domingo, 10 de setembro de 2017

Mundo de muros – Editorial | Folha de S. Paulo

O século 20, com suas guerras mundiais e os conflitos que semearam, deixou muitas cicatrizes sobre a face da Terra. Entre elas, o famigerado Muro de Berlim, cuja demolição marcou o fim da Guerra Fria e o suposto final da história.

A história não termina, contudo. Novos e gigantescos muros continuam a ser erguidos, com alturas e extensões suficientes para deixar na sombra a barreira à liberdade erguida na capital alemã, que existiu por 28 anos.

A proliferação desses obstáculos a apartar pessoas e comunidades motivou a série de reportagens "Um Mundo de Muros". Publicada por esta Folha em sete partes, a partir de junho, a suíte multimídia reuniu um mosaico desconcertante de cenas de segregação.

Uma dessas feridas começou a se abrir com o Holocausto, na Segunda Guerra Mundial, e ainda está muito viva em Israel.

A criação do Estado judeu nunca encontrou solução para a questão palestina. Com o terrorismo e as intifadas, o governo israelense pôs-se a erguer —em nome da segurança de seus cidadãos— muralhas que já somam 570 km em torno do disforme supergueto árabe.

Outro foco de tensão, de outra natureza, se espraia pela fronteira entre Estados Unidos e México. Com a eleição de Donald Trump e sua plataforma exacerbada contra estrangeiros, a construção de um muro ao longo dos 3.200 km da linha divisória entre os dois países ganhou ares de espetáculo.

Neste século 21, xenofobia e segregação se mundializaram, em resposta estereotipada ao grande movimento migratório da África e de regiões árabes para a Europa. A União Europeia se debate entre a tradição multiculturalista e o nacionalismo autoritário que reemerge para oferecer pseudossoluções de má memória.

Nesse desvão brotam barreiras como a que a Hungria reforça na fronteira com a Sérvia, ou entre o Quênia e a Somália. Muros menores e menos conhecidos, também mapeados na reportagem.

O Brasil tem os seus, desde sempre para manter a distância entre ricos e pobres —como o que impede a visão da miséria e do esgoto a céu aberto da Vila Esperança a quem trafega pela via Imigrantes.

Nada diverso dos 10 km do Muro da Vergonha que apartam, na capital peruana, a esquálida comunidade de Pamplona Alta do afluente bairro Casuarinas, outro retrato desolador colhido pela Folha.

São situações, problemas e conflitos muito díspares, contra os quais se erguem barreiras que evocam o pior do século passado.

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