quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Resistência inédita à indicação de Messias para STF é avanço sobre prerrogativa presidencial, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Lula viaja para a Malásia sem anunciar sua escolha para a vaga de Luís Roberto Barroso

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou nesta terça-feira (21) para a Malásia sem assinar a indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, para a vaga de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF) . O adiamento da decisão se dá depois de um jantar na noite de segunda-feira com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

É a primeira vez que o preenchimento de uma vaga para o Supremo Tribunal Federal tem a oposição explícita do presidente do Senado e do decano da Corte, o mais vocal de outro jantar com o presidente, na semana passada, ao lado dos ministros Alexandre de Moraes, Flavio Dino, Cristiano Zanin e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.

Este inédito contraponto tem menos a ver com o perfil do ministro da AGU, Jorge Messias, do que com a hipertrofia de Poderes que avançaram sobre a prerrogativa presidencial prevista pela Constituição.

Com a inconstância do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), Alcolumbre virou o avalista das relações do governo com o Congresso. Seu preferido, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi convidado até para o encontro, na residência oficial da Presidência do Senado, com os presidentes do STF, Edson Fachin, do STJ, Herman Benjamin, e com o procurador-geral da República, Paulo Gonet.

Quando a licença do Ibama para a pesquisa da Petrobras na Foz do Amazonas foi anunciada, no final da tarde de segunda-feira, parecia o prêmio-consolação de Alcolumbre, contumaz defensor da exploração. Só que não. A decisão era iminente porque o prazo para a devolução da sonda trazida ao Brasil para atender às exigências da averiguação do Ibama terminou nesta terça.

Pacheco, com quem Alcolumbre revezou o poder na Casa ao longo dos últimos sete anos, caiu nas graças do ministro Gilmar Mendes. Ao acolher um nome do Senado, o STF adquiriria um seguro anti-impeachment. E não apenas. Desde o início do governo, Messias acumulou desentendimentos em gabinetes do STF por opinar nas indicações de Lula para os tribunais superiores disputadas por candidatos dos togados.

Com três ex-advogados-gerais da União no STF, Gilmar Mendes (FHC), Dias Toffoli (Lula II) e André Mendonça (Bolsonaro), a indicação do quarto a ocupar a vaga não parecia contrariar a tradição da Corte, mas foi classificada abertamente por Gilmar Mendes, à jornalista Monica Bergamo, como “fraca”. A oposição mais definitiva, contudo, foi aquela do Senado.

Preterido nas duas primeiras indicações, resguardadas para o advogado pessoal de Lula, Cristiano Zanin, e para Dino, ex-ministro da Justiça, o ministro da AGU teve tempo para trabalhar o apoio da comunidade evangélica e dos ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro à Corte, Mendonça e Kassio Nunes.

Advogou por nomes defendidos por Kassio Nunes para tribunais superiores, contrariando aqueles da preferência de outros ministros, arguindo pela necessidade de contrabalancear os polos de poder na Corte. A sabatina e a votação do seu nome no Senado mostrarão o quanto esses dois ministros retribuirão a política de boa vizinhança do ministro da AGU.

Messias investiu, desde a posse, numa política agressiva de recuperação de ativos que, graças também às boas relações do Executivo com o Judiciário, rendeu muitos dos bilhões com os quais Lula pôde recuperar as políticas públicas de seu governo. Mostrou, ainda, alinhamento a posições do PT, como a recuperação das cadeiras da União no Conselho de Administração da Eletrobras.

Pegadas de um possível ministro no STF podem ser encontradas na oposição à “pejotização” das relações de trabalho e nas posições “em cima do muro” na condução dada por Dino às ações de inconstitucionalidade das emendas parlamentares, numa clara tentativa de não confrontar o Congresso.

Sua indicação é um aceno do passado, pelo impacto da Lava-Jato no primado da lealdade, e ao futuro, pelo apelo junto ao eleitorado evangélico, como ficou claro no evento com Messias e pastores no gabinete presidencial. Para se confirmar, ainda tem um encontro marcado com o presente.

Lula vive uma boa maré junto à opinião pública, mas esta força ainda custa a encontrar sua tradução no tripé dos Poderes. Confrontado com o risco de uma derrota inédita, desde o século 19, no Senado, Lula recuou em busca de uma equação que lhe permita os 41 votos para emplacar Messias e contemplar as ambições de Alcolumbre, o futuro eleitoral de Rodrigo Pacheco e a Casa que, da obsessão pela cassação de ministros, agora se encantou com a possibilidade de ter um togado para chamar de seu.

 

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