domingo, 10 de agosto de 2025

Um diagnóstico com brilho de pirita - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Ninguém duvida da importância da diversidade de cérebros, nem minimiza os desestímulos paralisantes de verbas

Nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que brilha em Harvard deve ser levado, acriticamente, a sério. É o que vem à mente após a leitura de um texto do renomado professor de filosofia e teoria social daquela universidade, Roberto Mangabeira Unger, brasileiro-americano. Ele compartilha o bom senso já generalizado de que o Brasil precisa deslocar-se do fornecimento de commodities físicas para o de serviços de conhecimento. Nisso é fundamental universidade de alto nível.

Até aí, reluz o argumento. Em seguida, porém, sustenta que entrave para o nível desejado é a dificuldade brasileira na contratação de professores estrangeiros. Ninguém duvida da importância da diversidade de cérebros, nem minimiza os desestímulos paralisantes de verbas e burocracia. Mas, para quem chefiou por duas vezes uma Secretaria de Assuntos Estratégicos, é surpreendente desconhecer a excelência das instituições nacionais que combinam ensino, pesquisa e extensão. Cabe especular se, no exercício daquelas funções, alguma vez se cogitou definir universidade como recurso estratégico.

Ninguém é titular em Harvard à toa. Ainda mais quando referendado por pensadores como Jürgen Habermas e Richard Rorty, luminares da elite acadêmica internacional. Entre nós, Unger pertence à linhagem baiana dos Mangabeira, berço de políticos e juristas importantes. A seu avô, Otávio Mangabeira, então governador da Bahia, atribui-se a boutade jurídico-política "o povo é uma massa falida".

Autor complexo, Unger presta-se mais à compreensão nos escritos programáticos, fonte provável de suas intervenções e relacionamentos ao longo de décadas com políticos brasileiros. Centraliza a discussão de alternativas às formas institucionais que regem a sociedade, sempre guiado pelo pressuposto filosófico de um "infinito corporificado no finito humano". Ou seja, o homem como algo mais do que o fechamento societário lhe permite ser.

Presume-se que esse tipo de discurso, atrativo a iniciados em filosofia, possa render discussões sedutoras na távola redonda dos scholars e, mesmo, de artistas. Deriva de uma linha dos "studia humanitatis" oitocentistas, em que se valorizavam a civilidade iluminista e o homem de letras, entendido como sujeito de uma autoridade ideológica análoga a do sábio ou a do herói cívico. Era a perspectiva do escocês Thomas Carlyle, expoente da reacionária historiografia romântica na Inglaterra.

O pensamento programático de Unger persegue a busca política de um herói, um homem de qualidades. Seria o caminho para elevar o nível universitário, rumo à competitividade em serviços. Mas ele é taxativo: Lula não é líder sério, ideal seria alguém parecido a Prudente de Morais: histórico ponto de ascensão das oligarquias agrárias, o exterminador de Canudos. Diagnóstico estranho, coincidente com a agressão americana, para quem aceitou posições nos governos de Lula e Dilma, numa espécie de ministério de ideias fora do lugar.

O diagnóstico mais se ofusca ao esquecer que a política de chantagem/humilhação de Trump, incubadora de antiuniversidades, não poupa a instituição do professor Unger. Filosoficamente preocupado com a abstrata libertação do homem, ele não enxerga o momento de resistência ao milicianismo imperial. Diz, porém, José Sócrates, ex-premiê português: "A Europa aceitou a humilhação, o Brasil enfrentou-a". E o New York Times: "Talvez não exista um líder mundial desafiando o presidente Trump com tanta veemência quanto Lula".

 

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