domingo, 10 de agosto de 2025

Candidato a chefe do mundo tem apoio no Brasil - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

As semelhanças entre o 6 de janeiro de 2021 em Washington e o 8 de janeiro de 2023 em Brasília de nenhum modo são casuais

A ambição de mandar no mundo foi reafirmada pelo presidente americano, Donald Trump, com a imposição de um tarifaço de 50% à Índia, como “punição”, segundo se informou, por negócios com a Rússia. Muito usada nos últimos dias, a palavra punição é inadequada. Pode-se punir quem descumpre uma regra. Mas nenhuma norma internacional proíbe o comércio com a Rússia. Além disso, nenhum acordo atribui aos Estados Unidos o controle de parcerias comerciais de outros países. Desprezar o perigo de um pretenso castigo, no entanto, seria uma imprudência. Sem sujeitar suas decisões a controle estrangeiro, o presidente do Brasil deve estar atento a ameaças, um risco aumentado, agora, por alguns políticos – patriotas de quais países? – empenhados na busca de interferência externa.

Exibindo cautela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem evitado confronto com o governo americano, enquanto ministros e empresários tentam entendimento com representantes do outro lado. Embora também sujeito ao tarifaço, o Brasil foi menos atingido, pelo menos inicialmente, que outros países submetidos a tributos de 50%. Nessa fase, foram mais prejudicados pela nova tributação países com maiores vendas para os Estados Unidos. Vários setores brasileiros, no entanto, foram severamente afetados pela ação de Trump, com risco de grandes danos para a produção, as vendas e o emprego.

Ações de Trump têm sido interpretadas como respostas à atuação brasileira no Brics. Também compõem esse bloco a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, além de vários aderentes mobilizados principalmente pelo governo chinês. O presidente brasileiro já havia sido criticado, internamente, por declaração sobre os Estados Unidos na última reunião dos cinco emergentes, no Rio de Janeiro. Mas explicar as últimas ações trumpistas apenas como reação ao Brics pode ser um exagero. Essa interpretação, no entanto, pode ser pelo menos parcialmente verdadeira. Além disso, convém registrar um lembrete: provocações inúteis podem ser arquivadas e depois lembradas, a qualquer momento, pelos atingidos.

O presidente Lula foi, muitas vezes, negligente em relação a esse ponto. Autoridades da China, um país muito mais poderoso que o Brasil em termos econômicos, tecnológicos, diplomáticos e militares, são geralmente cautelosas nas palavras e pouco propensas a controvérsias e provocações.

Exibindo moderação nos últimos dias, o presidente da República parece propenso a dedicar-se principalmente aos problemas internos, evitando brigas sempre que possível. Enquanto o vice-presidente, Geraldo Alckmin, se ocupa dos conflitos externos e de outras questões importantes para a economia, num dueto produtivo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente pode gastar mais tempo com a política e, portanto, com os desafios das eleições do próximo ano.

Todas as pesquisas têm apontado Lula em posição vantajosa, mas a campanha provavelmente consumirá grande parte do seu esforço neste semestre e na metade inicial de 2026. A mobilização do bolsonarismo já é notória, ruidosa e em grande parte concentrada, neste momento, na campanha pela anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro. O objetivo mais ambicioso é interromper as ações legais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e possibilitar sua candidatura à Presidência.

Não é fácil justificar uma anistia a gente envolvida em tentativa de golpe. A depredação de Brasília, a invasão das sedes dos Três Poderes e ações como a do sujeito sentado na cadeira do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) constituíram muito mais do que atos de vandalismo. Foram tentativas de alteração do regime e de implantação de uma ditadura, embora muitos participantes talvez nem fossem capazes de notar ou avaliar esse fato. Mais do que isso, alguns dos envolvidos na manobra chegaram a planejar, como já foi reconhecido em depoimentos, homicídios de autoridades – do presidente da República, de seu vice e do ministro do STF Alexandre de Moraes.

As semelhanças entre o 6 de janeiro de 2021 em Washington e o 8 de janeiro de 2023 em Brasília de nenhum modo são casuais. Nos dois eventos, o vandalismo sucedeu às derrotas de presidentes em busca de reeleição – dois políticos de extrema direita, de tendências autoritárias e, no caso do brasileiro, saudosista confesso de uma ditadura militar.

O americano conseguiu retornar à Presidência no começo deste ano. Ações contra universidades, professores, estudantes e imigrantes, assim como seu apoio à repressão violenta e suas violações de normas constitucionais básicas, foram atos notáveis de seu novo início de governo. Esse período foi marcado, no campo internacional, por suas pretensões imperiais. De modo inequívoco, essas ambições se manifestaram igualmente no desprezo às normas do comércio e nas tentativas de intervenção em países soberanos. Num desses países, o Brasil, Trump ganhou apoio de parlamentares e de governadores, enquanto impunha restrições ao País. O presidente americano pode orgulhar-se de seus apoiadores brasileiros.

 

Nenhum comentário: