O Estado de S. Paulo
As semelhanças entre o 6 de
janeiro de 2021 em Washington e o 8 de janeiro de 2023 em Brasília de nenhum
modo são casuais
A ambição de mandar no mundo foi reafirmada pelo presidente americano, Donald Trump, com a imposição de um tarifaço de 50% à Índia, como “punição”, segundo se informou, por negócios com a Rússia. Muito usada nos últimos dias, a palavra punição é inadequada. Pode-se punir quem descumpre uma regra. Mas nenhuma norma internacional proíbe o comércio com a Rússia. Além disso, nenhum acordo atribui aos Estados Unidos o controle de parcerias comerciais de outros países. Desprezar o perigo de um pretenso castigo, no entanto, seria uma imprudência. Sem sujeitar suas decisões a controle estrangeiro, o presidente do Brasil deve estar atento a ameaças, um risco aumentado, agora, por alguns políticos – patriotas de quais países? – empenhados na busca de interferência externa.
Exibindo cautela, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem evitado confronto com o governo
americano, enquanto ministros e empresários tentam entendimento com
representantes do outro lado. Embora também sujeito ao tarifaço, o Brasil foi
menos atingido, pelo menos inicialmente, que outros países submetidos a
tributos de 50%. Nessa fase, foram mais prejudicados pela nova tributação
países com maiores vendas para os Estados Unidos. Vários setores brasileiros,
no entanto, foram severamente afetados pela ação de Trump, com risco de grandes
danos para a produção, as vendas e o emprego.
Ações de Trump têm sido
interpretadas como respostas à atuação brasileira no Brics. Também compõem esse
bloco a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, além de vários aderentes
mobilizados principalmente pelo governo chinês. O presidente brasileiro já
havia sido criticado, internamente, por declaração sobre os Estados Unidos na
última reunião dos cinco emergentes, no Rio de Janeiro. Mas explicar as últimas
ações trumpistas apenas como reação ao Brics pode ser um exagero. Essa
interpretação, no entanto, pode ser pelo menos parcialmente verdadeira. Além
disso, convém registrar um lembrete: provocações inúteis podem ser arquivadas e
depois lembradas, a qualquer momento, pelos atingidos.
O presidente Lula foi,
muitas vezes, negligente em relação a esse ponto. Autoridades da China, um país
muito mais poderoso que o Brasil em termos econômicos, tecnológicos,
diplomáticos e militares, são geralmente cautelosas nas palavras e pouco
propensas a controvérsias e provocações.
Exibindo moderação nos
últimos dias, o presidente da República parece propenso a dedicar-se
principalmente aos problemas internos, evitando brigas sempre que possível.
Enquanto o vice-presidente, Geraldo Alckmin, se ocupa dos conflitos externos e
de outras questões importantes para a economia, num dueto produtivo com o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente pode gastar mais tempo com a
política e, portanto, com os desafios das eleições do próximo ano.
Todas as pesquisas têm
apontado Lula em posição vantajosa, mas a campanha provavelmente consumirá
grande parte do seu esforço neste semestre e na metade inicial de 2026. A
mobilização do bolsonarismo já é notória, ruidosa e em grande parte
concentrada, neste momento, na campanha pela anistia aos envolvidos na
tentativa de golpe de 8 de janeiro. O objetivo mais ambicioso é interromper as
ações legais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e possibilitar sua
candidatura à Presidência.
Não é fácil justificar uma
anistia a gente envolvida em tentativa de golpe. A depredação de Brasília, a
invasão das sedes dos Três Poderes e ações como a do sujeito sentado na cadeira
do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) constituíram muito mais do que
atos de vandalismo. Foram tentativas de alteração do regime e de implantação de
uma ditadura, embora muitos participantes talvez nem fossem capazes de notar ou
avaliar esse fato. Mais do que isso, alguns dos envolvidos na manobra chegaram
a planejar, como já foi reconhecido em depoimentos, homicídios de autoridades –
do presidente da República, de seu vice e do ministro do STF Alexandre de
Moraes.
As semelhanças entre o 6 de
janeiro de 2021 em Washington e o 8 de janeiro de 2023 em Brasília de nenhum
modo são casuais. Nos dois eventos, o vandalismo sucedeu às derrotas de
presidentes em busca de reeleição – dois políticos de extrema direita, de tendências
autoritárias e, no caso do brasileiro, saudosista confesso de uma ditadura
militar.
O americano conseguiu
retornar à Presidência no começo deste ano. Ações contra universidades,
professores, estudantes e imigrantes, assim como seu apoio à repressão violenta
e suas violações de normas constitucionais básicas, foram atos notáveis de seu
novo início de governo. Esse período foi marcado, no campo internacional, por
suas pretensões imperiais. De modo inequívoco, essas ambições se manifestaram
igualmente no desprezo às normas do comércio e nas tentativas de intervenção em
países soberanos. Num desses países, o Brasil, Trump ganhou apoio de
parlamentares e de governadores, enquanto impunha restrições ao País. O
presidente americano pode orgulhar-se de seus apoiadores brasileiros.
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