Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
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NOVA YORK. Há uma perigosa conjunção de fatores políticos, que leva à paralisia, rondando o Congresso e a Casa Branca nos últimos 60 dias do governo Bush e nas últimas sessões legislativas do ano. O governo do presidente Bush, depois de ter conseguido aprovar um programa de US$700 bilhões após muita negociação com a maioria democrata, parece satisfeito com o fato de, como salientou ontem o secretário de Tesouro Henry Paulson, ter estabilizado o sistema financeiro internacional, prevenindo o que poderia ter sido um "colapso". Na reta final da despedida, a administração Bush não parece disposta a ajudar a indústria automobilística, não apenas para reafirmar posições econômicas conservadoras dos republicanos, como principalmente para atender ao reclamo da opinião pública, que vê na ajuda à indústria de Detroit um exemplo do desperdício de dinheiro público.
Também o Congresso de maioria democrata está perdendo o fôlego para assumir a aprovação do plano de US$25 bilhões para as três grandes de Detroit - GM, Ford e Chrysler -, cujas diretorias e mais o sindicato representativo se mudaram para Washington para tentar aprovar nas sessões "pato manco" que faltam a ajuda de que necessitam.
A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, que estava disposta a atender ao pedido do presidente eleito Barack Obama e aprovar a ajuda às montadoras, já está em dúvida se haverá tempo e energia suficientes para fazer isso em final de mandato.
Na primeira entrevista que concedeu como presidente eleito, Barack Obama voltou a falar da necessidade de ajudar as fábricas de Detroit, sem, no entanto, dar-lhes "um cheque em branco", mas falou também de um programa para ajudar a resolver o problema das hipotecas, renegociando com os bancos.
Esse era um dos objetivos específicos do programa de ajuda que foi aprovado em setembro no Congresso dos Estados Unidos, e isso foi relembrado ontem pelos democratas ao secretário de Tesouro Paulson, em mais um de seus depoimentos no legislativo americano.
Ele voltou atrás em sua declaração peremptória do dia anterior, de que não usaria o dinheiro para resolver a questão das hipotecas, mas disse que ainda está muito em dúvida sobre se deve dar dinheiro diretamente, como um subsídio, ou se deve usá-lo para incentivar bancos e outras financiadoras a restabelecer o sistema de crédito.
A situação das hipotecas das moradias, que está na origem da crise financeira, parece ter sido considerada não-prioritária pela atual administração, ao mesmo tempo em que é tida como de prioridade máxima pela futura. Um descompasso de prioridades que pode causar mais estragos ainda à já combalida economia americana, com reflexos nas finanças internacionais.
Com relação à indústria automobilística de Detroit - já que as demais indústrias, de empresas japonesas e alemãs instaladas especialmente no Alabama, alegam não precisar de ajuda - o próprio Obama disse que não fazer nada no momento poderia ser um desastre pior do que organizar um salvamento sob determinadas circunstâncias.
A crise ontem deu mostras de ser maior do que prevista, pois a Chrysler também anunciou que não tem condições de fechar o ano sem um plano de ajuda. O prejuízo para o governo, com a redução da arrecadação de impostos e o aumento do desemprego, afetando não apenas as indústrias automobilísticas, mas também a de autopeças, seria dez vezes maior do que o pacote de salvação de US$25 bilhões.
À medida que o tempo passa, e que a crise parece ter ultrapassado a fase aguda em que havia um risco real de quebradeira generalizada, técnicos como Ben Bernanke, do Banco Central americano, e o próprio Paulson, parecem ganhar mais confiança e voltam a raciocinar mais em termos técnicos do que políticos.
Ao contrário da futura administração, que, a começar por Obama, continua pensando da mesma maneira que anunciou na campanha: resolver o caso das hipotecas que estão sendo cobradas, mantendo os proprietários em condições de pagar seus empréstimos sem ter que devolver suas casas, é o objetivo principal de um projeto democrata.
Já Bernanke e Paulson voltam a estar mais preocupados em recuperar o mercado de crédito, que eles acreditam estar melhorando, embora longe da situação ideal. Nessa briga de bastidores, volta à tona a discordância entre democratas "populistas econômicos" e os republicanos conservadores, que gostariam de ter visto o governo Bush deixar os bancos quebrarem, e a indústria automobilística pedir concordata, para que o próprio mercado ajustasse a situação.
Os republicanos mais ortodoxos, derrotados largamente para o Congresso, começam a procurar recompor sua identidade, enquanto a ala mais moderada, representada pelo candidato derrotado McCain, se dispõe a ajudar o governo democrata nas reformas no Congresso. Sairá dessa ala o convidado para fazer parte do secretariado suprapartidário de Barack Obama.
A ala mais radical, que por enquanto tem na governadora do Alasca Sarah Palin sua referência, já se refere ao convite feito à senadora Hillary Clinton para ser a futura secretária de Estado como uma indicação de que Obama não pôde resistir às pressões do establishment do Partido Democrata, e não terá força para honrar seus compromissos de mudança.
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