O Globo
Não ficar parado é uma coisa. Adotar retórica
eleitoral, que não ajuda na negociação com os EUA, é outra
Os americanos fecharam a porta para
negociação, mas o Brasil não fez muita questão de tocar a campainha para
entrar. Ontem, no lançamento do programa que mitiga os efeitos do tarifaço,
Lula criticou Trump, anunciou viagem com 500 empresários para a Índia e o
Sudeste Asiático, relatou conversas com líderes da China e da Rússia e disse
que procurará França, Alemanha e África do Sul.
— É assim que a gente vai tentar procurar as nossas alternativas para que os Estados Unidos aprendam que democracia, respeito comercial e multilateralismo valem pra nós e devem valer pra eles.
Há um cálculo eleitoral, segundo o qual uma
cutucadinha em Trump, ainda que de leve, faz sucesso. Mais sucesso, em termos
de popularidade, do que pedir um telefonema, ficar no vácuo e se “humilhar”,
como Lula disse. Com uma eleição pela frente, o “fora, ianques” ajuda na
popularidade presidencial, dizem ministros. Falar de soberania repercute em
setores do eleitorado, num momento em que Lula busca melhorar sua aprovação.
Não à toa, ontem ele falou que “a soberania é intocável”. Não à toa também, o
nome do programa é “Brasil Soberano”.
Lula está certo ao não ficar de braços
cruzados diante da birra de Trump, insuflada pela agenda antirrepublicana da
família Bolsonaro. Mas não ficar parado é uma coisa. Adotar retórica eleitoral,
que não ajuda na negociação, é outra. O governo busca contatos, mas, diante da
má vontade dos americanos — e sem o capitão do time brasileiro em campo —, a
situação fica difícil.
Alckmin não conseguiu avanço com o secretário
de Comércio, Howard Lutnick. Marco Rubio nem sequer divulgou encontro com Mauro
Vieira. A conversa de Fernando Haddad com o chefe do Tesouro, Scott Bessent,
foi cancelada. A atuação tímida, apontada por parlamentares e empresários, da
embaixada brasileira em Washington é outro agravante. A embaixadora Maria Luiza
Viotti, respeitada por seus pares, estava de férias nos dias do anúncio do
tarifaço, embora tenha ficado nos Estados Unidos e mantido contato diário com
Mauro Vieira. A avaliação, no entanto, é que a atuação discreta corrobora a
informação de que, no Departamento de Estado, mal sabem o nome da nossa
representante.
Com as portas fechadas, o setor produtivo
busca saídas por conta própria. Representantes do café acionaram um deputado,
que acionou a embaixada americana no Brasil, que encaminhou documentação ao
entorno de Trump. Diante das portas fechadas, um diplomata brasileiro, que agiu
para conter os efeitos do tarifaço, avisou a empresários que contratar lobistas
era um caminho válido, usado por outros países.
Enquanto isso, Eduardo Bolsonaro faz seu
lobby pelas antessalas de Rubio e do número dois, Christopher Landau, e pauta a
crise. No começo da semana, antecipou novas sanções ao Financial Times. Ontem,
Rubio anunciou restrições de vistos a quem atuou no Mais Médicos. Quem acompanha
o lobby dá como certa nova sanção atingindo familiares de ministros do STF e
até um ministro de Estado.
A entrada de Lula em campo não mudaria a
situação do Brasil no curto prazo, é verdade. Mas, ao menos do lado brasileiro,
colocaria a bola no devido lugar, deixando claro que não é sobre eleição, mas
sobre disposição para tocar a campainha e negociar.
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