SÃO PAULO - Professor emérito da USP radicado em Paris há vários anos, provavelmente o maior marxólogo (mas não marxista) do país, o filósofo Ruy Fausto talvez se sinta à vontade no epíteto de patinho feio da intelectualidade brasileira. Menos pela graça de seus colegas do que pela insistência com que sua voz isolada se levanta contra os "descaminhos da esquerda" local.
É esse o tema central do livro "Outro Dia" (editora Perspectiva), que o autor lança hoje em São Paulo, reunindo intervenções públicas, textos e entrevistas à imprensa nos últimos anos. Há ensaios sobre as experiências totalitárias do século 20, outros tratando de ética e universidade, um capítulo discutindo a eleição de Sarkozy na França e outro sobre o regime da ilha de Fidel.
Mas o coração do livro está nos textos sobre a política brasileira, quando o autor faz o mapa das ruínas da esquerda: de um lado, há os adeptos do "petismo vulgar", lenientes em relação à corrupção, para quem o mensalão foi invenção da mídia; de outro, o "revolucionarismo", que se desmembra em duas vertentes, aquela das viúvas do bolchevismo, e outra, niilista, para a qual o mundo não tem mais saídas.
A discussão deve parecer bizantina aos mortais que dão duro para ganhar a vida. De fato, mas a complacência com a ditadura cubana, o fascínio pelo populismo chavista ou o desapreço pelas conquistas da democracia não são temas do passado.
Se é assim, uma boa alma poderia perguntar: mas por que ainda ser de esquerda? Para Fausto, pela convicção de que é possível trilhar um caminho teórico e político em que defesa das liberdades e empenho contra as desigualdades confluam.
Social-democracia reciclada? Talvez. Tratando da crise econômica mundial, o autor diz que "o mercado capitalista, endeusado e naturalizado até ontem, aparece agora como um menino travesso e irresponsável", o que muda o foco e amplia o horizonte do debate. De acordo, desde que esteja claro que esse menino levado é filho único. E, até prova em contrário, filho eterno.
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