O Estado de S. Paulo
A alta do dólar em junho parece sintetizar em cifras um mês em que as coisas andaram mal para Lula e para seu governo
A cotação do dólar em R$ 5,59 no fechamento
dos negócios na sextafeira, a mais alta desde janeiro de 2022, foi interpretada
por muitos como o sinal mais óbvio de quanto o presidente Lula da Silva
prejudica a economia. Ainda que disputas naturais no encerramento do semestre,
cujos resultados podem balizar a liquidação de contratos futuros, tenham
excitado o mercado e impulsionado o câmbio, Lula foi apontado como o
responsável. Tornou-se alvo fácil nas últimas semanas.
A alta do dólar em junho, de 6,5% (de mais de 15% no ano), parece sintetizar em cifras um mês em que as coisas andaram mal para Lula e para seu governo. Derrotas num Congresso que foge de questões relevantes, ações da Polícia Federal contra um ministro de Estado, tentativas da direita (felizmente obstadas pela sociedade) de aprovar medidas retrógradas, ataques ao Banco Central (BC) são alguns eventos do mês.
Em vez de enfraquecer a união de seus
adversários, o presidente deu-lhes força. Ao investir contra o presidente do
Banco Central, Roberto Campos Neto, estimulou a ira de analistas e operadores
contra seu governo, cujas propostas sociais são consideradas despiciendas por
quem busca obsessivamente a maximização dos ganhos financeiros.
O aparente desdém com que Lula trata o
superávit fiscal, outra obsessão do mercado, alimenta a ira contra si. Num
evento em Juiz de Fora (MG), o presidente disse que não fará o ajuste fiscal
que atinja “o povo trabalhador e pobre”. Foi com esse compromisso que Lula
obteve boa parte de seus votos em 2022.
É provável, porém, que agentes do mercado só
aceitem de Lula a adesão cega ao ajuste fiscal a qualquer custo. Diante da
escolha de Lula por ações no campo social, há até quem coloque em questão sua
capacidade de compreensão dos problemas nacionais, o que dá a dimensão da
obnubilação que acomete parte de seus opositores.
Um conjunto de eventos e interpretações
recentes dá ideia das relações de Lula e seu governo com parte da sociedade.
As escolhas de membros da diretoria do Banco
Central (quatro de nove diretores, incluído o presidente) pelo atual governo
geraram muitas previsões, quase todas improcedentes. Na reunião de maio do
Comitê de Política Monetária (Copom), houve divisão de votos – cinco (incluído
o do presidente) pela redução de 0,25 ponto porcentual da taxa Selic e quatro
(todos de escolhidos por Lula) pela redução de 0,50 ponto –, o que foi
interpretado como uma disputa entre os indicados de Lula e os de Jair
Bolsonaro.
Isso gerou tensões no mercado. Mostraria uma
articulação da “turma do Lula” no Banco Central para mudar a política monetária
de Campos Neto, eleitor explícito de Bolsonaro e inimigo de Lula. Na reunião de
junho, porém, a decisão de manter o juro básico foi tomada por unanimidade. Por
onde andou a turma que quer nova política monetária? Qual foi o efeito das
críticas de Lula a Campos Neto sobre as decisões do Copom?
O problema se repete com a futura
substituição de Campos Neto, cujo mandato no BC termina em dezembro. Um dos
nomes citados para substituí-lo é o do atual diretor de Política Monetária,
Gabriel Galípolo, um dos dois primeiros indicados de Lula para a atual
diretoria. Seria, advertem os críticos de toda ação do governo, a consolidação
do petismo no BC. Talvez seja útil ler as observações do ex-diretor do BC Tony
Volpon à Coluna do Estadão de sábado. A gestão de Galípolo seria de
continuidade: “Não seria muito diferente de Roberto Campos Neto”.
Há excessos em falas de Lula, mas os há
também em reações a essas falas. O presidente quer mostrar que continua
preocupado primeiro com a questão social, o que não deveria causar espanto em
ninguém que acompanha a política brasileira desde os anos 1970. Mas Lula já
defendeu com mais eficiência suas ideias e já mostrou mais competência na
negociação com o Congresso. Sua fragilidade política, num país ainda dividido,
tem reduzido, quando não inviabilizado, a capacidade de elaboração de planos de
ação.
Faltam programas que mirem o futuro. O País
parou de discutir projetos de longo prazo. Talvez pior, falta visão para
problemas antigos, o mais preocupante dos quais é– e nisso os operadores do
mercado têm razão, embora não o enxerguem desse modo – o que o ex-ministro da
Fazenda Maílson da Nóbrega chamou de “insensatez fiscal” em artigo publicado no
Estadão (29/6). Trata-se da rigidez orçamentária que, ao mesmo tempo, impede
cortes de gastos e impulsiona despesas por meio de aumentos automáticos. Hoje,
mostra o exministro, a União dispõe de apenas 4% das despesas primárias para
definir suas prioridades. E essa fatia continua a diminuir – até que o governo
nada mais possa fazer. Se não se resolver esse problema, de que adiantará falar
de projetos para o futuro?
Eis uma questão que deveria preocupar todos,
governo, oposição, empresariado, sociedade. Mas alguém mais está preocupado com
isso, além do ex-ministro?
Nenhum comentário:
Postar um comentário