Folha de S. Paulo
Ninguém duvida da
importância da diversidade de cérebros, nem minimiza os desestímulos
paralisantes de verbas
Nem tudo que reluz é ouro,
nem tudo que brilha em Harvard deve ser levado, acriticamente, a sério.
É o que vem à mente após a leitura de um texto do renomado professor de
filosofia e teoria social daquela universidade, Roberto Mangabeira Unger,
brasileiro-americano. Ele compartilha o bom senso já generalizado de que o
Brasil precisa deslocar-se do fornecimento de commodities físicas para o de serviços de
conhecimento. Nisso é fundamental universidade de alto nível.
Até aí, reluz o argumento. Em seguida, porém, sustenta que entrave para o nível desejado é a dificuldade brasileira na contratação de professores estrangeiros. Ninguém duvida da importância da diversidade de cérebros, nem minimiza os desestímulos paralisantes de verbas e burocracia. Mas, para quem chefiou por duas vezes uma Secretaria de Assuntos Estratégicos, é surpreendente desconhecer a excelência das instituições nacionais que combinam ensino, pesquisa e extensão. Cabe especular se, no exercício daquelas funções, alguma vez se cogitou definir universidade como recurso estratégico.
Ninguém é titular em Harvard
à toa. Ainda mais quando referendado por pensadores como Jürgen Habermas e
Richard Rorty, luminares da elite acadêmica internacional. Entre nós, Unger
pertence à linhagem baiana dos Mangabeira, berço de políticos e juristas importantes.
A seu avô, Otávio Mangabeira, então governador da Bahia, atribui-se a boutade
jurídico-política "o povo é uma massa falida".
Autor complexo, Unger
presta-se mais à compreensão nos escritos programáticos, fonte provável de suas
intervenções e relacionamentos ao longo de décadas com políticos brasileiros.
Centraliza a discussão de alternativas às formas institucionais que regem a
sociedade, sempre guiado pelo pressuposto filosófico de um "infinito
corporificado no finito humano". Ou seja, o homem como algo mais do que o
fechamento societário lhe permite ser.
Presume-se que esse tipo de
discurso, atrativo a iniciados em filosofia, possa render discussões sedutoras
na távola redonda dos scholars e, mesmo, de artistas. Deriva de uma linha dos
"studia humanitatis" oitocentistas, em que se valorizavam a civilidade iluminista e o homem de letras, entendido
como sujeito de uma autoridade ideológica análoga a do sábio ou a do herói
cívico. Era a perspectiva do escocês Thomas Carlyle, expoente da reacionária
historiografia romântica na Inglaterra.
O pensamento programático de
Unger persegue a busca política de um herói, um homem de qualidades. Seria o
caminho para elevar o nível universitário, rumo à competitividade em serviços.
Mas ele é taxativo: Lula não é
líder sério, ideal seria alguém parecido a Prudente de Morais: histórico ponto de ascensão das
oligarquias agrárias, o exterminador de Canudos. Diagnóstico estranho,
coincidente com a agressão americana, para quem aceitou posições nos governos
de Lula e Dilma, numa espécie de ministério de ideias fora do
lugar.
O diagnóstico mais se ofusca
ao esquecer que a política de chantagem/humilhação de Trump, incubadora de
antiuniversidades, não poupa a instituição do professor Unger. Filosoficamente
preocupado com a abstrata libertação do homem, ele não enxerga o momento de
resistência ao milicianismo imperial. Diz, porém, José Sócrates, ex-premiê
português: "A Europa aceitou a humilhação, o Brasil enfrentou-a". E o
New York Times: "Talvez não exista um líder mundial desafiando o
presidente Trump com tanta veemência quanto Lula".
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