quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Sinais desencontrados

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O aumento de 0,25 ponto percentual, de 3% para 3,25%, na taxa básica da Austrália, o primeiro país do G-20 a aumentar os juros após a crise econômica, desencadeou percepções desencontradas. Se, por um lado, ajudou a reforçar o que o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz chama de “exuberância irresponsável” das bolsas em todo o mundo, na sensação do mercado de que a crise foi superada, por outro desencadeou o temor de que seja o primeiro de uma série de movimentos em algumas economias para controlar as consequências do que já está sendo classificado de “déficit excessivo”, provocado pelas medidas anticíclicas tomadas para estimular as economias globais na crise internacional.

No Brasil, já há previsões do mercado de que a taxa básica de juros subirá até o fim do próximo ano, diante dos sinais de que a economia brasileira está retomando um ritmo de crescimento que pressionará a inflação.

O problema é que no Brasil o governo central apresenta um déficit nas contas públicas equivalente a 3,52% do PIB, que é compensado pela atuação de estados e municípios.

As políticas anticíclicas brasileiras, ao contrário das da maioria dos outros países, foram baseadas em aumentos dos gastos correntes, e não em investimentos, que continuam patinando em torno de pouco mais de 1% do PIB.

Com isso, a pressão dos gastos se torna permanente, o que reaquece o mercado interno, ajudando a recuperação econômica, mas dificulta o equilíbrio das contas públicas.

Além das questões puramente econômicas, deparamos no Brasil com uma questão política delicada. Sendo o próximo ano daqueles em que estará em jogo o controle político do país, com eleições para a Presidência da República, governadores, a Câmara e dois terços do Senado, haverá capacidade política do governo federal para subir a taxa de juros se for necessário? Mais ainda: tendo o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, se filiado ao PMDB e estando na disputa para ser candidato a vice-presidente da República na chapa oficial ou até mesmo, no limite, candidato a presidente da República, manterá ele a vontade política que demonstrou até agora de arrostar as críticas, inclusive de setores do governo, para aumentar os juros, se necessário, ou raciocinará com suas possibilidades políticas futuras, evitando medidas impopulares? Mesmo que até abril, data limite para quem quiser se candidatar a alguma coisa, Meirelles não precise tomar qualquer atitude em relação aos juros, quem será seu sucessor? A escolha desse sucessor já demonstrará ao mercado qual a disposição do governo brasileiro no ano eleitoral.

Em qualquer situação, a melhor resposta seria a permanência de Meirelles no cargo e a prevalência da autonomia informal do Banco Central.

E, mesmo assim, o empenho do próprio presidente Lula em eleger sua sucessora poderá trazer dificuldades políticas desconhecidas até então pelo Banco Central.

Outra questão fundamental é a definição do que seja o término da crise econômica.

A situação está tão confusa ainda que várias vozes de peso, como o próprio Stiglitz e o economista Nouriel Roubini, revelam o temor de que a ilusão de que a crise foi superada leve governos a recuar das medidas de incentivo às economias antes do tempo.

Na linha oposta está um artigo do economista Luigi Zingales publicado na “National Affairs”, uma recém-lançada revista quadrimestral, de tendência conservadora.

Zingales, um respeitado professor de empreendedorismo e finanças da Escola de Negócios da Universidade de Chicago, acredita que o capitalismo americano encontrase em uma encruzilhada, e que a maneira como o governo Obama está enfrentando a crise significa que as questões de fundo não estão sendo atacadas.

O professor de Chicago acredita que a “raiva popular” deveria ser canalizada para apoiar reformas “genuinamente pró-mercado”, introduzindo limites ao poder da indústria financeira e restaurando princípios que considera fundamentais e que dão “dimensão ética” ao capitalismo: liberdade, meritocracia, uma ligação direta entre recompensa e esforço, um senso de responsabilidade que garanta que aqueles que alcancem os lucros também ficarão com os prejuízos.

A alternativa a uma política voltada “mais para o mercado do que para os negócios” seria o que o governo Obama está fazendo, na opinião de Zingales: acalmar a “raiva popular” com medidas como limitar os bônus dos executivos, mas ao mesmo tempo escorar a posição das grandes setores financeiros, fazendoos dependentes do governo.

Zingales cita um recente estudo dos professores Rafael Di Tella e Robert McCulloch que mostra que nos Estados Unidos é maior do que em qualquer outro país a percepção de que, no capitalismo, é o trabalho duro, e não a sorte, que determina o sucesso.

Enquanto nos Estados Unidos apenas 40% acreditam que a sorte tem um papel mais importante no sucesso do que o trabalho, no Brasil esse número chega a 75%, e na Alemanha chega a 54%.

Na Itália, cerca de 80% dos dirigentes empresariais consideram “importante” ou “muito importante” para o sucesso empresarial e financeiro “conhecer pessoas influentes”, e “lealdade” e “obediência” são virtudes que vêm antes de “competência” e “experiência”.

O professor Luigi Zingales considera que a ingerência do governo Obama na economia, a pretexto de salvá-la da crise econômica, está fazendo com que o capitalismo americano perca suas características mais valiosas.

“Quando a poeira baixar e o pânico for controlado, essa talvez demonstre ser a mais séria e danosa consequência da crise financeira para o capitalismo americano”, diz o professor.

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