quarta-feira, 3 de julho de 2024

Fernando Exman - Entre discurso e prática, o labirinto da economia

Valor Econômico

Lula está insatisfeito com a forma com que auxiliares têm defendido os resultados obtidos em seu terceiro mandato

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva atropelou as discussões que vinham sendo conduzidas, com relativa discrição dentro do governo, para a formatação de um novo discurso sobre o desempenho da economia. A estratégia estava em gestação, quando Lula avançou o sinal e acelerou. A imprudência gerou novo acidente no mercado de câmbio, em um momento em que seria melhor dar algum sinal na política fiscal.

Além de parecer disposto a manter uma permanente rixa com o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, Lula está insatisfeito com a forma com que auxiliares têm defendido os resultados obtidos em seu terceiro mandato. Acha que a percepção do brasileiro sobre a qualidade de vida está impactando negativamente a sua popularidade, a despeito de indicadores positivos observados há meses, e portanto há que contar “uma história melhor” para a população.

Esse não é um desafio exclusivo do petista. O presidente americano, Joe Biden, enfrenta um semelhante.

Em campanha à reeleição, Biden tem mencionado o reaquecimento da economia e a criação de milhões de empregos durante seu mandato. Cita dados públicos, conhecidos e verdadeiros. Mas ainda assim, seu adversário, o ex-presidente Donald Trump, tem conseguido encontrar espaço para criticar a forma como ele tem lidado com as questões econômicas.

Recentes pesquisas mostram que parte considerável do eleitorado americano espera estar melhor financeiramente em um novo governo do republicano. Lá como cá, a inflação é um tema crucial: o alto custo de vida tem perturbado eleitores e tornou-se um tema amplamente explorado pela oposição.

É exatamente este o problema que tem atormentado Lula. Ele também cita indicadores públicos, conhecidos e verdadeiros. Mas se questiona como não chega à ponta da população a percepção de que está melhor viver no Brasil hoje. Decidiu reagir.

Para usar as palavras escritas no mais recente Relatório de Inflação pelo Banco Central, alvo prioritário do presidente, depois de crescer 2,9% em 2023 o Produto Interno Bruto (PIB) surpreendeu no primeiro trimestre de 2024 e apresentou expansão robusta e acima da esperada. Também ocorreram altas expressivas do consumo da família e dos investimentos, o que ensejou a revisão do PIB do ano de 1,9% para 2,3%.

O mercado de trabalho está cada vez mais aquecido. A taxa de desocupação recua, à medida que a geração líquida de empregos sobe. Os rendimentos reais seguem em uma trajetória de crescimento, assim como a média salarial de admissão e a dos reajustes salariais coletados de convenções coletivas de trabalho.

Isso não se traduz, contudo, na percepção do brasileiro. Afinal, o custo de vida segue alto.

Segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, divulgada no dia 19 de junho, 27% dos entrevistados viram melhora na situação da economia. Houve piora para 42% e estabilidade para 29%. No levantamento realizado em março, 28% viam melhora nos meses anteriores, ante 41% que viam piora e 30% apontando para um quadro estável. Os níveis são similares.

“As expectativas sobre a economia pessoal e nacional também mudaram pouco desde março. Há 40% que esperam que a situação econômica brasileira irá melhorar nos próximos meses (em março, 39%), e 28% preveem piora (eram 27%). Uma parcela de 27% avalia que a conjuntura econômica do país ficará estável (no último levantamento, 32%), e 5% não têm opinião sobre o tema (eram 2%)”, apontou o instituto.

Índices de confiança empresarial e do consumidor também estão estáveis. Como mostrou o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, a confiança empresarial apurada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) mostra-se estacionada há três meses, apesar de ter potencial de avançar. Já o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) do FGV Ibre subiu 1,9 ponto em junho, para 91,1 pontos, após queda mais expressiva no mês anterior. Em médias móveis trimestrais, o índice estabiliza em 91,2 pontos.

Lula parece acreditar que é capaz de reverter esse quadro escalando o tom do discurso. O caso mais evidente se deu nessa terça-feira (2) em uma entrevista à “Rádio Sociedade”, durante visita à Bahia. Segundo o presidente, o governo tem que fazer alguma coisa sobre essa “especulação” que tem provocado a alta do dólar. Mas não revelou qual o seu plano. O problema é que as declarações acabaram elevando a pressão sobre o mercado de câmbio e ainda aumentaram as expectativas sobre a reunião que ele conduzirá sobre temas econômicos nesta quarta-feira.

Uma ala do governo esperava essa oportunidade para discutir formas de reduzir despesas, sem ter que dividir as atenções com expectativas sobre possíveis medidas cambiais. É o mesmo grupo que aponta maior urgência na implementação de medidas concretas no âmbito da política fiscal, por saber que o Executivo precisa recuperar a credibilidade no mercado e no Congresso, em vez de desviar o foco para uma estratégia mais voltada a pesquisas de opinião. Lembram que não existe presidente forte com uma equipe econômica fraca.

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