segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Duro de matar

Apesar da crise, economistas dizem que capitalismo não morre, mas prescrevem mudanças

Liana Melo e Fabiana Ribeiro

Dita há mais de cem anos, em 1897, a célebre frase do escritor americano Mark Twain parece resumir, em meio à atual crise, as discussões sobre o possível fim do capitalismo. Ao ser informado de que estava morto, Twain ironizou à época: "Os boatos sobre minha morte são exagerados". Ele morreu em 1910, 62 anos depois que Karl Marx assinou "O manifesto comunista", no qual analisou o capitalismo e concluiu que as contradições do próprio sistema é que levariam a sua derrocada. Mas faltou dizer quando. Segundo economistas ouvidos pelo GLOBO, a turbulência global, a desestabilização de países centrais e a incapacidade dos governos de resolver o problema seriam sinais apenas de mais uma das muitas crises cíclicas, típicas do capitalismo. Acreditam, no entanto, que o modelo terá que se modificar, se adaptar, para seguir em frente.

- Ora, o capitalismo nunca esteve tão forte. Praticamente todos os países praticam hoje a economia de mercado - pondera o ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carlos Langoni, negando, peremptoriamente, que o capitalismo esteja correndo qualquer risco. - Não é o sistema que está errado. A crise é obra dos homens que lançaram mão de políticas macroeconômicas inconsistentes e irresponsáveis.

A saída é rerregular, diz economista

O uso incorreto de uma política de juros baixos por um longo período foi, segundo Langoni, um erro crasso e, o pior, determinante para a bolha imobiliária nos Estados Unidos. A crise, que estourou em 2008, se prolonga até hoje e, o mais grave, desestruturou o sistema financeiro a nível mundial:

- Juros baixos deveriam ser usados apenas em períodos de recessão e não como uma prática de política monetária. A crise atual é de gestão.

Aos ouvidos de um marxista, as análises de Langoni soam incongruentes, ainda que haja um consenso de que a frase de Twain é adequada para o momento.

- É prematuro anunciar a morte do capitalismo. Ele não será superado por nenhuma crise econômica, só por uma crise política. E os protestos de rua dos jovens que não têm emprego ou só encontram postos de trabalho precário não têm força para abalar Wall Street. Mas se é verdade que o capitalismo ainda tem fôlego, o modelo parece estar confrontado com seus próprios limites - alfineta o cientista político e diretor do Centro de Estudos Marxistas da Unicamp (Cemarx), Armando Boito Júnior, ironizando que, a partir dos anos 80, passou-se a defender a privatização, a desregulamentação do mercado de trabalho e das finanças e a abertura das economias nacionais em troca do "crescimento sustentado e da estabilidade econômica".

Quando as coisas vão mal, é normal que autores antigos, e mesmo renegados, venham a ser revisitados. Até o megainvestidor George Soros, dono de uma fortuna avaliada em US$22 bilhões, andou admitindo recentemente ter lido Marx e que "há muitas coisas interessantes no que ele diz".

- O capitalismo é muito resistente, até pela falta de alternativas. O século XX conheceu experiências de economias não-capitalistas que foram desastrosas do ponto de vista da economia e que, aparentemente, tinham de se apoiar no totalitarismo político. O restante foram economias capitalistas, mais civilizadas, como as nórdicas; ou mais selvagens, como a americana pós-Reagan ou a inglesa pós-Thatcher. O euro foi uma construção problemática, mas a crise europeia é um desdobramento da crise de 2008 nos EUA - analisa Fernando Cardim, do Instituto de Economia da UFRJ. - A saída? Rerregular, como reconheceu a comunidade internacional nos primeiros anos da crise. Um dos problemas é a extrema mediocridade das lideranças políticas de países como EUA, Alemanha e França, todos eles incapazes de liderar um processo adequado de mudança. É menos o capitalismo que está ameaçado e mais a democracia política.

"Não é a última crise capitalista"

A crise não é trivial. O desemprego afeta, segundo a Organização Internacional do Trabalho, de 200 milhões de pessoas, o maior nível desde o ápice da crise de 2008. O movimento Ocupem Wall Street já atinge mais de mil cidades pelo mundo. Na Espanha, um quinto da população está sem emprego. E os países emergentes começam a dar sinais de contágio. A China anunciou, na última semana, uma redução de seu superávit comercial pelo segundo mês consecutivo. E o Brasil? O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já admitiu que a crise pode atingir os emergentes.

- O sistema se revelou mais capaz de sobreviver que de naufragar. Nem a crise de 1929 teve força para destruí-lo. O capitalismo se adapta aos discursos. Como o da ecologia, que o levou a absorver o conceito contra o desperdício - lembra o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa. - O que se nota, com essas crises, com esses movimentos, é um anúncio de virada do capitalismo, não a virada. Esta não é a última crise do capitalismo. Mas dizer o que vai acontecer? Não dá. Apenas os poetas têm condições de responder a essa pergunta.

FONTE O GLOBO

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