quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Soberania e eleição, por Julia Duailibi

O Globo

Não ficar parado é uma coisa. Adotar retórica eleitoral, que não ajuda na negociação com os EUA, é outra

Os americanos fecharam a porta para negociação, mas o Brasil não fez muita questão de tocar a campainha para entrar. Ontem, no lançamento do programa que mitiga os efeitos do tarifaço, Lula criticou Trump, anunciou viagem com 500 empresários para a Índia e o Sudeste Asiático, relatou conversas com líderes da China e da Rússia e disse que procurará França, Alemanha e África do Sul.

— É assim que a gente vai tentar procurar as nossas alternativas para que os Estados Unidos aprendam que democracia, respeito comercial e multilateralismo valem pra nós e devem valer pra eles.

Há um cálculo eleitoral, segundo o qual uma cutucadinha em Trump, ainda que de leve, faz sucesso. Mais sucesso, em termos de popularidade, do que pedir um telefonema, ficar no vácuo e se “humilhar”, como Lula disse. Com uma eleição pela frente, o “fora, ianques” ajuda na popularidade presidencial, dizem ministros. Falar de soberania repercute em setores do eleitorado, num momento em que Lula busca melhorar sua aprovação. Não à toa, ontem ele falou que “a soberania é intocável”. Não à toa também, o nome do programa é “Brasil Soberano”.

Lula está certo ao não ficar de braços cruzados diante da birra de Trump, insuflada pela agenda antirrepublicana da família Bolsonaro. Mas não ficar parado é uma coisa. Adotar retórica eleitoral, que não ajuda na negociação, é outra. O governo busca contatos, mas, diante da má vontade dos americanos — e sem o capitão do time brasileiro em campo —, a situação fica difícil.

Alckmin não conseguiu avanço com o secretário de Comércio, Howard Lutnick. Marco Rubio nem sequer divulgou encontro com Mauro Vieira. A conversa de Fernando Haddad com o chefe do Tesouro, Scott Bessent, foi cancelada. A atuação tímida, apontada por parlamentares e empresários, da embaixada brasileira em Washington é outro agravante. A embaixadora Maria Luiza Viotti, respeitada por seus pares, estava de férias nos dias do anúncio do tarifaço, embora tenha ficado nos Estados Unidos e mantido contato diário com Mauro Vieira. A avaliação, no entanto, é que a atuação discreta corrobora a informação de que, no Departamento de Estado, mal sabem o nome da nossa representante.

Com as portas fechadas, o setor produtivo busca saídas por conta própria. Representantes do café acionaram um deputado, que acionou a embaixada americana no Brasil, que encaminhou documentação ao entorno de Trump. Diante das portas fechadas, um diplomata brasileiro, que agiu para conter os efeitos do tarifaço, avisou a empresários que contratar lobistas era um caminho válido, usado por outros países.

Enquanto isso, Eduardo Bolsonaro faz seu lobby pelas antessalas de Rubio e do número dois, Christopher Landau, e pauta a crise. No começo da semana, antecipou novas sanções ao Financial Times. Ontem, Rubio anunciou restrições de vistos a quem atuou no Mais Médicos. Quem acompanha o lobby dá como certa nova sanção atingindo familiares de ministros do STF e até um ministro de Estado.

A entrada de Lula em campo não mudaria a situação do Brasil no curto prazo, é verdade. Mas, ao menos do lado brasileiro, colocaria a bola no devido lugar, deixando claro que não é sobre eleição, mas sobre disposição para tocar a campainha e negociar.

 

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