O Estado de S. Paulo
Já passou da hora de agirmos efetivamente
para enfrentar esse problema que é histórico, mas ganhou uma dimensão sem
precedentes entre nós
Questões estruturais de nossa sociedade, a
violência e a criminalidade acompanham o redesenho da vida nacional desde que
migraram do antigo cotidiano rural para o dia a dia urbano. Também recrudesce
como consequência crescente a sofisticação operacional, com articulações cada
vez mais amplificadas e engenhosas. O crime organizado avança a tal ponto entre
nós que se projeta como um poder paralelo e fora de controle.
Apesar de histórica, essa questão nunca entrou na agenda prioritária do País. No pós-redemocratização, enfrentamos desafios importantes como na saúde (SUS), educação (Fundeb), hiperinflação (Real) e renegociação da dívida externa. A segurança pública, seja na agenda dos Poderes, seja na academia, seja nas organizações da sociedade, ficou excluída dos debates e ações centrais. No entanto, não dá mais para esperar.
A expansão do “negócio” criminoso,
tradicionalmente vinculado ao tráfico, sobretudo o de drogas e armas, vem
espraiando a lógica de uma sociedade refém da criminalidade em contingência
inaudita. Nesse sentido, o crime organizado alcança mais de 20 setores, de
combustíveis a transporte público, mercado imobiliário, passando por cigarro,
material de construção, fármacos, bebidas, ligações de energia elétrica,
operação de internet e telefonia, e até mineração e exploração de madeira.
São Paulo e Rio de Janeiro são os epicentros
desse submundo real e lucrativo de sonegação de impostos, lavagem de dinheiro,
concorrência desleal, além de submissão, abuso e coerção de comunidades
carentes. Com a potencialidade da geração criminosa de lucro e o baixo risco de
punição, a rede de negócios escusos já sombreia todo o País, como bem mostram
os casos de Bahia, Ceará e Amazonas hoje em dia, ou os do Acre e do Espírito
Santo de alguns anos atrás.
Ou seja, não se pode mais ignorar a urgência
da segurança pública, sob pena de padecermos da subsunção do Estado de Direito
ao poderio do crime organizado. Exemplos atuais como o do Equador mostram como
a impotência que leva ao colapso da resposta estatal se sustenta na
estruturação de um Estado paralelo tocado pela bandidagem. O horizonte do
descontrole sobre a criminalidade amplamente articulada pode ser bem observado
em diversos países.
Não obstante o déficit de atenção
institucional com as questões de combate à criminalidade e violência entre nós
nos últimos tempos, estabeleceram-se experiências exitosas que podem nos
inspirar na pauta emergencial que precisamos efetivar quanto à segurança
pública.
Podemos citar nesse sentido casos relativos à
integração operacional das forças policiais e dos sistemas de segurança e
defesa social. Destaque também à reestruturação dos sistemas prisionais em
algumas unidades da Federação, incluindo infraestrutura e gestão, bem como a
criação do sistema penitenciário federal do Brasil.
A utilização intensiva e integrada de
tecnologias digitais e informacionais, como videomonitoramento em tempo real de
pontos estratégicos e críticos, assim como a modernização de legislações
relativas às polícias, de modo a incentivar a profissionalização e o mérito na
carreira, também são iniciativas que produzem resultados positivos. Políticas
para a juventude, combinando capacitação profissional, promoção cultural e
atividades esportivas, entre outros, merecem igualmente ser citadas.
É preciso remarcar, no entanto, que esses
exemplos, apesar de bem-sucedidos, são pontuais e, como infelizmente é comum no
País, se submetem a descontinuidades nas transições de governos. De toda sorte,
compõem um acervo de êxitos que podem e devem ser somados ao dever de casa que
temos de fazer para estruturar uma verdadeira política nacional de segurança
pública.
Assim, destaco uma agenda com duas pautas
fundamentais: a gerencial e a regulatória. Na primeira, tem-se a absoluta
necessidade de o governo federal se integrar ao combate à criminalidade,
liderando políticas de integração de forças e mobilizando múltiplas instâncias
de poder público no País, com a criação de banco de dados nacional e o
incremento no combate ao tráfico de armas, entre outros.
Na vertente dos marcos legais, é preciso
focar na modernização das leis, num movimento articulado entre Executivo,
Legislativo e Judiciário. Nas últimas décadas, a atualização de legislações tem
sido efetivada no ritmo da pauta midiática acerca de tragédias e escândalos
relativos à segurança pública. É preciso ir muito além. Um exemplo de mudança
mais que necessária é evitar encarceramentos inúteis, geralmente focados na
população jovem negra e empobrecida.
Milícias, facções, comandos... As estruturas
criminosas se multiplicam sob diferentes denominações e avançam em frentes as
mais diversas no cotidiano nacional. Quanto mais a agenda da segurança pública
estiver relegada a um segundo plano, tanto do Estado quanto da sociedade e suas
organizações, mais a criminalidade se infiltrará nas estruturas do nosso dia a
dia, estabelecendo-se crescentemente como um poder paralelo. Já passou da hora,
pois, de agirmos efetivamente para enfrentar esse problema que é histórico, mas
ganhou uma dimensão sem precedentes entre nós.
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