A falta de informação sobre o Jovem Aprendiz
é um dos motivos que fazem com que as empresas não explorem plenamente o
potencial do programa.
Pelas regras da modalidade, os contratos dos
aprendizes têm duração máxima de dois anos. A carga horária é de quatro a seis
horas por dia para jovens que ainda estão no ensino fundamental ou médio,
enquanto para os que não estão estudando pode chegar a oito horas diárias
(período que deve incluir, porém, o tempo de formação teórica exigido pelo
programa).
A remuneração dos jovens em formação é
proporcional à carga horária e vinculada ao salário mínimo. Além disso, eles
têm direito a férias, 13.º salário e outros benefícios previstos em lei, tais
como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). No caso desse último,
porém, a alíquota recolhida pelas empresas é de 2% – para funcionários em
regime CLT integral, a alíquota é de 8%.
Enquanto muitas empresas desconhecem tais
critérios, há também aquelas que privilegiam a contratação de funcionários já
experientes, o que é compreensível. Mas considerando-se as deficiências na
formação educacional e profissional no Brasil, a contratação de jovens
inexperientes pode ser vantajosa para o empregador, que pode assim desenvolver
talentos por meio do Jovem Aprendiz e posteriormente absorvê-los como
funcionários formais por prazo indeterminado.
Também é importante ter em mente as mudanças
demográficas em curso no País. À medida que as taxas de natalidade caem e a
população envelhece, o treinamento de jovens talentos faz-se cada vez mais
necessário, sob o risco de que não haja reposição dos profissionais prestes a
se aposentar por outros minimamente qualificados.
Por fim, em um país sabidamente desigual como
o nosso, ainda é preciso que programas como o Jovem Aprendiz ganhem tração em
regiões como o Norte e o Nordeste, as menos desenvolvidas do Brasil e que, por
isso mesmo, precisam que seus jovens tenham oportunidades de ampliar seus
conhecimentos e chances de empregabilidade.
Como demonstra a nota técnica do IMDS, o
Jovem Aprendiz é uma política pública que funciona bem para os contratados. Do
lado das empresas, é preciso que o governo redobre os esforços, de modo que
elas estejam mais bem informadas sobre o programa, que pode lhes garantir
funcionários capacitados e dedicados por muitos anos, já que o Jovem Aprendiz é
um meio, não um fim.
Inovação ‘made in China’
Por O Estado de S. Paulo
China passa Alemanha e torna-se o décimo país
mais inovador do mundo; Brasil é só o 52.º
A China ultrapassou a Alemanha e entrou, pela
primeira vez, no top 10 do ranking dos países mais inovadores do mundo,
conhecido como Índice Global de Inovação (GII, na sigla em inglês). O indicador
é compilado e divulgado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual
(OMPI), uma das agências da ONU.
Em 2024, o gigante asiático foi o décimo país
mais inovador do planeta. A primeira posição segue com a Suíça, que lidera o
GII desde 2011. Logo depois aparecem Suécia e EUA. O país latino-americano mais
bem posicionado no ranking, composto por 139 países, é o Chile, num
intermediário 51.º lugar. O Brasil vem logo depois, na 52.ª posição.
A entrada da China no top 10 da inovação
global é mais um demonstrativo de que Pequim entendeu que o crescimento futuro
do PIB depende mais da inovação digital do que da produção em série de bens de
consumo que, por serem descartáveis, também podem ser mais facilmente
reproduzidos por outros competidores.
Não deixa de ser sintomático que a China
passe a figurar na lista dos países mais inovadores do mundo no momento em que
a guerra tarifária do presidente dos EUA, Donald Trump, desordena o fluxo
comercial global. Enquanto Trump tem como motivação o passado industrial
glorioso dos EUA, a China tenta se antecipar ao futuro.
O país asiático caminha para se tornar o que
mais investe em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no mundo, e isso em um
momento em que os gastos de outras nações nesse segmento perdem força. Pelas
projeções que fazem parte do GII, o crescimento dos gastos globais com P&D
deve ser de 2,3% neste ano, o porcentual mais baixo desde 2010.
Certamente não é coincidência que, em 2024, a
China tenha respondido por cerca de um quarto dos pedidos de registro de
patentes em todo o mundo, enquanto os pedidos de EUA, Japão e Alemanha, que
juntos respondem por cerca de 40% dos registros de patentes globais, tenham
caído ligeiramente. A propriedade de patentes está fortemente associada à saúde
econômica e ao conhecimento técnico de um país.
Outra área em que a China domina é na de
número de clusters de inovação (grupo de empresas e fornecedores de um mesmo
segmento concentrados em uma determinada região geográfica). Em 2024, havia 24
deles no país asiático, contra 22 nos EUA.
País que recentemente superou o PIB per capita
do Brasil, a China tem apostado fortemente na educação, o que explica parte de
seu avanço no desenvolvimento de inovações tecnológicas. Exemplo disso é o
destaque que o GII dá ao bom desempenho dos estudantes chineses no Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), teste no
qual o Brasil tem passado vergonha – sempre ficando nas últimas posições.
Enquanto a China se converte rapidamente em um dos líderes globais de inovação, garantindo musculatura para enfrentar a guerra com Trump, o Brasil não consegue nem mesmo ser o mais inovador de sua região. Pode ser que a China jamais chegue à primeira posição, há tanto tempo ocupada pela Suíça. Mas está mais do que claro que o Brasil, do jeito que vai, não irá a lugar nenhum.
Congresso precisa ouvir o recado das ruas
Por Correio Braziliense
O sinal das ruas foi claro: para fortalecer
as relações democráticas, o Congresso precisa ouvir todos os lados e se
aproximar de agendas que, de fato, interessam aos brasileiros
Em todas as capitais do país, as ruas foram
ocupadas neste domingo por protestos mobilizados por temas que agitam o cenário
político: ameaça à soberania, anistia aos acusados de tentativa de golpe de
Estado, blindagem de parlamentares a processos criminais, combate à corrupção,
crise na segurança pública, entre outros. Os registros indicam participação
popular expressiva em grandes cidades, como Brasília, São Paulo e Rio de
Janeiro — sobretudo em tempos de posicionamentos limitados aos ambientes
digitais. Ainda que a reação inicial de alguns parlamentares tenha sido
desmerecer as manifestações, o sinal foi claro: para fortalecer as relações
democráticas, o Congresso precisa ouvir todos os lados e se aproximar de
agendas que, de fato, interessam aos brasileiros.
Relator do projeto da anistia, o deputado
Paulinho da Força disse, ainda no domingo, que as manifestações tinham sido o
"mais do mesmo" e que ele e aliados iriam se "manter firmes
no propósito" de apresentar um relatório mantendo a ideia de reduzir
as penas para "pacificar o país". Há de se ressaltar que os protestos
de domingo começaram a ser organizados por artistas e pela sociedade civil três
dias antes. Ainda que tenham contado com a participação de partidos políticos,
não devem ser entendidos como uma manifestação exclusiva da "esquerda
cretina", como ironizaram apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Líderes parecem ter entendido o recado.
Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, afirmou que "é o
momento de tirar da frente todas essas pautas tóxicas". Até a semana
passada, a anistia era urgência, a despeito de estudos indicando que não há
possibilidade de ela culminar na pacificação do país. Pesquisa da Quaest
divulgada há uma semana indica que 41% dos brasileiros são contra a anistia;
36% são favoráveis, incluindo o benefício a Jair Bolsonaro; e 10% aprovam
apenas para os manifestantes do 8 de Janeiro.
Falava-se em uma articulação entre Senado e
Câmara para a aprovação da PEC da Blindagem na semana passada. Ontem, a leitura
era de que ela sequer irá ao plenário. Em entrevistas, o relator da PEC na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Alessandro Vieira, enfatizou
que se trata de uma proposta para proteger bandidos e que as manifestações
deixaram claro o repúdio à ela.
Do alto do carro de som e em vídeos gravados
para chamar o povo às ruas, ídolos da cultura nacional trataram de enfatizar
que o objetivo não era atacar o Congresso. Ao contrário: fortalecer a política,
dar uma resposta "aos horrores que vêm se insinuando à nossa volta",
como definiu Caetano Veloso. Gilberto Gil lembrou que não é a primeira vez que
fazem isso: "Nós aqui já passamos por momentos parecidos, sempre em busca
da autonomia cada vez maior do nosso povo. Este é um momento em que estamos
fazendo de novo essa exigência", em referência às mobilizações contra a
ditadura militar.
Conquistada a duras penas, a democracia precisa ser respeitada, e isso passa pela confiança popular em seus poderes fundamentais. As ruas evidenciaram, neste domingo, que o que tem mobilizado parlamentares não reflete os interesses de parcela significativa da população. O Congresso, pela própria razão de existir, precisa ouvir o recado. É o regime democrático que precisa ser blindado de qualquer ameaça que nos aproxime dos tempos sombrios de perseguição à pluralidade de ideias e à soberania popular.
A urgência de uma ação organizada da
sociedade
Por O Povo (CE)
A sucessão de episódios violentos que o Ceará
registrou neste final de semana recente, com pelo menos três situações que por
detalhes não se transformaram em chacinas, expõem a gravidade do quadro que
hoje nos desafia como sociedade. Responsabilizar o governo da vez e as
autoridades no poder parece natural, e justo, mas é importante discutirmos o
problema numa perspectiva mais ampla.
Relata-se três casos, em diferentes pontos do
Estado, nos quais criminosos atiraram contra grupos de pessoas, com indicações de
que tinham os alvos definidos. Entre sábado e domingo, registraram-se episódios
do tipo em Sobral, Itapipoca e Juazeiro do Norte, acumulando saldo trágico de 5
mortes e 10 pessoas feridas. Dentre estas últimas, 2 crianças, uma tragédia.
As autoridades policiais anunciaram prisões,
prometem uma resposta dura, enquanto o governador Elmano de Freitas (PT) foi às
redes sociais lamentar os fatos e reforçar a disposição do Estado de reagir à
altura. Nada fora do que é obrigação de cada um, havendo necessidade, porém, de
encaminharmos o debate numa linha mais profunda, que nos permita buscar as
causas e não continuar, como temos feito, correndo atrás apenas das
consequências.
No mundo ideal, interesses políticos,
especialmente quando meramente eleitorais, seriam relativizados, permitindo que
todas as forças de bem da sociedade se integrem ao esforço de defender a
população cearense da ameaça representada pelo avanço de um crime organizado
que age a cada dia com mais ousadia. Independente da posição onde cada um esteja,
como integrante do governo ou sem fazer parte dele.
Claro que não seria correto cobrar da
oposição que deixe de cumprir seu papel crítico, de maneira firme quando
necessário. Uma democracia só se faz forte e digna do nome quando as vozes
contrárias encontram espaço para circular livremente com seus questionamentos
eventuais à política que esteja em execução, no caso específico aquela
relacionada à área da segurança pública.
O que acontece é que o cenário com o qual nos
defrontamos impõe urgência na reação das forças organizadas, no governo e na
sociedade. Portanto, o ideal, para agora, é buscar a identificação de
consensos, a partir dos quais podemos organizar melhor as ações de curto prazo
que pareçam capazes de inibir o crime e os criminosos. Independente de partidos
ou ideologias, insistiremos.
Certo é que não convém continuar assistindo passivamente uma matança que não condiz com uma estrutura civilizada de sociedade. A forma como se repetem os casos em que pessoas armadas atiram contra grupos de pessoas nas nossas cidades indica um tipo de problema que precisamos estar unidos para enfrentar. Depois, no momento certo, chamamos o cidadão para, no voto, dizer se convém manter o poder nas mãos de quem está ou se é hora de oferecer chances a outros grupos e novas pessoas.
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