quarta-feira, 3 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

A nova agenda 30 anos depois do Plano Real

O Globo

Brasil precisa promover reformas, confiar nos empreendedores e apostar no aumento da competição

As comemorações dos 30 anos do Plano Real, celebrados nesta semana, fazem jus ao feito histórico. A nova moeda acabou com a hiperinflação crônica, chaga que punia os mais pobres e provocava todo tipo de transtorno na vida de empresas e cidadãos. O principal legado do Real foi ter demonstrado que, quando unem determinação e propósito, os brasileiros têm o poder de resolver questões à primeira vista intratáveis. É com esse mesmo espírito em mente que o país precisa agora encarar um novo ciclo de reformas econômicas. O inimigo a bater desta vez não é mais a inflação, mas o crescimento medíocre da economia, responsável pela miséria renitente. Tal agenda deve ser encarada com a mesma garra. Se fosse possível resumi-la numa frase: o Brasil precisa confiar nos empreendedores e apostar no aumento da competição.

A história do agronegócio demonstra que o vigor empresarial brasileiro é capaz de enfrentar todo tipo de concorrente. Sem proteção tarifária, os empresários do campo adotaram as melhores práticas de plantio e gestão, investiram em tecnologia, exploraram nossas vantagens comparativas, prosperaram e criaram um dínamo de crescimento para o Brasil. Os fatores decisivos que o Estado propiciou para o sucesso não foram os programas de financiamento nem vantagens tributárias, mas o apoio à pesquisa científica, por meio da Embrapa. A revolução do interior não foi concebida num escritório na Esplanada dos Ministérios, na sede de uma estatal ou no BNDES. Como costuma dizer o ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida — um dos artífices do Real —, a melhor receita para o êxito do Brasil está na experiência do setor agrícola, com a abertura maior da economia e menos intervenção estatal.

Ganhos de produtividade com a exposição à concorrência externa não são teóricos. Nos países com baixa competição, como o Brasil, as empresas não têm incentivo para investir em inovação. Se um artigo pode ser produzido como sempre foi e vendido caro, não há razão para apostar em melhorias. É por isso que a proteção de mercado resulta na perda de investimentos. O Brasil aplica em inovação o mesmo que países com renda per capita similar. Se as condições atuais forem mantidas, pouco mudará. A experiência dos últimos governos do PT mostra que não serão linhas de crédito facilitadas por bancos estatais que transformarão essa realidade. A desindustrialização precoce não será resolvida à base de subsídios. A solução é aumentar a concorrência para que os segmentos mais capazes se desenvolvam e prosperem. Nenhum país escapou da armadilha de crescimento baixo com renda média sem se integrar à economia global.

Paulo Celso Pereira* - A volta do Ministério do Vai Dar M...

O Globo

Episódios nebulosos têm provocado ‘déjà- vu’ em quem acompanhou de perto escândalos das últimas gestões petistas

A ideia foi imortalizada no primeiro governo Lula, por sua pertinência e autoria: deveria ser criado um Ministério do “Vai dar Merda”. A proposta vinha de Chico Buarque, entusiasta da chegada do PT ao poder, temeroso do desgaste que os tropeços poderiam causar ao projeto de esquerda. Passados 18 meses de seu terceiro mandato, Lula deveria pensar seriamente na sugestão.

Nos últimos meses, uma série de episódios nebulosos tem provocado déjà-vu em quem acompanhou de perto os escândalos das últimas gestões petistas. Primeiro, foram as acusações contra o ministro Juscelino Filho, indiciado por organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Trata-se de um clássico do patrimonialismo nacional: quando era deputado, ele destinou emendas para construir estradas no Maranhão que beneficiaram propriedades suas e de sua família.

Luiz Carlos Azedo - Ao atacar Lula, Milei exuma rivalidade argentina

Correio Braziliense

Milei acusou Lula de corrupção e interferência nas eleições argentinas, dias antes de vir ao Brasil, para um encontro com Bolsonaro em Balneário Camboriú

Nem só de carne, vinho e futebol se faz a Argentina: los hermanos também são muito bons de cinema. Seus filmes nos ajudam a entender um pouco a alma dos vizinhos, principalmente as comédias, que ironizam a arrogância e a soberba portenhas. O Homem ao lado, de Mariano Cohen e Gáston Dupra, por exemplo, é uma excelente comédia sobre o comportamento de dois vizinhos. A disputa desnuda o abismo social entre ambos.

A arrogância e a soberba são as características do presidente argentino, Javier Milei, na sua relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que voltou a ser atacado pelo chefe de Estado do nosso principal vizinho. As acusações foram feitas no X, direcionada ao "perfeito dinossauro idiota", cujo nome ele não revelou, mas trata-se de uma referência a Lula, que é citado no texto.

Bernardo Mello Franco - Milei quer briga

O Globo

Inquilino da Casa Rosada boicota cúpula do Mercosul e vem ao Brasil encontrar Bolsonaro

Javier Milei não vai à cúpula do Mercosul na segunda que vem, em Assunção. Alegou estar com a agenda lotada. Curiosamente, encontrou tempo para vir ao Brasil dois dias antes. Participará de uma reunião de políticos e influenciadores de extrema direita.

A versão nacional da Cpac ocorrerá em Balneário Camboriú, a Dubai catarinense. A lista de palestrantes é encabeçada por Jair Bolsonaro e pelo filho Zero Três. Quem pagar ingresso de R$ 249 ainda terá direito a ouvir a palavra de Magno Malta e Ricardo Salles.

Milei assumiu o poder em dezembro de 2023. Ainda não visitou o Brasil, principal comprador das exportações argentinas. Agora virá sem agenda oficial para confraternizar com líderes da oposição. Não será sua primeira provocação ao Planalto. Nem a última.

Marcelo Godoy - A conta da briga entre Milei e Lula

O Estado de S. Paulo

A crispação dos dois presidentes submete as relações entre os países aos caprichos pessoais dos líderes

“A mais triste forma de saber é estar ciente.” O verso do poeta Cassiano Ricardo mostra um dos dramas de Lula. O petista não parece ciente das consequências do que fala e faz. Os turiferários que o cercam fingem não enxergar o quanto se esgarça a política, afastando da República a moderação e a procura de consensos.

Busca-se a sobrevivência diante de um mundo exasperado, sem espaço para personagens como o francês Emmanuel Macron. Seu drama não se resume ao cálculo político desastroso ou à vaidade que acabou por destruí-lo. Há outro problema. E ele está no espírito do tempo. Uma nova era política parece condenar partidos e líderes à extinção catastrófica.

Bruno Boghossian - Os limites para Trump

Folha de S. Paulo

Ex-presidente deve estar ansioso para testar os limites de seus 'atos oficiais' num novo mandato

A política americana oferece ao presidente uma proteção generosa. Pelas regras, o chefe do governo tem garantidos o poder para liderar o país em tempos de crise e segurança para tomar decisões difíceis. Essa arquitetura sobreviveu a muitos testes, mas não estava preparada para um sujeito como Donald Trump.

A Suprema Corte dos EUA decidiu na segunda (1º) que os presidentes do país gozam de alguma imunidade. Ao julgar um pedido de Trump, o tribunal repisou uma interpretação de quatro décadas e estabeleceu que esses políticos não podem ser processados por "atos oficiais". Eles estão vulneráveis apenas no caso de "atos não oficiais". Essas situações seriam avaliadas individualmente.

Hélio Schwartsman - Cassinos de bolso

Folha de S. Paulo

Soa extemporâneo proibir cassinos quando já é possível apostar em todas as modalidades

Parlamentares bolsonaristas alegam razões sanitárias para opor-se ao PL que autoriza o funcionamento de cassinos no Brasil. Para eles, a medida agravaria o já sério problema do vício em jogos.

É comovente ver esse pessoal que pontificava contra as vacinas quando morriam 4.000 brasileiros por dia de Covid-19 preocupado com a saúde pública. Nunca é tarde para converter-se à medicina baseada em evidências.

Zeina Latif - O Brasil é ingovernável?

O Globo

Fazer reformas fiscais deveria ser prioridade da classe política, até porque a oposição de hoje poderá ser governo amanhã

O país parece mais difícil de governar, mas isso não deveria ser justificativa para a inação.

O Executivo tem hoje menor poder para alocar recursos do Orçamento onde bem entender. Isso porque em torno de 93% das despesas são de natureza obrigatória, ante 75% no início dos anos 2000. O engessamento do Orçamento da União decorre das muitas regras constitucionais, além de despesas de difícil compressão, como o Bolsa Família.

Vinicius Torres Freire - Lula Descontrolado

Folha de S. Paulo

Presidente cria ambiente de crise quando não havia uma e chuta juros e dólar para cima

No dia 12 de março deste ano, a taxa de juros de um ano baixara a 9,75%. Foi a menor desde 2021, em pleno governo das trevas. O dólar custava R$ 4,98. A taxa real de juros de um ano estava na casa de 5,8% ao ano. Nas contas de "o mercado", o Banco Central levaria a Selic até 9% no final deste 2024 e para 8,5% no final de 2025.

Nesta terça, taxa de juros de um ano subiu a 11,39%. A taxa real de juros de um ano, para 7,4%. Prevê-se Selic em 10,5% ou mais até o final do ano. O dólar anda em níveis inflacionários, triscando os R$ 5,70.

O que houve entre os quatro meses daquele março risonho e franco e este junho em que o país parece estar em crise? O outono quente e seco em São Paulo mexeu com os miolos dos mercadores e donos do dinheiro?

Wilson Gomes - juiz celebridade precisa acabar

Folha de S. Paulo

Se não compreender esse fato, em breve não terá moral para fazer o seu papel

Sou de uma geração que, ao alcançar a idade do discernimento moral e do entendimento do mundo, achou-se sob uma ditadura militar. Uma geração que não apenas viveu boa parte da vida sob um regime ditatorial, mas cujos pais haviam experimentado duas ditaduras.

Um jovem dos anos 1980 nem sequer conseguia discernir se o país vivia sob um regime democrático frequentemente interrompido por longas ditaduras ou se saltava de ditadura em ditadura com breves intervalos democráticos. Daí o assombro de quase ver a história se repetir em 2023, quando bolsonarismo achou que já era tempo demais de recreio democrático e saiu num domingo de sol para dar um golpe como quem sai para um passeio no parque.

Martin Wolf - Mudança climática é falha de mercado

Financial Times / Valor Econômico

Estamos descobrindo que é praticamente impossível agir na escala necessária para conter o aquecimento global

 No cerne das tentativas para interromper as mudanças climáticas, há duas ideias: descarbonizar a eletricidade e eletrificar a economia. Então, como isso está indo? Mal, é a resposta.

Se a situação mudará a tempo? Não, na trajetória atual. Ainda pior, a política, sempre difícil, tornou-se ainda mais complicada: as pessoas simplesmente não querem pagar pelo preço de descarbonizar a economia.

Um fato desanimador: em 2023, a produção de eletricidade gerada por combustíveis fósseis foi a maior na história. A participação da eletricidade produzida dessa maneira em relação ao total, na verdade, caiu, de 67%, em 2015 (data do célebre Acordo de Paris sobre o clima), para 61%, em 2023. Nesses oito anos, contudo, a produção total de eletricidade no mundo saltou 23%. Como resultado, embora a geração de fontes não fósseis (incluindo a nuclear) tenha aumentado impressionantes 44%, a de combustíveis fósseis cresceu 12%. Infelizmente, a atmosfera reage às emissões, não às boas intenções: estamos correndo para a frente, mas indo para trás.

Fernando Exman - Entre discurso e prática, o labirinto da economia

Valor Econômico

Lula está insatisfeito com a forma com que auxiliares têm defendido os resultados obtidos em seu terceiro mandato

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva atropelou as discussões que vinham sendo conduzidas, com relativa discrição dentro do governo, para a formatação de um novo discurso sobre o desempenho da economia. A estratégia estava em gestação, quando Lula avançou o sinal e acelerou. A imprudência gerou novo acidente no mercado de câmbio, em um momento em que seria melhor dar algum sinal na política fiscal.

Além de parecer disposto a manter uma permanente rixa com o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, Lula está insatisfeito com a forma com que auxiliares têm defendido os resultados obtidos em seu terceiro mandato. Acha que a percepção do brasileiro sobre a qualidade de vida está impactando negativamente a sua popularidade, a despeito de indicadores positivos observados há meses, e portanto há que contar “uma história melhor” para a população.

Lu Aiko Otta - Ajuste fiscal de Lula poderá ter “bondades

Valor Econômico

Presidente e Haddad discutem hoje um leque de medidas destinadas a ajustar as contas públicas no período de 2024 a 2026

Um leque de medidas destinadas a ajustar as contas públicas no período de 2024 a 2026 deverá ser levado hoje pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Esta é a pauta da reunião, o que não impede que a escalada do dólar seja discutida.

No fiscal, quem espera sinais contundentes e definitivos de compromisso do atual governo com cortes de despesas poderá se decepcionar.

Na noite de segunda-feira, o ministro avisou que levaria um “diagnóstico geral das questões a serem enfrentadas” e que as medidas exigirão um “tempo de maturação”, até que o presidente esteja seguro de que as pessoas que precisam ser protegidas o serão.

Poesia | A Procura, de Cora Coralina

 

Música | Zeca Pagodinho 40 anos - “Cadê meu amor” & “Seu Balancê”/Part. Especial: Iza

 

terça-feira, 2 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Aposta de Macron contra extrema direita fracassou

O Globo

Com desempenho sem precedente em eleição legislativa, partido de Marine Le Pen pode chegar ao poder

Apenas daqui a uma semana ficará claro o tamanho do avanço do Reunião Nacional (RN), de extrema direita, nas eleições legislativas francesas. Mas desde já é possível afirmar que não será pequeno. Na França, a disputa pelas 577 cadeiras da Assembleia Nacional ocorre em dois turnos. No domingo, 37 candidatos do RN obtiveram mais de 50% dos votos e foram eleitos. A Nova Frente Popular, coalizão dominada pela extrema esquerda, elegeu 32, e a aliança centrista do presidente Emmanuel Macron só dois.

Embora haja um movimento nacional pela união de forças republicanas — um conceito elástico que pode abranger da centro-direita à extrema esquerda — contra o RN na derradeira votação de domingo pelas cinco centenas de vagas que seguem em disputa, é praticamente inevitável seu crescimento inédito. Projeções sugerem que o partido poderá ficar com uma fatia entre 230 e 280 cadeiras (hoje tem 88). Para assumir o cargo de primeiro-ministro, o presidente do partido, Jordan Bardella, impôs como condição a conquista da maioria absoluta (289 cadeiras), uma meta tangível. Mas, ainda que fique aquém dela, é certo que o RN criará todo tipo de problema aos projetos de Macron.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Longe e tão perto assim: o drama da política na França, nos EUA e nos nós do Brasil

Se a vida política pudesse transcorrer num mundo ideal, o debate ocorrido, essa semana, entre o presidente Biden e seu desafiante nas próximas eleições norte-americanas teria sido assistido por todos os cidadãos e cidadãs dos países democráticos com o mesmo interesse dispensado a um debate eleitoral decisivo que se desse em seu próprio país. Num mundo ideal, em que a informação política circulasse de maneira ampla, verídica no conteúdo factual e comunicada de modo veraz, não seria preciso esforço maior de argumentação para que se tomasse consciência pública das implicações internacionais do resultado dessas eleições. A consciência viria da própria experiência compartilhada do público com a política. Como esse mundo ideal não existe, é preciso repetir o que seria óbvio: que uma eventual vitória de Donald Trump em novembro será uma ameaça para a democracia no planeta. Essa razão explica a apreensão com a performance insegura do presidente e candidato democrata no debate.

Talvez seja uma consciência tardia, visto que as eleições já estão na porta. A essa altura, a força de inércia de automatismos sistêmicos da competição eleitoral e da diversidade de preferências políticas, talvez sem tempo de serem conciliadas numa candidatura unitária, poderá bloquear gestos mais largos, como o da retirada da candidatura pelo próprio Biden. Essa hipótese, enfaticamente veiculada, há três dias, pela imprensa e várias fontes de opinião democratas, não aparenta ser muito realista, pelo menos na visão destes olhos não treinados por um entendimento maior do contexto norte-americano. Ou melhor, realista ela é, em sentido amplo, de quem procura enxergar além da pequena política. Mas esse é um tipo de realismo que anda escasso em mercados políticos consolidados, onde rotinas se impõem.

Merval Pereira - A direita se move

O Globo

Eleitorado quer mudar radicalmente a situação, e Macron dificilmente conseguirá reverter esse ambiente

A direita política colheu uma série de vitórias nos últimos dias na França e nos Estados Unidos, que repercutem na direita brasileira. A decisão da Suprema Corte americana de dar a Donald Trump uma imunidade parcial nos processos a que responde favorece-o na corrida presidencial, afastando a possibilidade de vir a ser julgado antes das eleições de novembro.

Além desse efeito prático, a maioria conservadora da Suprema Corte deu argumentos à visão da direita internacional, especialmente aos bolsonaristas, que identificam na decisão a confirmação de que o ocorrido no Brasil pode não ter sido uma tentativa de golpe, mas uma ação presidencial dentro de suas prerrogativas.

Assim como Trump tinha direito de pedir ao secretário de Estado da Georgia que “encontrasse” mais votos para ele em sua região, Bolsonaro também poderia ter “consultado” ministros e assessores sobre reações à vitória de Lula na eleição presidencial.

Andrea Jubé - PT e MDB: na eleição, a ocasião faz a aliança

Valor Econômico

Presidente não vai para o confronto para não se indispor com o aliado

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparou, recentemente, a eleição para a Prefeitura de São Paulo a “uma verdadeira guerra”, usou um tom acima em relação ao que pretende adotar com o MDB, um de seus principais aliados, na campanha eleitoral. Porque se o MDB - que comanda três ministérios no governo federal - é adversário do PT em palcos relevantes como São Paulo e Porto Alegre (RS), as duas siglas caminharão juntas em outras capitais e grandes municípios no pleito de outubro.

A aliança entre PT e MDB é tão antiga, que remonta aos anos 80, quando Lula e Ulysses Guimarães compartilhavam segredos entre os comícios das “Diretas Já”, e o atual presidente da sigla, Baleia Rossi, ainda estava concluindo o ensino fundamental.

Em 1984, Lula revelou a Ulysses - até hoje, o principal símbolo do MDB - o fogo amigo em curso contra ele. Os emedebistas de São Paulo armavam a traição ao “Senhor Diretas”, articulando apoio a Tancredo Neves para a Presidência da República, com o PT na aliança. Lula disse a Ulysses que os paulistas referiram-se a ele como o “Winston Churchill” do MDB, que dera o que tinha de dar.

Segundo o relato do episódio, que consta de “A história de Mora” (livro de memórias sobre Ulysses do jornalista Jorge Bastos Moreno), o emedebista histórico viu-se acuado e rendeu-se, tornando-se coordenador da campanha de Tancredo.

Pedro Doria - O Real funcionaria hoje?

O Globo

Democracias só resolvem problemas grandes se sociedades são capazes de se unir num projeto comum

Duas políticas públicas definem a Nova República, aquilo que a democracia brasileira melhor construiu desde o fim da ditadura. Foram o Plano Real e o Bolsa Família. Passamos as últimas semanas celebrando os 30 anos da primeira, mas pouco falamos de um dos elementos essenciais para seu sucesso: a imprensa. Porque, para além do instante de brilho da ideia dos economistas Persio Arida e André Lara Resende, no coração do Real estava a necessidade de ele ser bem compreendido pela sociedade. O Plano Real deu certo porque foi bem explicado, e isso ocorreu nas páginas de jornais e revistas, no rádio e, principalmente, nas telas de televisão. Compreender esse aspecto da história é importante porque ela nos impõe uma pergunta: será que seria possível hoje? Provavelmente a mesma ideia, hoje, não daria certo.

Míriam Leitão - Por que lembrar o Plano Real?

O Globo

Na tumultuada história monetária brasileira, existe o antes e o depois do Plano Real. E, por isso, este marco de 30 anos deve ser relembrado

Quando pedi a entrevista a Edmar Bacha sobre o real, na preparação de um documentário, ele perguntou: “O que deu no Brasil? O real fez 1,5, 15, 29 anos e tudo bem. Faz 30 e todo mundo quer falar disso?” Verdade. Isso pode indicar que o Brasil é cauteloso. Quer ter certeza antes de comemorar. Nessas três décadas, houve momentos de perigo em que a inflação ficou em dois dígitos, mas acabou voltando a ser controlada. Em qualquer pesquisa de opinião pública, quando perguntada, a grande maioria da população responde que está preocupada com a inflação. A atitude de permanecer vigilante é parte desse sucesso.

Luiz Carlos Azedo - Lula desafia o “instinto animal” do mercado

Correio Braziliense

O ministro Haddad tenta manter a ancoragem da economia, mas o que não faltam no PT são vozes discordantes. Os petistas vibram com as diatribes econômicas de Lula

Há 30 anos, no governo Itamar Franco, quando foi lançado o Plano Real, repórter do jornal O Globo em São Paulo, perguntei ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), então o candidato favorito à Presidência nas eleições de 1994, se ele torcia para o plano dar certo ou para dar errado? Lula se enrolou, disse que torcia para o plano dar certo, mas, infelizmente, achava que daria errado. Era a avaliação de seu vice, Aloizio Mercadante, e a da também da economista Maria da Conceição Tavares, recentemente falecida.

Como no samba Feitio de Oração, de Noel Rosa, em economia, quem acha vive se perdendo. É preciso fazer contas. O plano deu certo, e Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda e candidato do governo à Presidência, acabou vencendo as eleições no primeiro turno. Foi uma campanha na qual o PT já havia cometido outros erros, entre os quais não apoiar o governo Itamar nem aceitar uma aliança com o PSDB, que implicaria ceder a vice e apoiar Mario Covas, em São Paulo, como desejava o então governador do Ceará, Tasso Jereissati.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Nada de novo sob o sol: dólar x real

Valor Econômico

Sucessão de episódios de valorização/desvalorização cambial demostra que a almejada correção dos chamados desequilíbrios globais vai exigir regras não compatíveis com sistema atual

A continuada desvalorização do real nas últimas semanas deflagrou uma avalanche de opiniões a respeito do fenômeno monetário-financeiro internacional. Peço licença ao eventual leitor para sublinhar monetário-financeiro e internacional.

O pedido ao leitor deita raízes na sobrecarga de opiniões que se derramam em queixas que atribuem à irresponsabilidade fiscal os sucessivos e intensos declínios de valor do nosso Real diante do patrono do sistema monetário internacional, mister dólar.

Incursões na história: começamos com a estagflação dos anos 1970 do século passado. Naqueles tempos, a continuada desvalorização do dólar foi enfrentada com a elevação da policy rate deflagrada por Paul Volker em 1979. A elevação dos juros foi apresentada, então, como uma medida destinada a alcançar o objetivo doméstico de controle da inflação, mas o efeito mais relevante para a economia internacional foi a recuperação do papel do dólar como moeda-reserva.

Lula atribui alta do dólar a especulação e diz que governo tem de fazer "alguma coisa"

Por Fabio Murakawa e Jéssica Sant’Ana / Valor Econômico

O presidente não revelou qual sua ideia, mas disse que terá uma reunião na quarta-feira (3) sobre o assunto

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta terça-feira que a alta do dólar o preocupa, mas disse que o movimento é fruto de uma especulação. Ontem, a moeda americana atingiu R$ 5,65, o maior valor desde janeiro de 2022, fruto do cenário externo e das incertezas sobre a política fiscal do governo.

"Obviamente que me preocupa essa subida do dólar. Há uma especulação, há um jogo de interesse especulativo contra o real nesse país. Não é normal o que está acontecendo", disse Lula em entrevista à Rádio Sociedade, durante visita na Bahia nesta terça-feira (2).

Dora Kramer - Síndrome de oposição

Folha de S. Paulo

Presidente age mais como oposicionista que como o chefe da situação

O político Lula fez carreira apontando o dedo da acusação ao alheio. Perdeu três eleições presidenciais, ganhou outras três e a terceira vitória à chefia da nação parece ter incutido no cidadão Luiz Inácio da Silva a certeza de que é dono do monopólio da razão.

Ele exibe a convicção de que seus argumentos são mais certeiros que os fatos, por mais que as palavras se contraponham aos atos da realidade.

Chama de cretinos os que relacionam as turbulências na economia às suas declarações contra o Banco Central autônomo. Menospreza a necessidade de o governo conter despesas em prol do equilíbrio das contas públicas.

Hélio Schwartsman - A aposta errada

Folha de S. Paulo

Antecipar eleições legislativas contando com reação de moderados foi grande erro de cálculo

Emmanuel Macron apostou alto ao convocar eleições legislativas antecipadas e perdeu. Ao que tudo indica, ele imaginava que a perspectiva de a ultradireita conquistar maioria na Assembleia Nacional mobilizaria os eleitores para impedir tal desfecho. Foi com base nessa lógica —evitar a eleição de Marine Le Pen— que o próprio Macron se consagrou duas vezes presidente da França. Mas, desta vez, não funcionou.

A caminho do desconhecido político

The Economist / O Estado de S. Paulo

Maioria de ultradireita no Parlamento testará Constituição concebida para dar estabilidade ao país

Uma nova era dramática começou na França no domingo, quando o partido de direita radical de Marine Le Pen assumiu uma liderança maciça na votação do primeiro turno para a Assembleia Nacional. Seu Reagrupamento Nacional (RN) nunca esteve tão perto de governar o país. O partido garantiu 33,1% dos votos, segundo dados oficiais.

Antes do segundo turno, no próximo domingo, isso o coloca no caminho para conquistar de 230 a 280 assentos na Assembleia Nacional, que tem 577 lugares, ante aos atuais 88, e se tornar facilmente o maior grupo no Parlamento. Um resultado na ponta superior dessa faixa colocaria o RN perto de uma maioria geral de 289.

A eleição foi marcada pelo maior comparecimento no primeiro turno desde 1997. Os candidatos do RN ficaram em primeiro lugar em centenas de distritos eleitorais em todo o país: em seus antigos centros geográficos, como o chamado cinturão da ferrugem (industrial) no nordeste do país e no sul da França, bem como em lugares historicamente com pouco apoio, como a Bretanha. Em seu próprio distrito eleitoral em torno de Hénin Beaumont, na região de mineração do norte, Le Pen foi eleita no primeiro turno.

Eliane Cantanhêde - Barbas de molho

O Estado de S. Paulo

Se Lula replicar o enfraquecimento de Biden e Macron, quem lucra no Brasil?

O mundo anda tão louco que o presidente Emmanuel Macron convocou a antecipação das eleições parlamentares na França, para perder feio, assim como o presidente Joe Biden desafiou Donald Trump para um debate e para ser massacrado, a meses da eleição nos EUA. Só antecipa eleição e propõe debate quem sabe que vai ganhar e era evidente que eles iriam perder. Ou Macron e Biden têm uma estratégia supersofisticada, ou estão mal assessorados, ou fora da realidade ou, simplesmente, desesperados. A resistência internacional à extrema direita se enfraquece, assim como Macron, principal interlocutor do presidente Lula.

Carlos Andreazza - Nem ovo nem galinha

O Estado de S. Paulo

Dane-se a cronologia. Se Lula falou antes ou depois de o dólar ganhar mais corpo. Fala sempre

Não sei o que veio antes, o ovo ou a galinha. Sei que apalavra de presidente resulta. Em matéria econômica, faz preço. Tanto mais se acumulado o verbo. Lula sabe. “O problema não é que tem que cortar. Problema és aber se precisa efetivamente cortar ouse precisa aumentara arrecadação .”

Nem ovo nem galinha. Danes e acronologia. Se falou ante sou depois de o dólar ganhar mais corpo. Fala sempre. Antese depois. Quando provocado a tratar de corte de gastos. É como reage. Eleito o presidente do Banco Central (um exibido) como o adversário. E o dólar a expandira mordida.

Paulo Hartung - A urgência da segurança pública

O Estado de S. Paulo

Já passou da hora de agirmos efetivamente para enfrentar esse problema que é histórico, mas ganhou uma dimensão sem precedentes entre nós

Questões estruturais de nossa sociedade, a violência e a criminalidade acompanham o redesenho da vida nacional desde que migraram do antigo cotidiano rural para o dia a dia urbano. Também recrudesce como consequência crescente a sofisticação operacional, com articulações cada vez mais amplificadas e engenhosas. O crime organizado avança a tal ponto entre nós que se projeta como um poder paralelo e fora de controle.

Apesar de histórica, essa questão nunca entrou na agenda prioritária do País. No pós-redemocratização, enfrentamos desafios importantes como na saúde (SUS), educação (Fundeb), hiperinflação (Real) e renegociação da dívida externa. A segurança pública, seja na agenda dos Poderes, seja na academia, seja nas organizações da sociedade, ficou excluída dos debates e ações centrais. No entanto, não dá mais para esperar.

Jorge J. Okubaro - O mundo além do Copom

O Estado de S. Paulo

A alta do dólar em junho parece sintetizar em cifras um mês em que as coisas andaram mal para Lula e para seu governo

A cotação do dólar em R$ 5,59 no fechamento dos negócios na sextafeira, a mais alta desde janeiro de 2022, foi interpretada por muitos como o sinal mais óbvio de quanto o presidente Lula da Silva prejudica a economia. Ainda que disputas naturais no encerramento do semestre, cujos resultados podem balizar a liquidação de contratos futuros, tenham excitado o mercado e impulsionado o câmbio, Lula foi apontado como o responsável. Tornou-se alvo fácil nas últimas semanas.

A alta do dólar em junho, de 6,5% (de mais de 15% no ano), parece sintetizar em cifras um mês em que as coisas andaram mal para Lula e para seu governo. Derrotas num Congresso que foge de questões relevantes, ações da Polícia Federal contra um ministro de Estado, tentativas da direita (felizmente obstadas pela sociedade) de aprovar medidas retrógradas, ataques ao Banco Central (BC) são alguns eventos do mês.

Antônio Fausto Nascimento* - O tenentismo - um século do segundo cinco de julho

Na madrugada de 5 de Julho de 1924, tropas rebeladas do Exército, em São Paulo, se deslocaram ao quartel da Força Pública estadual, no bairro da Luz, onde instalaram o Estado Maior, sob comando do general Isidoro Dias Lopes. Começava a Revolução de 1924, mais sangrento episódio das revoltas tenentistas, que culminaram na Revolução de Trinta.

Em poucas horas, tropas federais, deslocadas de navio ao porto de Santos, tomaram a estrada de ferro São Paulo Railway, conseguindo chegar à estação de São Caetano, ainda pequena localidade paulista.

A noite, primeiro confronto entre rebeldes e legalistas na estação do Ipiranga, prosseguindo noutros pontos da Capital. Durante 23 dias de inverno rigoroso, a cidade de São Paulo e seus subúrbios sofreram a tragédia da guerra civil.

Poesia | Ode ao dois de julho, de Castro Alves

 

Música | Casuarina e Wilson Moreira - Senhora Liberdade

 

segunda-feira, 1 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Abuso de emendas de relator se repete nas de comissão

O Globo

Opacidade do orçamento secreto volta a vigorar, apesar de o STF ter declarado a prática inconstitucional

No final de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que as emendas ao Orçamento conhecidas pela sigla RP9 — ou “emendas do relator” — eram inconstitucionais. Sustentáculos do orçamento secreto, elas pecavam pela falta de transparência ao omitir o parlamentar responsável por destinar a verba. Os ministros da Corte entenderam que isso feria a Constituição. Na época, a então presidente do STF, Rosa Weber, declarou que o pagamento das emendas de relator era “recoberto por um manto de névoas”. De lá para cá, as RP9s acabaram, mas o nevoeiro não se dissipou. Só mudou de lugar.

Marcus André Melo - O operador e a máquina

Folha de S. Paulo

O maquinário das democracias atuais está caindo frequentemente nas mãos de mecânicos ineptos

Para Giovanni Sartori (1924-2017), a democracia consiste em um maquinismo e um conjunto de maquinistas que têm que pôr a máquina para funcionar. Mas quando nos queixamos da democracia e denunciamos sua crise geralmente focamos o maquinismo e esquecemos os operadores. Ou atacamos os maquinistas e esquecemos o maquinário.

O maquinismo é a estrutura constitucional do país. Embora defenda que o maquinário das democracias atuais é "decente", embora esteja "caindo frequentemente nas mãos de mecânicos ineptos". Sartori é cáustico em relação a nossa Constituição, que é repleta de "dispositivos quase suicidas" e "promessas irrealizáveis". (Sim, a carta de 1988 continha um dos mais bizarros dispositivos já incorporados a uma constituição: o tabelamento da taxa de juros).

Bruno Carazza - Trinta anos do Plano que não terminou

Valor Econômico

Lenta corrosão do poder de compra evidencia que estabilidade ainda está longe de ser alcançada

Hoje é dia de celebrar o trigésimo aniversário de um dos maiores feitos da história brasileira em termos de política econômica: o Plano Real.

Para se ter ideia do que isso significa, basta recorrer a um número. De janeiro de 1980, quando o atual índice oficial de inflação foi criado, até junho de 1994, o IPCA subiu 11.256.886.924.720,79914%. Isso mesmo: mais de onze trilhões por cento.

Explicar como era viver naqueles tempos de hiperinflação para os jovens de hoje, além de revelar nossa faixa etária, é também uma oportunidade para reconhecer como o Brasil mudou a partir daquele 1º de julho de 1994.

Alex Ribeiro - BC nada pode fazer sobre a alta do dólar

Valor Econômico

Mercado ainda não tem plena confiança do comprometimento com o controle da inflação do novo BC que será comandado por diretores indicados por Lula

O Banco Central nada pode fazer para impedir a tendência de alta da cotação do dólar. Se a autoridade monetária se arriscar a intervir com vendas de dólares, vai queimar reservas internacionais à toa e perder um pedaço de sua credibilidade na luta contra a inflação.

Na sexta-feira, quando o câmbio rumou para um novo patamar, encostando em R$ 5,60, havia alguma expectativa de que o Banco Central pudesse vender moeda estrangeira, seja à vista, seja por swaps cambiais.

Diogo Schelp - Um vício por outro

O Estado de S. Paulo

Congresso avança para multiplicar viciados em jogos de azar e reprimir usuários de maconha

O Congresso trilha um caminho ambíguo em relação a dois temas com impacto sobre a saúde pública, as relações familiares e a criminalidade. Avança no Senado, depois de aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que legaliza cassinos, bingos, bicho, apostas online e outros jogos de azar. E chegou do Senado para discussão na Câmara a PEC que criminaliza a posse de qualquer quantidade de drogas. Os usuários, a critério do juiz, receberão penas alternativas.

Denis Lerrer Rosenfield - Enganação

O Estado de S. Paulo

Desde o início, Lula e Haddad se recusaram, um sem nenhuma sutileza, o outro com a pretensão de enganar os incautos, a fazer redução de despesas ou corte de gastos

Engana-se quem pensa que Lula da Silva e Fernando Haddad possuem ideias diferentes, embora um seja mais tosco e o outro mais refinado. Analistas do mercado e jornalistas ficaram desde a posse do novo presidente, até poucas semanas atrás, querendo diferenciá-los, fazendo do primeiro um irresponsável do ponto de vista fiscal enquanto o segundo colocaria nos trilhos as finanças públicas. Armou-se o palco de uma grande encenação, uns ganhando prestígio, outros, dinheiro. De repente, o teatro foi desmontado, a decepção apoderando-se de muitos. Não compreenderam um fato básico: eles formam um dueto.