Valor Econômico
Presidente mantém distância de qualquer acordo pela evidência de que é o maior, senão o único, a ganhar com essa arruaça na praça pedagiada do golpismo
A nova leva de sanções americanas não veio no
dia seguinte ao julgamento e, sim, das manifestações que evidenciaram a perda
do monopólio do bolsonarismo sobre as ruas. O Brasil de domingo não foi movido
por um idílio democrático, mas pela indignação - que beira a raiva, basta ver o
tom desaforado dos cartazes que povoaram avenidas - com o risco de a página
virada deste julgamento vir a ser reaberta por acordo que permita ao crime
organizado se refastelar no Congresso Nacional.
As novas sanções sucedem, portanto, ao fracasso deste acordo por meio do combo PEC da blindagem/anistia. Sucedem, ainda, ao isolamento do bolsonarismo, evidenciado pela briga em praça pública entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o presidente de seu partido, Valdemar Costa Neto. E não apenas, vide desespero de figuras do Centrão, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI), mestre na arte de tirar leite da extrema-direita para alimentar suas próprias reses.
Nesta segunda, o senador propôs nova versão
para a PEC da blindagem. Como sugeriu resguardar o que já é blindado, a opinião
parlamentar, desde que não injurie ou ataque a democracia, a proposta tem
focinho e cara de um cavalo de Troia. Depois da operação “Carbono Oculto”,
deflagrada no fim de agosto para asfixiar a lavagem de dinheiro no setor de
combustíveis, a “Cadeia de Carbono”, da sexta, avançou sobre a matéria-prima do
devedor contumaz, a sonegação de combustível importado.
Centrão e bolsonarismo se desentendem num
momento em que seus métodos, paradoxalmente, se aproximam. Ao conseguir que o
governo americano estenda a Lei Magnitsky para Viviane Barci, esposa do
ministro Alexandre de Moraes, o filho do ex-presidente vale-se do método do
crime de tomar, por refém, a família daqueles a quem quer atingir.
A revogação do visto do ministro da
Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, tampouco poderia ser mais clara. É
Messias quem, não apenas aciona o Judiciário em nome da União, como defende o
Estado brasileiro - e suas autoridades - em ações movidas por governos
estrangeiros no exterior. “Quando um Estado ataca um advogado por exercer a
defesa de seu cliente, fica evidente que os princípios do Estado democrático de
direito foram gravemente violados”, disse no X.
A resposta mais imediata veio da
Procuradoria-Geral da República. Eduardo Bolsonaro e o jornalista Paulo
Figueiredo foram denunciados no inquérito que apura a coação nos processos
judiciais contra o ex-presidente. Jair Bolsonaro cumpre prisão domiciliar em
função deste inquérito, mas não foi incluído na denúncia. Aqueles que o foram,
trataram esta denúncia com o desdém habitual: “Fajuta”.
A despeito do rechaço popular, da combustão
da aliança Centrão-bolsonarismo e da aposta dobrada na agressão americana, ainda
há quem veja uma porta para a mudança legislativa da dosimetria da pena que
viesse a divorciar, de uma vez por todas, o bolsonarismo golpista daquele que
apenas vê “exageros” no STF.
O porta-voz desta proposta, o deputado Paulo
Pereira da Silva (Solidariedade-SP), escolhido para relatar a anistia, não
apenas é réu no STF como autor de ação para limitar a iniciativa de impeachment
de ministro à PGR. Tem, portanto, credenciais que o aproximam da Corte.
Neste rumo também estaria o presidente do
Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). A face pública desta costura foi seu libelo
contra a traição à pátria de Eduardo Bolsonaro, primeira atitude de
independência do senador em relação à base política que o levou ao comando da
Casa em 2019. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), depois de
ter gabaritado todos os erros que a falta de liderança comporta, sinalizou na
mesma direção ao prometer votações tão logo a “pauta tóxica” seja superada.
Aquilo que pode sinalizar uma aposta na
possibilidade de as mesas diretoras se livrarem do bolsonarismo como avalista
de seu poder, ainda custa a se mostrar viável, mas tem sinal verde de ministros
do Supremo Tribunal Federal.
Logo depois das manifestações, o ministro
Gilmar Mendes saudou a defesa da democracia mas não pareceu ter abandonado a
ideia de uma convergência. Não usou a palavra “acordo”, mas defendeu um “pacto”
entre os três Poderes, “por uma agenda de reconstrução e de futuro”. Ao
programa Roda Viva, o ministro Luis Roberto Barroso negou ter participado de qualquer
tratativa mas lembrou ter defendido, tempos atrás, junto a Alcolumbre e Motta,
um redesenho das penas para evitar o acúmulo dos crimes de golpe de Estado e
abolição do Estado democrático de direito.
Os ministros, como ficou dramaticamente
demonstrado pela asfixia financeira sobre a família de Alexandre de Moraes,
querem, compreensivelmente, retomar a normalidade da vida do país e a sua
própria. Não há dúvida de que se tornaram o alvo principal da tirania americana
alimentada pelo bolsonarismo.
Esta busca incessante por um acordo, porém,
ignora o rechaço contra a “República dos Pactos” que permitiu ao Brasil
antigolpista reocupar as ruas nesse domingo. Depois dos 12 votos com os quais
contribuiu para o enredo, o PT agora quer dele se distanciar. É neste diapasão
que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo aconselhado a seguir no
discurso de hoje à ONU, sem deixar evidente demais de que é o maior - senão o
único - a ganhar com toda essa arruaça na praça pedagiada do golpismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário