Valor Econômico
Novas projeções da OMC coincidem com avaliação da diplomacia de que conflito de grandes proporções na Europa não é mais ‘uma fantasia’
Em abril do ano passado, a Organização
Mundial do Comércio (OMC) projetou crescimento de 1,7% das exportações e
importações de mercadorias para 2023. Em outubro, rebaixou a expansão para
apenas 0,8%. Mas o resultado foi bem pior: contração de 1,2% no comércio global
em volume e queda de 5% em valor, com a inflação pesando fortemente na demanda
de produtos manufaturados.
Agora, novas projeções apontam crescimento moderado do comércio internacional nos próximos dois anos, de 2,6% em 2024 e 3,3% em 2025. Com baixa da inflação e recuperação da renda real, o consumo cresce. Uma retomada da demanda em 2024 já aparece, com os índices de novas encomendas apontando melhora do comércio.
Mas, em conversa com a coluna, Coleman Nee,
economista sênior da OMC e central na elaboração das estimativas, alerta que os
riscos de degradação das exportações e importações são importantes. Os
conflitos regionais, as tensões geopolíticas e incertezas envolvendo políticas
econômicas pesam sobre as previsões. A tal ponto que a OMC avalia que na
verdade o comércio em volume pode tanto aumentar 5,8% como cair -1,6% em 2024.
Para a OMC, os preços de produtos alimentares
e de energia, por exemplo, podem voltar a ter fortes altas, ligadas às tensões
geopolíticas. O preço do barril de petróleo Brent, referência no mercado
internacional, já subiu mais de 20% desde meados de dezembro. Exportações de
produtos automotivos e comércio varejista têm sido afetados pelas perturbações
no canal de Suez, com atrasos e alta de custo de frete.
O protecionismo também ameaça minar a
recuperação do comércio global em 2024 e 2025. O aumento das exportações da
China no começo do ano tem elevado ameaças de barreiras por parte de vários
parceiros. Para Nee, porém, essa alta das vendas chinesas está sendo
superestimada, e diz que ela é focada no setor automotivo.
Novos dados do fluxo de exportações indicam
“um certo grau” de mudança na composição do comércio internacional, “mas não
dramática”. “Estamos vendo sinais de um grau de fragmentação, mas nada parecido
a uma reorientação total do comércio, não é como se subitamente o mundo
estivesse rompendo em dois blocos”, diz Nee.
Num exemplo de certa reorientação de
exportações e importações em linha com posição geopolítica, desde o início da
guerra na Ucrânia o comércio entre blocos hipotéticos compostos por países com
posições políticas similares (baseado em votações nas Nações Unidas,
etiquetados de Leste e Oeste) cresceu 4% mais lentamente que o comércio dentro
desses blocos (ver quadro).
O comércio bilateral entre os Estados Unidos
e a China, que bateu recorde em 2022, registrou em 2023 um crescimento 30%
inferior ao das trocas desses dois países com o resto do mundo. Em 2023, o
comércio mundial de bens intermediários (exceto combustíveis), que constitui um
indicador da situação das cadeias globais de valor, diminuiu 6%.
O fluxo de Investimento Direto Estrangeiro
(IED) está também tomando mais o rumo de países percebidos como amigos. O Fundo
Monetário Internacional (FMI) identificou fluxos para economias emergentes e em
desenvolvimento substancialmente menores para parceiros geograficamente mais
distantes. Isso é mais evidente em setores estratégicos como semicondutores,
equipamentos de telecomunicações, equipamentos para a transição verde,
ingredientes farmacêuticos e minerais críticos.
A fragmentação aparece igualmente no comércio
de serviços: os EUA aumentaram as importações de serviços ligados às
tecnologias de informação e comunicação (TIC) procedentes do vizinho Canadá, e
diminuíram as compras na Ásia, principalmente na Índia.
Para o Brasil, agora 24º maior exportador
mundial de mercadorias, com ganho de duas posições em relação a 2022, as
projeções globais da OMC são importantes, pela sinalização de onde a demanda
pode crescer. Nee diz esperar um forte crescimento do volume de importações na
Asia (5,6%) e na África (4,4%) e estabilização na Europa depois da forte queda
do ano passado. A expectativa é de firme demanda por commodities em quantidade,
se o crescimento moderado da Ásia se concretizar. A OMC não entra na questão de
preços.
No geral, para Coleman Nee o comércio mundial
tende nos próximos dois anos a ser bem mais volátil, com mais flutuações. Se
tivermos um choque geopolítico ou algo parecido, isso pode ter grande impacto
no comércio, diz ele.
As novas projeções da OMC coincidem com
declarações esta semana do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, de que
um conflito militar em grande escala na Europa “não é mais uma fantasia”. Para
Borrel, os europeus devem encontrar novas maneiras de se preparar
financeiramente para uma guerra potencialmente mais ampla no continente. “Ela
[a guerra] não vai começar amanhã, mas não podemos negar a realidade”, disse
ele.
Assis Moreira
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