Donald Trump é o pior inimigo de si mesmo. Está fazendo o que pode para encurtar o seu mandato, sofrer um inacreditável impeachment ou arruinar a possibilidade de aprovar no Congresso as propostas do Partido Republicano, com o qual tem afinidades passageiras. Suas últimas estripulias mostraram mais uma vez duas coisas: que ele é uma pessoa despreparada para o cargo e que há algo de muito errado em suas relações com o governo russo. Sua "conexão russa" pode lhe trazer a perda do cargo ou amputar radicalmente suas iniciativas no Congresso e seu poder. As bolsas americanas tiveram ontem seu pior desempenho em oito meses.
Trump queima rapidamente seu capital político, estressando o apoio que obtêm das maiorias republicanas na Câmara e no Senado e tornando mais difícil ou remota a chance de aprovação da reforma tributária, que dará mais alívio nos impostos aos ricos e à classe média alta. O apoio popular ao magnata está se erodindo, segundo pesquisa do site Politico, corroborada por outras enquetes. Entre os partidários de Trump, 42% estão de acordo com o que ele faz no governo, ante 56% que achavam a mesma coisa em abril. Esse movimento de fundo pode tirar o chão dos republicanos e levar ao cisma da base parlamentar.
No affair russo, a sequência de maus passos de Trump no poder teve início em janeiro, com a demissão forçada de Michael Flynn, seu primeiro conselheiro de segurança nacional, por ele ter mentido ao negar que tivera reuniões com membros do governo russo, entre eles o embaixador em Washington, Sergei Kysliak, para tratar do levantamento de sanções ao país. O FBI, sob comando de James Comey, já investigava a participação da espionagem russa na campanha presidencial americana, em benefício do magnata e o possível conluio entre eles.
Em uma sequência extravagante de ações, Comey foi demitido, sob alegação de ter cometido erros ao anunciar em 28 de outubro, às vésperas da votação, que o FBI tinha em mãos uma nova leva de e-mails da campanha de Hillary Clinton que feriram as normas de segurança quando ela era secretária de Estado. O anúncio contribuiu para a derrota da candidata democrata, foi um grande presente para Trump e só um tolo acreditaria que foi por isso que o chefe do FBI foi mandado para casa.
Comley investigava a conexão russa da campanha quando Trump, um dia depois de se livrar de Flynn, soube-se anteontem pelo "The New York Times", pediu a ele que abandonasse a tarefa. Desde Richard Nixon e o caso Watergate não se via nada igual - uma ação do presidente para obstruir a Justiça e impedir uma ação que poderia desvendar irregularidades e apontar um ou mais culpados na Casa Branca.
Trump, além disso, sugeriu ter gravações de conversas com o diretor do FBI, em uma ameaça para que cessassem "vazamentos" para a imprensa. Ele admitiu que "essa coisa da Rússia" influíra em sua decisão de demiti-lo e, ignorando todas as suspeitas, fez pior. Reportagem do "The Washington Post" apontou que Trump, em reunião com o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov e o embaixador Kislyak - o mesmo envolvido nas conversas com o demitido Flynn - forneceu informações ultraconfidenciais sobre a preparação de atos terroristas pelo Exército Islâmico. Enviadas por um país aliado, não haviam sido repassadas a nenhum outro país amigo dos EUA - mas foram dadas em primeira mão aos russos.
O esforço do governo para consertar o estrago e negar fatos foi desmanchado pelo próprio Trump, que tuitou a confirmação de que "compartilhou...fatos" sobre segurança da aviação civil e terrorismo com os russos. Além de confirmar o prognóstico de que os EUA deixaram de ser confiáveis para os serviços de segurança aliados, os disparates de Trump deixaram os republicanos atônitos, levando seus líderes nas comissões de inteligência na Câmara e Senado a exigir a transcrição de conversas e documentos relacionados ao caso. Dias depois do secretário Rex Tillerson qualificar as relações com a Rússia de estarem em "lamentável estado", Trump foi visto às gargalhadas na Casa Branca com seus representantes - em foto só distribuída pela agência russa Tass.
Uma defecção republicana, ainda improvável, pode colocar Trump à mercê de investigações destrutivas. Então suas promessas de renovar a política e de devolver o poder "ao povo" se mostrarão o que eram desde o início: "fake news".
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