- Folha de S. Paulo
Um governo endividado de um país em recessão pode aumentar gastos a fim de estimular a economia, sem que o remédio provoque efeitos colaterais ainda mais daninhos? Isto é, sem que provoque aumento das taxas de juros, de preços e da própria dívida?
Sim, segundo bom estudo baseado na história de 20 países ricos, de Alan Auerbach e Yuriy Gorodnichenko, da Universidade da Califórnia (Berkeley), publicado em agosto ("Fiscal Stimulus and Fiscal Sustainability").
A conclusão se aplica ao Brasil ou a países assim complicados? Os autores não tratam do assunto e fazem ressalvas quanto a usar seus resultados como panaceia, mas o trabalho alegrou muito economista brasileiro crítico da política econômica, em particular heterodoxos e adeptos do estímulo fiscal (gasto público).
O assunto não é tão acadêmico quanto parece, mesmo considerada a chance por ora pequena de economistas de esquerda voltarem ao poder. Não se sabe o que será da recuperação econômica (lerda demais?) e do deficit (a dívida vai crescer rápido demais?). A depender do que vier, o debate sobre alternativas pode esquentar.
Auerbach e Gorodnichenko não especificam o processo que leva do gasto à melhora das condições econômicas nem tratam do tipo de despesa que mereceria incremento. Em resumo, apenas testam o efeito de um aumento súbito do gasto sobre o tamanho da dívida (relação dívida/PIB), preços, taxa de juros e percepção de risco medido pelo CDS ("juro extra" cobrado por conta de risco de calote, grosso modo). Concluem que, em uma economia "fraca" (com desemprego e capacidade ociosa), o efeito do remédio (dívida sob controle e mais atividade econômica) supera efeitos colaterais (juros maiores), isso se houver algum.
Os mercados, especulam, encarariam o estímulo fiscal não apenas como meio de reativar a economia mas de reduzir riscos da crise (políticas de austeridade que pioram o problema fiscal; governos populistas; calotes na dívida pública etc.).
Parece elixir mágico. Mas, afora tecnicalidades que renderão pano para manga entre economistas, há ressalvas da lavra dos próprios autores.
Primeiro, é preciso considerar também o destino de alguns passivos crescentes e sem fundos (Previdência e saúde em países que envelhecem). Segundo, os governos estão bem mais endividados que no passado. Um estímulo fiscal pode não funcionar tão bem agora. Terceiro, o que quer dizer "muito endividado"? O nível da dívida pode não dizer tudo (o Japão, mais saudável, tem mais dívida que a Itália). Enfim, o gasto pode ser apenas malfeito.
"Dada a natureza da amostra, nossos resultados não devem ser interpretados como recomendação incondicional de gasto público agressivo como resposta à deterioração da economia. De fato, a experiência da Grécia e de outros países do sul da Europa são um grave alerta sobre os riscos políticos e os limites da política fiscal", escrevem.
Enfim, tais estudos balizem a reflexão com dados, sejam as conclusões "médias" favoráveis a gasto ou a cortes, mas não é possível agir sem mais, sem diagnóstico preciso do caso, do contexto brasileiro. Quem se habilita a demonstrar que (e em quais condições) um aumento do gasto não terá impacto nos juros, por exemplo?
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