terça-feira, 21 de outubro de 2025

A bolha, por Pedro Doria

O Globo

O crescimento é num único setor muito estreito, baseado numa única inovação

Existe uma bolha da inteligência artificial? Esse é um debate que vem consumindo os círculos no entorno do Vale do Silício há pouco mais de um mês. O anúncio de uma operação casada de Nvidia, Oracle e OpenAI acelerou a preocupação. Afinal, existem vários indícios cada vez mais fortes de que a economia americana se meteu num lugar inédito. O primeiro começa com as magnificent seven — as sete magníficas, companhias que ocupam as sete primeiras colocações na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) em valor de mercado. Por ordem: Nvidia, Microsoft, Apple, Google, Amazon, Meta e Tesla.

Em conjunto, as sete representam quase 35% do índice S&P 500, que reúne as 500 maiores companhias com capital aberto na NYSE e na Nasdaq. Tamanha concentração já ocorreu de forma similar no passado, mas nunca deste jeito. Por uns meses, em 1964, as sete maiores chegaram a valer perto de 30% do total. Entre 1973 e 1974, algo similar aconteceu. Mas não só representavam parte um tanto menor do conjunto, como havia uma diferença crucial. Nos anos 1960, naquele punhado de empresas, havia uma grande companhia telefônica, automobilísticas, petroleiras e até a IBM. Na década seguinte, a lista incluía ainda bancos e a GE. As sete pertenciam a muitos setores distintos. A ramos diferentes. Se houvesse uma crise do petróleo, como aliás houve, isso até aumentava o consumo de telefone. A ação de uma cai, a outra sobe.

Não foi só isso que mudou. Empresas que valiam muito, mas muito mesmo, no mercado americano ou mundial, chegavam a algo na casa dos US$ 200 bilhões. A Nvidia vale mais de US$ 4 trilhões. Microsoft e Apple estão possivelmente a semanas de cruzar essa linha. Mesmo corrigindo pela inflação, os números simplesmente não são comparáveis. Nem sequer cabem na mesma régua, tamanha a distância. E algo mais torna a preocupação maior. Os fundos com as aposentadorias dos americanos de classe média vêm sendo transferidos para a Bolsa cada vez mais nas últimas décadas. É a maior economia do mundo, portanto, com o maior volume de dinheiro mensalmente deslocado para guardar planejando auferir renda na velhice, dada a concentração. Quase todo esse dinheiro tem ido para comprar papéis das sete magníficas.

O apelido que o conjunto ganhou tem um trocadilho que, em português, se perde. Trata-se do nome original do filme “Sete homens e um destino”, adaptação americana, como western, de “Os sete samurais”, de Akira Kurosawa — por sua vez, versão japonesa de “Sete contra Tebas”, peça do teatro ateniense clássico. O mundo dá voltas.

E a preocupação aumenta. A Nvidia tem entre seus maiores clientes as grandes companhias de nuvem, que adquirem os chips de IA. São Microsoft, Google, Amazon e Oracle. A mesma Nvidia investiu US$ 100 bilhões na OpenAI. A OpenAI tem um contrato com a Microsoft e outro com a Oracle para rodar seus modelos de inteligência artificial na nuvem. Nuvem que depende de chips Nvidia. Ora, a mesma Nvidia também investiu na Anthropic, concorrente da OpenAI — que roda seus modelos nas nuvens de Amazon, Google e, mais recentemente, Microsoft. Se estas duas, OpenAI e Anthropic, não estão entre as sete, é por uma única razão. Não abriram capital. São empresas fechadas. Mas as sete grandes estão entre suas principais acionistas.

O dinheiro é circular. Entra numa e vai para a outra. A conta circular, feita pela McKinsey, funciona assim: ao todo, 60% do montante do dinheiro do negócio da IA vai para chips e nuvem. É quanto das fortunas investidas sai do cofre de uma, entra na outra, e volta para a primeira. Outros 25% são gastos em energia, escorrendo para outro setor da economia. Ponha-se, ainda, uns 15% do investimento em construção civil. Aço, concreto, cabos, operários.

Não é pouco dinheiro. O fato de a economia americana não estar em recessão, apesar das tarifas impostas ao mundo pelo governo Trump, é atribuído à única coisa que cresce como se não houvesse possibilidade de fim para construção de riqueza baseada numa única ideia: inteligência artificial. Nunca, na história do capitalismo, um único setor da economia gerou tanta riqueza tão rápido. E fez isso sem mostrar objetivamente como aumentar a produção usando o que vende. Não é um detalhe pequeno. IAs já poupam dinheiro em muitas empresas. Há estudos mostrando isso. É só que a conta da economia ainda é uma fração do que se investe.

Como o crescimento é num único setor muito estreito, baseado numa única inovação, basta uma das sete grandes sofrer uma crise que o risco de contágio é grande. Bum! Estoura a bolha.

 

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