quinta-feira, 11 de abril de 2024

Assis Moreira - Alerta sobre os riscos no comércio mundial

Valor Econômico

Novas projeções da OMC coincidem com avaliação da diplomacia de que conflito de grandes proporções na Europa não é mais ‘uma fantasia’

Em abril do ano passado, a Organização Mundial do Comércio (OMC) projetou crescimento de 1,7% das exportações e importações de mercadorias para 2023. Em outubro, rebaixou a expansão para apenas 0,8%. Mas o resultado foi bem pior: contração de 1,2% no comércio global em volume e queda de 5% em valor, com a inflação pesando fortemente na demanda de produtos manufaturados.

Agora, novas projeções apontam crescimento moderado do comércio internacional nos próximos dois anos, de 2,6% em 2024 e 3,3% em 2025. Com baixa da inflação e recuperação da renda real, o consumo cresce. Uma retomada da demanda em 2024 já aparece, com os índices de novas encomendas apontando melhora do comércio.

Mas, em conversa com a coluna, Coleman Nee, economista sênior da OMC e central na elaboração das estimativas, alerta que os riscos de degradação das exportações e importações são importantes. Os conflitos regionais, as tensões geopolíticas e incertezas envolvendo políticas econômicas pesam sobre as previsões. A tal ponto que a OMC avalia que na verdade o comércio em volume pode tanto aumentar 5,8% como cair -1,6% em 2024.

Para a OMC, os preços de produtos alimentares e de energia, por exemplo, podem voltar a ter fortes altas, ligadas às tensões geopolíticas. O preço do barril de petróleo Brent, referência no mercado internacional, já subiu mais de 20% desde meados de dezembro. Exportações de produtos automotivos e comércio varejista têm sido afetados pelas perturbações no canal de Suez, com atrasos e alta de custo de frete.

O protecionismo também ameaça minar a recuperação do comércio global em 2024 e 2025. O aumento das exportações da China no começo do ano tem elevado ameaças de barreiras por parte de vários parceiros. Para Nee, porém, essa alta das vendas chinesas está sendo superestimada, e diz que ela é focada no setor automotivo.

Novos dados do fluxo de exportações indicam “um certo grau” de mudança na composição do comércio internacional, “mas não dramática”. “Estamos vendo sinais de um grau de fragmentação, mas nada parecido a uma reorientação total do comércio, não é como se subitamente o mundo estivesse rompendo em dois blocos”, diz Nee.

Num exemplo de certa reorientação de exportações e importações em linha com posição geopolítica, desde o início da guerra na Ucrânia o comércio entre blocos hipotéticos compostos por países com posições políticas similares (baseado em votações nas Nações Unidas, etiquetados de Leste e Oeste) cresceu 4% mais lentamente que o comércio dentro desses blocos (ver quadro).

O comércio bilateral entre os Estados Unidos e a China, que bateu recorde em 2022, registrou em 2023 um crescimento 30% inferior ao das trocas desses dois países com o resto do mundo. Em 2023, o comércio mundial de bens intermediários (exceto combustíveis), que constitui um indicador da situação das cadeias globais de valor, diminuiu 6%.

O fluxo de Investimento Direto Estrangeiro (IED) está também tomando mais o rumo de países percebidos como amigos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) identificou fluxos para economias emergentes e em desenvolvimento substancialmente menores para parceiros geograficamente mais distantes. Isso é mais evidente em setores estratégicos como semicondutores, equipamentos de telecomunicações, equipamentos para a transição verde, ingredientes farmacêuticos e minerais críticos.

A fragmentação aparece igualmente no comércio de serviços: os EUA aumentaram as importações de serviços ligados às tecnologias de informação e comunicação (TIC) procedentes do vizinho Canadá, e diminuíram as compras na Ásia, principalmente na Índia.

Para o Brasil, agora 24º maior exportador mundial de mercadorias, com ganho de duas posições em relação a 2022, as projeções globais da OMC são importantes, pela sinalização de onde a demanda pode crescer. Nee diz esperar um forte crescimento do volume de importações na Asia (5,6%) e na África (4,4%) e estabilização na Europa depois da forte queda do ano passado. A expectativa é de firme demanda por commodities em quantidade, se o crescimento moderado da Ásia se concretizar. A OMC não entra na questão de preços.

No geral, para Coleman Nee o comércio mundial tende nos próximos dois anos a ser bem mais volátil, com mais flutuações. Se tivermos um choque geopolítico ou algo parecido, isso pode ter grande impacto no comércio, diz ele.

As novas projeções da OMC coincidem com declarações esta semana do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, de que um conflito militar em grande escala na Europa “não é mais uma fantasia”. Para Borrel, os europeus devem encontrar novas maneiras de se preparar financeiramente para uma guerra potencialmente mais ampla no continente. “Ela [a guerra] não vai começar amanhã, mas não podemos negar a realidade”, disse ele.

Assis Moreira

 

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