terça-feira, 23 de setembro de 2025

Bolsonarismo dobra a aposta e levanta a bola para Lula. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Presidente mantém distância de qualquer acordo pela evidência de que é o maior, senão o único, a ganhar com essa arruaça na praça pedagiada do golpismo

A nova leva de sanções americanas não veio no dia seguinte ao julgamento e, sim, das manifestações que evidenciaram a perda do monopólio do bolsonarismo sobre as ruas. O Brasil de domingo não foi movido por um idílio democrático, mas pela indignação - que beira a raiva, basta ver o tom desaforado dos cartazes que povoaram avenidas - com o risco de a página virada deste julgamento vir a ser reaberta por acordo que permita ao crime organizado se refastelar no Congresso Nacional.

As novas sanções sucedem, portanto, ao fracasso deste acordo por meio do combo PEC da blindagem/anistia. Sucedem, ainda, ao isolamento do bolsonarismo, evidenciado pela briga em praça pública entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o presidente de seu partido, Valdemar Costa Neto. E não apenas, vide desespero de figuras do Centrão, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI), mestre na arte de tirar leite da extrema-direita para alimentar suas próprias reses.

Nesta segunda, o senador propôs nova versão para a PEC da blindagem. Como sugeriu resguardar o que já é blindado, a opinião parlamentar, desde que não injurie ou ataque a democracia, a proposta tem focinho e cara de um cavalo de Troia. Depois da operação “Carbono Oculto”, deflagrada no fim de agosto para asfixiar a lavagem de dinheiro no setor de combustíveis, a “Cadeia de Carbono”, da sexta, avançou sobre a matéria-prima do devedor contumaz, a sonegação de combustível importado.

Centrão e bolsonarismo se desentendem num momento em que seus métodos, paradoxalmente, se aproximam. Ao conseguir que o governo americano estenda a Lei Magnitsky para Viviane Barci, esposa do ministro Alexandre de Moraes, o filho do ex-presidente vale-se do método do crime de tomar, por refém, a família daqueles a quem quer atingir.

A revogação do visto do ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, tampouco poderia ser mais clara. É Messias quem, não apenas aciona o Judiciário em nome da União, como defende o Estado brasileiro - e suas autoridades - em ações movidas por governos estrangeiros no exterior. “Quando um Estado ataca um advogado por exercer a defesa de seu cliente, fica evidente que os princípios do Estado democrático de direito foram gravemente violados”, disse no X.

A resposta mais imediata veio da Procuradoria-Geral da República. Eduardo Bolsonaro e o jornalista Paulo Figueiredo foram denunciados no inquérito que apura a coação nos processos judiciais contra o ex-presidente. Jair Bolsonaro cumpre prisão domiciliar em função deste inquérito, mas não foi incluído na denúncia. Aqueles que o foram, trataram esta denúncia com o desdém habitual: “Fajuta”.

A despeito do rechaço popular, da combustão da aliança Centrão-bolsonarismo e da aposta dobrada na agressão americana, ainda há quem veja uma porta para a mudança legislativa da dosimetria da pena que viesse a divorciar, de uma vez por todas, o bolsonarismo golpista daquele que apenas vê “exageros” no STF.

O porta-voz desta proposta, o deputado Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), escolhido para relatar a anistia, não apenas é réu no STF como autor de ação para limitar a iniciativa de impeachment de ministro à PGR. Tem, portanto, credenciais que o aproximam da Corte.

Neste rumo também estaria o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). A face pública desta costura foi seu libelo contra a traição à pátria de Eduardo Bolsonaro, primeira atitude de independência do senador em relação à base política que o levou ao comando da Casa em 2019. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), depois de ter gabaritado todos os erros que a falta de liderança comporta, sinalizou na mesma direção ao prometer votações tão logo a “pauta tóxica” seja superada.

Aquilo que pode sinalizar uma aposta na possibilidade de as mesas diretoras se livrarem do bolsonarismo como avalista de seu poder, ainda custa a se mostrar viável, mas tem sinal verde de ministros do Supremo Tribunal Federal.

Logo depois das manifestações, o ministro Gilmar Mendes saudou a defesa da democracia mas não pareceu ter abandonado a ideia de uma convergência. Não usou a palavra “acordo”, mas defendeu um “pacto” entre os três Poderes, “por uma agenda de reconstrução e de futuro”. Ao programa Roda Viva, o ministro Luis Roberto Barroso negou ter participado de qualquer tratativa mas lembrou ter defendido, tempos atrás, junto a Alcolumbre e Motta, um redesenho das penas para evitar o acúmulo dos crimes de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito.

Os ministros, como ficou dramaticamente demonstrado pela asfixia financeira sobre a família de Alexandre de Moraes, querem, compreensivelmente, retomar a normalidade da vida do país e a sua própria. Não há dúvida de que se tornaram o alvo principal da tirania americana alimentada pelo bolsonarismo.

Esta busca incessante por um acordo, porém, ignora o rechaço contra a “República dos Pactos” que permitiu ao Brasil antigolpista reocupar as ruas nesse domingo. Depois dos 12 votos com os quais contribuiu para o enredo, o PT agora quer dele se distanciar. É neste diapasão que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo aconselhado a seguir no discurso de hoje à ONU, sem deixar evidente demais de que é o maior - senão o único - a ganhar com toda essa arruaça na praça pedagiada do golpismo.

 

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