Folha de S. Paulo
Legislativo é a cara do país real, não o da
elite letrada que nele não se reconhece
Instituição impõe limites a políticas mais
extremadas de direita
Há uma escalada nas críticas que os
formadores de opinião têm disparado contra o Congresso
Nacional e o cambiante agrupamento político que o controla —o
famoso centrão.
As recentes manifestações de mau humor com as
duas casas legislativas nutrem-se do vertiginoso crescimento do valor das
emendas no Orçamento; da malsucedida tentativa de aprovar a PEC da
Blindagem; da rejeição da MP que tributava alguns tipos de
investimentos destinados a aliviar o caixa do governo; e do comportamento
ambíguo dos partidos daquele grupo, que estão, mas não estão, na base
governista.
Comentaristas políticos chamam os parlamentares de "picaretas" e "delinquentes"; a ala mais à esquerda do governo qualifica o Big Center —como já teve a honra de ser citado no exterior— de inimigo do povo; e o próprio governo flerta com a possibilidade de assim nomear os que ditam as regras nas duas casas.
Motivos para justificada crítica certamente
não faltam. Porém, melhor do que imprecar, talvez seja atentar para o papel
deste Legislativo —e da direita pragmática que o controla— no funcionamento do
presidencialismo multipartidário do país. Onde, por sinal, parcela majoritária
da população inclina-se à direita e, eleição após eleição, leva a Brasília
parlamentares desse campo. Em certo sentido, o Congresso e o centrão são a cara
do país real, não o de sua elite letrada, que nele não se reconhece.
Do ângulo institucional, o Legislativo, com
suas prerrogativas, é "ponto de veto", como dizem os politólogos,
típico de um modelo de democracia caracterizado por numerosos mecanismos a
impedir a concentração de capacidade de decisão no Executivo. Tal sistema leva
às últimas consequências o que caracteriza toda e qualquer democracia: o
incentivo a soluções negociadas, que, por sua natureza, não agradam
completamente a ninguém. Deixam, isto sim, um travo amargo de frustração.
Do ponto de vista político, a existência do
centrão, flexível e realista, viabiliza a concertação possível, filtrando as
propostas mais extremas e produzindo resultados moderados, mudanças
incrementais. A contrapartida de seu pragmatismo é a opacidade das trocas e a
multiplicação de oportunidades de má alocação de recursos públicos e de seu
desvio em benefício privado.
Assim, o sistema que limita a concentração de
poder e produz moderação, gera, em contrapartida, numerosas chances de
corrupção e reduz o alcance de reformas progressistas. É o que ocorre. Mas
também impõe limites a políticas mais extremadas de direita. Foi o que se viu
no nefasto quadriênio de Bolsonaro, quando as piores propostas vindas do
Planalto encalharam nas gavetas dos líderes das duas casas.
Finalmente, decisões morosas, negociações
opacas e corrupção visível dão espaço a investidas de tipo populista, cuja
retórica, antielitista e antipluralista, encontra no Congresso alvo fácil —e
equivocado.
Há quem imagine possível melhorar a vida
política do país com bem desenhadas reformas. Há quem aposte no aperfeiçoamento
das muitas instituições de controle no Judiciário, no Ministério Público, no
Executivo e no próprio Legislativo; na imprensa e no monitoramento da
sociedade. Mas o Congresso sempre será o que dele fizerem os eleitores.
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