Folha de S. Paulo
No passado, os protestos se davam nas praças
e eram ferozes. Mas, nas avenidas, a multidão parece não ter fim
Quem apoia as boas causas, mas fica em casa
ouvindo os comícios pela televisão, não pode se queixar
Está na história. A função da praça nas cidades antigas, além de acolher o comércio de batatas, era a de aglomerar as pessoas que queriam protestar contra o rei. Os gritos em uníssono rebatiam nas fachadas ao redor e faziam com que os governantes fossem destronados na sequência dessas manifestações. Lâminas convenientemente instaladas em praças —em Paris, a Place de La Concorde, defronte ao Hotel de Crillon, que alugava as janelas— fizeram rolar muitas cabeças coroadas.
Nas cidades modernas, a instituição da
avenida tirou a primazia da praça como cenário das grandes massas, mas não
aliviou as orelhas dos tiranos e de quem ela quisesse depor. Ao contrário,
permitiu a multiplicação das multidões, já que as praças são limitadas e as
avenidas podem não ter fim. Além disso, a praça é do tempo dos comícios no
gogó. As avenidas costumam ter uma caixa de som em cada esquina, com o que os
discursos se podem ouvir de mar a mar, como na av. Rio Branco.
O Rio foi palco de fabulosos atos de protesto contra
a ditadura. Dois deles, em 1968: o enterro do estudante assassinado Edson Luiz,
num cortejo que cruzou a cidade, da Cinelândia ao Cemitério São João Batista, e
a famosa Passeata dos 100 mil. Em 1984, o comício pelas Diretas, na av.
Presidente Vargas, congregando 1 milhão de pessoas. Em 1992, na orla, o Domingo
Negro contra Fernando Collor, em que todos os manifestantes se vestiram de
preto. É verdade que, nos últimos anos, foi Bolsonaro quem encheu as ruas,
enquanto os cidadãos lúcidos, enojados da política, ficavam em casa.
Talvez não tão lúcidos. Não pode ser a
política a razão do nojo, mas a má política. Renegar a política é abrir a porta
aos falsos messias, como Jânio, Collor e Bolsonaro, ou à ditadura.
Neste domingo, o Brasil promete sair às ruas
contra os maus políticos, que se querem impunes por seus crimes, e contra
a anistia aos golpistas, que é apenas outra forma de golpe.
Quem apoia as boas causas pela televisão não pode se queixar. Lugar de povo é
na rua.
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